MARIE-FRANÇOIS FIRMIN-GIRARD - Le Quai aux fleurs
Óleo sobre tela - 100,3 x 144,8 - 1875
Os últimos leilões de arte com obras do século XIX, realizados pela prestigiada Casa de Leilões Sotheby’s, tem causado muito frissom. O último deles, realizado no dia 9 de maio desse mês, trouxe uma comoção especial e tinha motivos para ser esperado com ansiedade. Dentre os muitos lotes oferecidos para serem leiloados naquele dia, um deles, em especial, merecia uma atenção diferenciada por parte de vários colecionadores. Tratava-se da obra “Le Quai aux fleurs”, pintada por Marie-François Firmin-Girard. Um óleo sobre tela datado de 1875. A comoção e ansiedade criadas em torno do lote a ser leiloado foram confirmadas quando o martelo bateu sobre o último lance oferecido: a obra entrou no leilão com estimativa inicial entre 300 e 500 mil dólares e foi vendida por nada menos que mais de 3 milhões de dólares. Mais uma vez comprovando o quanto a arte figurativa, especialmente realista e dentro dessas tendências, vem retomando um carinho especial por parte de vários colecionadores em todo o mundo.
Medindo 100,3 x 144,8 cm, a
tela tem mesmo uma espécie de fascínio. Alcançou sua cifra de valores com todos
os méritos e consolidou a carreira de Firmin-Girard, que ainda não havia
conquistado a evidência merecida.
No decorrer da década de
1870, os trabalhos produzidos por Firmin-Girard para o Grande Salão de Paris
seguiram as mesmas tendências de mudança no gosto do público, saindo das
tradicionais cenas históricas e mitológicas, para temáticas com influências
japonesas e orientalistas. Muitas dessas composições colocaram o artista em
evidência e lhe renderam os primeiros elogios, mas, foi Le Quai aux fleurs, inscrito no Salão de 1876, que veio lhe permitir
conquistar de vez o cenário internacional. A composição, uma tomada panorâmica
feita ao longo do Quai de la Corse, em Paris, retratou com fidelidade o que foi
durante muito tempo, um tradicional mercado de flores da cidade. Era um dos
pontos mais badalados no auge da Belle Èpoque francesa.
Magistralmente emoldurado, o
quadro ganhou um lugar de destaque bem em frente à entrada do Grande Salão
daquele ano. Firmin-Girard deixou escrito posteriormente em uma carta: “A
multidão que estava continuamente aglomerada em frente ao meu quadro era tão
grande, que nem mesmo eu consegui chegar perto dele”. Tal afirmativa não é
exagero, jornais da época também notificaram que a polícia teve trabalho em
fazer o fluxo de admiradores circular em frente ao quadro, evitando os tumultos
frequentes que foram provocados logo na entrada do Salão.
Ricamente detalhado e
densamente povoado em todos os espaços, o quadro nos convida a admirá-lo
incansável e cuidadosamente, repetidas vezes. Estão representadas todas as
construções locais, com detalhes que impressionam e extasiam. É possível ver,
ao longo da margem esquerda do Sena, o Tribunal de Comércio, o Posto l’Horloge
e as duas tores de la Conciergerie (que hoje se tornou o Palácio da Justiça).
Pelo lado direito do rio, um pequeno trecho do Théâtre du Châtelet, com uma
pequena colunata do Museu do Louvre e ainda trecho do Pavilhão das Flores, bem
à distância. Todo o quadro é uma ode ao bom gosto e refinamento.
Não foram medidos elogios
para o trabalho. Quase todos os jornais e periódicos dedicaram matérias
especiais a ele, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Algumas matérias
iam além, tentando decifrar cada personagem representado na composição de
Firmin-Girard. Quem seriam os membros daquelas elegantes famílias burguesas,
elegantemente vestidas? Bebês com suas babás, motoristas de carruagens,
guiadores com seus carrinhos de mão, vendedores de flores... Ninguém escapava
aos comentários ávidos dos repórteres e críticos da época. Atente para um
vendedor de bebidas, bem ao centro da composição, que oferecia uma espécie de
refrigerante de alcaçuz e limão e era muito comum na Paris daquela época.
Eram vendedores ambulantes muito criativos. Firmin-Girard deve ter feito uma
pesquisa minuciosa com vários deles para elaborar a sua tela. Esse vendedor, em
especial, além de trazer à sua cintura as tradicionais taças de prata para
oferecer a bebida, também sustentava uma espécie de estátua dourada com um
relógio, que o deixava facilmente reconhecível em meio à multidão.
As flores então são um
atrativo à parte. Firmin-Girard não mediu esforços e conseguiu coloridos e matizes
dos mais variados em todas as espécies de flores ali representadas. Alguns
escritores de jornais chegaram mesmo a comentar que a obra parecia
excessivamente detalhada, mas se rendiam ao grande impacto que o conjunto da
obra causava a todos. As grandes obras de arte da humanidade são pintadas com a
alma. Não temos a menor dúvida que Firmin-Girard se faz presente em seu
trabalho, imortalizando-se ali em cada pincelada. O trabalho não teve nenhuma premiação
no Salão daquele ano, mas essa obra viria a conquistar Medalha de Bronze na
Exposição Universal de 1900. A obra foi adquirida pelo colecionador americano
Theron Butler, por 85 mil francos. Depois de passar por mãos de outros
colecionadores a obra veio finalmente a ser leiloada no início desse mês,
atingindo o valor recorde para um trabalho do artista.
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Marie-François Firmin-Girard nasceu a 29 de maio
de 1838, na aldeia de Poncin, região de Ain, na França, e faleceu na cidade de
Montluçon, região de Auvergne, também na França, aos 83 anos de idade, em 1921.
Iniciou seus estudos com o suíço Charles Gleyre e mais tarde recebeu ótimas
orientações com Jean-Léon Gérôme, o grande mestre acadêmico de cenas
orientalistas e pinturas históricas. Iniciou sua participação no Salão de
Paris em 1859, com uma impressionante imagem de São Sebastião. Com um prêmio
que recebeu em 1861, na Competição de Roma, conseguiu recursos financeiros para
montar seu próprio estúdio no Boulevard de Clichy, em Montmartre. Como muitos
artistas de sua época, teve um período com forte influência da arte de
gravuras japonesas, vindo a se inspirar nelas para muitas de suas composições. La toilette japonaise, por exemplo, foi
exibida no Salão de 1873. Durante cerca de 30 anos, Firmin-Girard conseguiu que
suas obras entrassem para o Salão de Paris. Seus últimos anos de vida foram
mais reclusos e pouco se sabe sobre eles.
OUTROS TRABALHOS DO ARTISTA:
MARIE-FRANÇOIS FIRMIN-GIRRARD - Le jardin de la marraine
Óleo sobre tela - 101,6 x 69,2 - 1875
MARIE-FRANÇOIS FIRMIN-GIRARD - Outono no mercado em Les Halles
Óleo sobre tela - 83 x 117
MARIE-FRANÇOIS FIRMIN-GIRARD - O toilette japonês - Óleo sobre tela - 1873
MARIE-FRANÇOIS FIRMIN-GIRARD - Colhendo flores - Óleo sobre painel
Gostei imensamente do artigo.
ResponderExcluirTexto claro, descrição detalhada e bem cadenciada.
Parabéns mais uma vez, mestre amigo.
Um abraço grande desde aqui. Luz e paz.
S. Quimas
Artista plástico, designer e escritor.
https://www.facebook.com/SQuimas
Olá, Quimas!
ExcluirGosto imensamente de suas visitas e de sua participação.
Luz e muita paz aí também!
Grande abraço!
Estas cenas são paralisantes, admiro muito os trabalhos deste grande Artista, cenas de Paris sempre tem um charme diferente.... belíssima matéria.
ResponderExcluirBom final de semana Amigão!
Paralisantes... Taí um adjetivo especial para todas as cenas da Belle Èpoque francesa.
ExcluirObrigado, Vidal. Abraço grande, meu amigo!
Adoro os trabalhos do artista Marie-François Firmin Gerard. A sensibilidade e delicadeza na
ResponderExcluirfinalização em seus trabalhos é sensacional. E o texto como sempre, divino!
Sim, trabalhos muito primorosos, de um artista que vem conquistando uma exposição melhor nos meios de comunicação.
ExcluirGrande abraço, Neide!