No dia 27 de abril,
inaugurou no Espaço Cultural Albano Hartz, na cidade gaúcha de Novo Hamburgo,
uma importante exposição intitulada 40 ANOS DA CASA VELHA. Há tempos, estava
sondando a ideia de fazer uma matéria com o artista Marciano Schmitz, e essa
ocasião me pareceu a mais oportuna. Idealizador do Movimento-manifesto Casa Velha,
juntamente com os artistas Flavio Scholles e Carlos Alberto de Oliveira,
Marciano Schmitz foi de uma cordialidade exemplar ao me conceder uma entrevista
sobre ele e sobre seu papel no cenário artístico gaúcho.
Nascido na cidade de Novo
Hamburgo, em 1953, não é exagero afirmar que Marciano Schmitz é um dos nomes
mais expressivos da arte gaúcha de todos os tempos. Além de pintor, é escultor
e professor de artes. Engajado com causas sociais, há exatos 40 anos, criou o
Movimento Casa Velha, que ele próprio explicará um pouco, ao fim da entrevista.
Dono de um trabalho impecável, é um dos ícones do Surrealismo brasileiro. O regionalismo
e o sagrado são temas frequentes em sua obra, sempre carregados de um
simbolismo muito particular. Vamos à entrevista:
José
Rosário: “A região Sul tem uma forte influência da colonização estrangeira em
todos os estados. Seu sobrenome remete a descendência de alguma colonização
europeia. Sua origem é estrangeira? Ou somente é descendente de estrangeiros?”
Marciano
Schmitz: “A minha região de nascimento, Novo Hamburgo, é de
colonização alemã, bem como toda a região da serra. Minha cidade, fica a 45 Km
de Porto Alegre. Sou descendente de gerações. Para se ter uma ideia, até os
anos 50 só se falava alemão. A cultura local sempre teve forte influência em
todos os aspectos. Hoje já está bastante integrada e os antigos hábitos foram
desaparecendo”.
José
Rosário: “Qual sua formação artística? Cursou alguma faculdade superior em
desenho e pintura? E quanto às influências, tem alguma que considera em
especial? Algum mestre que seja seu guia especial?”
Marciano
Schmitz: “Bom, como sempre, se começa de jovem. Nos anos 60 me
inscrevi no então instituto de Belas Artes da cidade. Na época, o ensino era de
orientação acadêmica e iniciei trabalhos bem formais. Após, aos 18 anos, ingressei na segunda turma da faculdade de licenciatura em desenho e plástica
da FEEVALE, em 72. Ali, a orientação era voltada à vanguarda, o que me custou
muito a adaptação. O que valeu foi a base crítica e filosófica, o pensar arte.
Na época tinha resolvido seguir na profissão. Para tanto trabalhava em
decoração de eventos, cenografia teatral, publicidade, ilustração etc., o que
me dava sustentação financeira. Também iniciei na escultura e nas mais variadas
formas de construção e materiais. Passei a procurar conhecimento em locais como
fundições, construção civil, empresas de publicidade de outdoors (que eram
ainda pintados à mão), empresas especializadas em fiberglass e coisas do gênero.
Bom, com relação a desenho e pintura, tinha a meu alcance a obra e a amizade de
um conterrâneo, Ernesto Frederico Scheffel, grande acadêmico e aluno de Osvaldo
Teixeira. Schefell conquistou a famosa medalha de ouro do então Salão Nacional
de Belas Artes, nos inícios de 50, foi para Florença e lá ficou a maior parte
da vida. Foi um dos meus grandes incentivadores. Outra referência foi o
muralista Aldo Locatelli. Italiano de nascimento, foi uma referência no
muralismo sacro e histórico do estado. Embora falecido, muito cedo sua obra me
influenciou bastante, principalmente na composição e na perspectiva tonal.
Porém, como jovem, ficava atento aos movimentos e tendências internacionais da
época. "Elegi" então como forma de expressão o surrealismo e a escola
metafisica. Cultuava Dalí, Max Ernst, Magritte e De Chirico, que de certa forma
até hoje me influenciam.”
Sem rotular como uma escola estilística definida, os trabalhos dessa série são classificados por Marciano Schmitz como "Realidade não normal". Ainda segundo ele, são uma maneira como tenta "esticar" a representação das coisas e paisagens cotidianas.
José
Rosário: Vejo que há um
ecletismo muito grande em suas obras. Ora se valendo de um realismo quase
acadêmico, ora se enveredando de vez pelo surrealismo e simbolismo. Você tem
algum estilo que prefere ou prefere fazer aquilo que gosta?
Marciano
Schmitz: “O que busquei sempre foi o estudo técnico da
representação. De vez que tinha abraçado uma vertente surrealista, a forma
teria que ser bem resolvida, mais as influências de pintores locais. Nos
períodos de estudante fiz incursões por várias técnicas, inclusive abstrações,
porém, no fundo não me satisfaziam, o tema não se adequava. No início eu era
mais desenhista, tive que ouvir meu mestre dizer que pintura não era
"desenho pintado", era uma coisa quase relacionada à escultura, tive
que entender coisas como contrastes por complementares, etc. Outra coisa era a
idealização da arte e a sobrevivência com a arte. Na sobrevivência, torna-se
necessário ser versátil, objetivo, adequar-se e, nisso existem grandes
ensinamentos. As técnicas adequadas, as dimensões físicas das obras, sua
adequação às arquiteturas nos fazem encarar tudo como desafio. Por exemplo, a
técnica empregada numa obra mural difere muito da técnica em um trabalho de dimensões
normais, tem de ser de visualização a grandes distâncias, tem de ser mais
sintética, a composição prevalece sobre as formas, a proposta é quase uma
montagem teatral, os modelos são estudados separadamente, um a um, depois
agrupados fazendo um sentido, a estória começa e termina no "palco".
Outra coisa é o uso da alegoria sobre um assunto, exemplo: uma encomenda de uma
empresa onde se deve falar desde a história, a missão, o produto e o triunfo,
tudo num mesmo espaço. O mesmo acontece no sacro, no político, nas lendas.
Agora no que se denomina a nossa arte pessoal a coisa é livre, a técnica, a
abordagem é descompromissada, as metáforas que usamos para falar de nós mesmos,
nosso discurso pessoal e político. Realmente sempre é melhor pintar nossas
próprias ideias, sem a menor intenção de venda.”
José
Rosário: Você se considera um artista político? Há algum engajamento político
no seu trabalho? Isso já aconteceu algum dia?
Marciano
Schmitz: “Falando de engajamentos, sim já houve em peças como
monumentos e painéis. Nos anos 80 eram mais aparentes ou objetivos, depois usei
mais metáforas, pois, se queremos uma certa atemporalidade não podemos
estabelecer situações muito pontuais, temos de fazer o espectador fazer sua
parte. Uma coisa que tento muito é abordar a questão existencial, ainda não
cheguei no que consideraria o ideal.”
Cenas feitas do que considera como apontamentos. Partes do que o artista denomina como diários cotidianos, apontados em locação, geralmente em pequenas dimensões. São, segundo o próprio Marciano, peças feitas pelo puro prazer de pintar, de estudar cor e luz.
José
Rosário: Estamos num momento delicado da história mundial. Da comunicação
digital tomando uma força que não se fazia ideia há pouquíssimo tempo. O que
acha dessa mudança com relação ao meio artístico? Isso tem afetado ou favorecido
a arte, em sua opinião?
Marciano
Schmitz: “Com relação à nova comunicação, a digital, existem
dois aspectos; primeiro, cheguei a ficar com medo a partir dos anos 90, pensei
que o fato de pintar, desenhar e esculpir ficariam no plano de um passado longínquo,
as novas ferramentas fariam uma substituição arrasadora, como de fato fizeram a
banalização da comunicação visual. Na verdade, o que houve foi a perda da
referencia do que sempre foi o precioso da arte, a plasticidade, um trabalho
confundido com imagem plotada tornou-se comum. Mas teve seu lado bom, a
possibilidade de trazer para perto as experiências de artistas que antes se
tornavam desconhecidas. As obras hoje são muito mais visitadas, as
oportunidades são mais democráticas, a crítica é mais direta e imediata, bem
como a possibilidade de conversar com um artista do outro lado do mundo. Claro
que as comunicações e seus agentes deverão agora amadurecer nos conteúdos.
Penso que o impacto é semelhante ao do aparecimento da fotografia ou do cinema
no passado. Para os artistas torna-se necessário tirar o devido proveito disso.”
José
Rosário: Com relação ao Sul, como vê o momento da arte figurativa na sua
região?
Marciano
Schmitz: “Com relação à arte na minha região, eu a vejo um pouco
estanque, talvez até um pouco alienada, falo isso do momento atual. Já foi
melhor, mais compromissada (não digo isso como saudosista). Porém novos grupos
estão se formando e isso nos trará sem dúvida um futuro promissor.”
Esculturas para um monumento comemorativo e partes e estudos de pintura mural sacra e alegórica.
José
Rosário: A mostra 40 ANOS DA CASA VELHA relembra um momento importante da arte
em Novo Hamburgo. Fale sobre ela:
Marciano
Schmitz: “A exposição 40 Anos da Casa Velha é uma mostra que
relembra um movimento ou manifesto que fizemos, Flavio Scholles, Carlos Alberto
de Oliveira (Carlão) e eu, em 1977. Era um manifesto de contra cultura que
fizemos. A ideia era propor a mudança de hábitos visuais e a permanência do
artista no seu local de origem ou na sua aldeia, Éramos pintores de três
vertentes totalmente diversas. O Flavio vinha da colônia, do trabalhador rural
de origem alemã que ainda tinha toda uma cultura germânica, inclusive na
língua. Abordou o trabalho rural, o êxodo rural e a adaptação à uma vida quase
marginal nas grandes cidades. Seu estilo é basicamente expressionista, com
muita influência do expressionismo alemão. O Carlão era Naife, negro de origem
humilde nascido na periferia da cidade (já falecido), abordava seu mundo de
vila, desde jogo de futebol, a festa de periferia, terminais de ônibus, o bar,
o operário de fábrica.”
A Casa Velha oferecia
diversos cursos, como dança e expressão corporal, técnicas de jazz, laboratório
de ginástica rítmica, entalhe de madeira, tapeçaria, porcelana, fotografia,
modelagem, molduras, aquarela, teatro, chiboris (tingimento em tecido), além é
claro, de desenho e pintura. Os cursos despertavam o interesse e a criatividade
de quem participava, servindo de fonte de renda para a manutenção da casa. Em
plenos anos 70, a Casa chegou a abrigar mais de 250 alunos no mesmo período.
.........
Gostaria de agradecer imensamente
a simpatia e atenção de Marciano Schmitz, que tão prontamente nos permitiu
conhecer um pouco do artista e ser humano que é.
Possa sua arte servir de
inspiração e referência para essa e muitas outras gerações.
PARA CONHECER UM POUCO MAIS:
Nenhum comentário:
Postar um comentário