JEHAN GEORGES VIBERT - Gulliver - Óleo sobre tela - 56,5 x 109,8 -1870
Quando criança, li o romance
As Viagens de Gulliver. Fiquei
impressionado com aquela narrativa, e ainda bem novo ficava imaginando uma
terra de pessoas tão minúsculas, proposta na obra do escritor Jonathan Swift.
Swift ficou famoso com sua obra e ela se tornou um clássico da literatura
inglesa. Vivi muitos anos com aquela intrigante sátira na minha mente. Acredito
que essa bela estória tenha inspirado muitos antes de mim e foi exatamente o
encontro com uma obra do artista Jean Georges Vibert que me fez recordar os
tempos de criança. Vibert soube, como poucos, captar todo o clima proposto pelo
texto de Swift. O encontro com esse trabalho tão bem elaborado por Vibert,
despertou-me o interesse em conhecer melhor o artista. Para minha grata
surpresa, uma produção riquíssima, muito bem executada tecnicamente e cheia de
irreverências e críticas.
JEHAN GEORGES VIBERT - Após a pilhagem - Óleo sobre tela - 61 x 160,3 - 1866
JEHAN GEORGES VIBERT - O artesão espanhol - Óleo sobre tela - 40 x 49,5 - 1873
JEHAN GEORGES VIBERT - Nas muralhas - Óleo sobre painel - 43,8 x 72,3 - 1867
Para os mais íntimos, Vibert
era tido como um homem muito espirituoso. Um crítico mordaz, que sabia manusear
os pincéis e as tintas com a mesma habilidade que não poupava religiosos e
governantes. Sua obra, mesmo chocando e irritando certas classes da sociedade,
traziam-lhe respeito e fama. Se tivesse vivido um século antes de sua época,
provavelmente teria sido preso e condenado à morte pelas suas críticas
contundentes e nada amistosas com a classe religiosa e política. Foi exatamente
isso que o diferenciou de todos os artistas de sua época. Ele soube usar do
amplo domínio técnico para criar uma obra atrevida e irreverente, e que
marcaria toda uma época e ganharia vários seguidores. A pompa e hipocrisia do
clero e governantes de sua época não passaram desapercebidas diante de seus
pincéis. De um certo modo, a tolerância a seu trabalho, por parte das classes
dominantes da sociedade, é hoje vista como uma democratização que se
estabelecia em solo europeu. E se isso pudesse ser feito com humor e bom gosto,
que fosse pelas mãos habilidosas de mestres como Vibert.
JEHAN GEORGES VIBERT - A comissão de livro de morais - Óleo sobre tela - 45 x 64,7
JEHAN GEORGES VIBERT - O jantar do cardeal - Óleo sobre painel - 53,3 x 73,3 - 1875
JEHAN GEORGES VIBERT - A audição - Óleo sobre painel - 53,5 x 72,5
Jehan Georges Vibert ou Jean
Georges Vibert nasceu em Paris, a 30 de julho de 1840. Filho do gravador e
editor Théodore Vibert, e neto do influente criador Jean-Pierre-Marie Jazet,
podia-se dizer que nasceu em berço ideal para a efervescência artística. Ele
começou sua formação artística em uma idade bem jovem, sob a instrução do avô
materno, Jean-Pierre-Marie. O jovem Jean era considerado um aluno medíocre,
porque ao invés de prestar atenção ao mestre de sua classe, vivia esboçando
imagens de pessoas em seus cadernos escolares. Vibert estava mais interessado
na pintura de gravura e entrou no estúdio de Félix-Joseph Barrias e
eventualmente na École des Beaux-Arts quando tinha dezesseis anos. Ele
permaneceu na École por seis anos sob a instrução do pintor histórico
François-Edouard Picot.
Esquerda: JEHAN GEORGES VIBERT - A colheita de melão - Óleo sobre painel
Direita: JEHAN GEORGES VIBERT - Cardeal lendo uma carta - Óleo sobre tela
Abaixo: JEHAN GEORGES VIBERT - Figuras num rochedo - Óleo sobre tela - 1867
Vibert tornou-se muito amigo
de Eduardo Zamacois, um jovem artista espanhol. Os dois viajaram para a Espanha
em conjunto, em 1860. Além de se encantar com a cultura e tradições do país
natal de Zamacois, Vibert aproveitou a viagem para colecionar roupas e
materiais diversos do povo espanhol, que mais tarde seriam utilizadas para
criar cenários para suas composições, como Toreros
em oração. Em 1866, os dois amigos trabalharam em uma obra conjunta, que
foi a primeira participação dos dois no Salon de Paris. Intitulada Entrada dos Toreros, este foi um fato bastante
incomum, porque os artistas geralmente não trabalhavam em composições coletivas.
JEHAN GEORGES VIBERT - O retorno das relíquias
Aquarela e guache sobre papel - 47,9 x 101,6
Esquerda: JEHAN GEORGES VIBERT - Duas lagostas vermelhas - Óleo sobre painel
Direita: JEHAN GEORGES VIBERT - A dieta - Óleo sobre tela - 71,1 x 60,9
JEHAN GEORGES VIBERT - Eureka - Óleo sobre painel - 46,3 x 37,4
Como artista-solo, Vibert
estreou no Salão em 1863 com duas composições de gênero intituladas A Sesta e Arrependimento. Em 1864, ele foi premiado com uma medalha por sua pintura
Narciso transformado em uma flor. Sua
virada para cenas de gênero deu-se exatamente nessa época, quando adotou a
sátira em suas obras, criticando com muita irreverência o clero de sua época.
Muitas obras com essa temática seriam produzidas à partir daquele instante e
ele tornaria cada vez mais famoso por elas. Vibert exercia uma nova liberdade
artística através de sua interpretação cômica das fraquezas humanas, ridicularizando
as imperfeições do clero e da monarquia.
Esquerda: JEHAN GEORGES VIBERT - Computando as doações - Óleo sobre painel
Direita: JEHAN GEORGES VIBERT - As três paciências - Óleo sobre painel - 97,2 x 73
Abaixo: JEHAN GEORGES VIBERT - O molho maravilhoso - Óleo sobre painel - 61,5 x 81,2 - 1890
A abordagem de cenas que iam
de desencontro com o clero de sua época, acabou definindo mais tarde o que
ficou conhecido como Arte anti-clerical, que nada mais é do que um gênero de
arte retratando o clero, especialmente os católicos romanos, em contextos nada
convencionais. Foi especialmente popular na França e Itália, durante a segunda
metade do século XIX, no auge do movimento anti-clerical. Pinturas típicas
mostravam cardeais em suas vestes vermelhas brilhantes, engajados em atividades
impróprias dentro de seus aposentos particulares de luxo. Ora se fartando com o
excesso de comida, ora na mais pura preguiça. Os artistas mais destacados
dentro dessa abordagem foram François Brunery, Georges Croegaert, Charles Édouard
Delort, Jules Benoit-Levy, Eduardo Zamacois y Zabala e em especial, Jean
Georges Vibert.
JEHAN GEORGES VIBERT - A sesta - Óleo sobre tela - 73,4 x 99,4 - 1862
Esquerda: JEHAN GEORGES VIBERT - Livros de medicina - Óleo sobre tela - 35,5 x 27,9
Direita: JEHAN GEORGES VIBERT - Notícias - Óleo sobre painel - 81,2 x 61,1
JEHAN GEORGES VIBERT - A reprimenda - Óleo sobre tela - 51,8 x 83,8 - 1874
Vibert tornou-se o mestre da
cena anedótica, e deve isso ao grande apelo por parte dos patronos de arte mais
sofisticadas de Paris. A popularidade de suas pinturas se espalhava
assustadoramente, não só na França e outros países da Europa, mas especialmente
nos Estados Unidos, incluindo as comissões das famílias Astor e Vanderbilt. Vibert
também sabia das suas obrigações como cidadão francês e durante a Guerra
Franco-Prussiana, tornou-se um atirador de elite e foi ferido na batalha de
Malmaison, em outubro de 1870. Por causa desse feito, ele foi premiado com a
Légion d'Honneur e tornou-se Chevalier de la Légion d'Honneur em reconhecimento
do seu sacrifício. Ele se tornou um Officier da Légion d'Honneur em 1882.
JEHAN GEORGES VIBERT - Consertando o telhado e o Banho das mulheres
Aquarela sobre papel - 1880
JEHAN GEORGES VIBERT - Consertando o telhado - Aquarela sobre papel
JEHAN GEORGES VIBERT - O banho das mulheres - Aquarela sobre papel - 1880
Enquanto viajava pela
Espanha, deixou-se influenciar por muitas pinturas que encontrava em museus e
casas de arte. A sua viagem para o Oriente também afetou o seu estilo de
pintura. Vibert compartilhava, cada vez mais, um interesse em dar ênfase aos
detalhes, conforme faziam os artistas orientalistas. E isso enriqueceu ainda
mais a narrativa de seu trabalho. Vibert também ficou muito interessado pela
técnica da aquarela, formalizando a Société des Aquarellistes Français,
tornando-se inclusive seu presidente, em 1878. Sempre pesquisador e buscando
excelência em tudo que se propunha, Vibert usou suas habilidades científicas
para preparar cores de tinta de sua autoria, através do estudo da química das
cores. Ele escreveu mais tarde um livro da ciência da pintura, que ele chamou
de La Ciência de la Peinture, em
1891.
JEHAN GEORGES VIBERT - Um leilão dos móveis - Óleo sobre tela - 1870
Esquerda: JEHAN GEORGES VIBERT - Dando uma espiada - Óleo sobre painel - 37,1 x 23,1
Direita: JEHAN GEORGES VIBERT - Calmaria - Aquarela e goma arábica sobre papel - 46,9 x 34,2
JEHAN GEORGES VIBERT - O primeiro bebê - Aquarela sobre papel - 35,9 x 44,5 - 1872
Havia um desejo constante em
Vibert de se tornar um artista completo. Além de pintar, também escrevia e encenava.
Vibert se tornou um dramaturgo, encenando muitas produções, e escreveu
histórias para peças de sua época, com base em cenas de suas pinturas,
encontrando uma maneira conveniente para fazer propaganda de suas obras,
principalmente nos Estados Unidos. Em 1878, Vibert colocou seis aquarelas e sete
pinturas a óleo em exposição na Exposition Universelle, ganhando uma medalha de
terceira classe por suas inscrições. Durante muitos anos, Vibert também teve
uma associação ativa com o palco e produções teatrais em Paris.
JEHAN GEORGES VIBERT - Pintado por ele mesmo - Óleo sobre painel - 81 x 101
Esquerda: JEHAN GEORGES VIBERT - O doutor doente - Óleo sobre tela - 1892
Direita: JEHAN GEORGES VIBERT - Imponente pavão - Óleo sobre painel - 46,3 x 37,4
JEHAN GEORGES VIBERT - Adestrado - Óleo sobre painel
Foi a ousadia e
irreverência que fizeram de Vibert o grande artista que conhecemos hoje. Sua
arte falava por ele mesmo, embora ele nunca se desse satisfeito com tudo que
produzira. O artista faleceu no dia 28 de julho de 1902. Muitas de suas obras
são hoje prestigiadas em diversos museus e galerias, principalmente dos Estados
Unidos, devido à grande aquisição de seus trabalhos por parte de ricos
colecionadores americanos de sua época.
Pintor espetacular... cenas incríveis! grato pela postagem.
ResponderExcluirUm grande abraço meu amigo, boas festas...
Pra você também, Vidal.
ExcluirObrigado pela companhia neste ano que termina. Que possamos nos encontrar muito em 2017.
Grande abraço!