Ler e admirar textos e poemas de escritores que se foram é entrar no universo que um dia eles viveram. É participar um pouco de suas alegrias, frustrações, descobertas... experiências.
Ler e admirar textos e poemas de escritores que ainda estão no nosso convívio é ainda melhor. Ver as obras de suas escritas sendo tiradas do viver no dia-a-dia e perceber que o Olimpo que eles parecem habitar, está muito mais próximo que a gente imagina.
Tenho o privilégio e honra de conhecer um grande poeta do presente. Ainda quase anônimo, mas, com uma trajetória literária que certamente o deixará na história.
Deixo abaixo uma de suas obras. Daquelas que parecem ter sido escritas para qualquer um de nós. Quando a poesia é sincera, se veste de uma humanidade que envolve todo o mundo.
EU QUERIA...
(JOSÉ MARIA HONORATO)
Queria não me importar com as folhas mortas
Nem tão pouco com as falas mudas, absurdas.
Queria não ouvir os gritos calados da fome ao meu redor.
Como eu queria poder não sentir a tristeza,
A desesperança no olhar de minha gente.
Muito menos, ouvir o som dos passos lentos do desencanto,
Perdidos de porta em porta.
Queria não enxergar as manobras da moeda,
Do poder alienando o nosso povo.
Nem tão pouco ver os donos da imprensa
Trilhando essa gente cordeira.
Queria fechar os olhos diante dos barracos,
Das doenças, da morte nas filas da madrugada.
Queria que o deus que vendem por aí não existisse,
Cada um por si, sem oferecer a outra face.
Como seria bom...
Se não existisse a culpa e o culpado.
Que para fazer não precisasse pensar duas vezes.
Queria o amor das estações, sem poesia,
Sem perfume e sem partilha.
Andar pelas ruas e ser melhor que aquele cão que vai.
Não entender a angústia dos jovens,
Com as luzes veladas no horizonte tão incerto.
Queria não gostar de poesia, não me emocionar,
Nem tão pouco arrepiar com teu abraço.
Queria não me importar com uma árvore que tomba,
Com um animal prestes a dizer adeus de sua existência,
Nem tão pouco com a nascente que secou.
Queria que não houvesse flores, pássaros,
Chuva e barulho de cachoeira.
Que lágrimas e saudades fossem produtos de gôndolas.
Queria que a felicidade fosse uma utopia.
Que não existisse a ofensa,
Pois assim não precisasse existir o perdão.
Queria que o passado fosse coisa do passado,
Que o futuro não fosse hoje, agora.
Queria não perceber a verdade
Que a ignorância fosse meu jantar.
Queria apagar janeiro, julho e dezembro.
Só sexta-feira no tempo.
Que a lua fosse somente um satélite opaco, cheio de crateras
E que as estrelas não fossem mentiras de luz.
Queria a paixão sem prazo de validade
Que o coração não apanhasse nunca,
Que o meu cérebro fosse somente uma massa cinzenta irracional.
Queria que as balas não matassem as meninas perdidas
Que cativeiro fosse somente para cativar.
Queria não me emocionar com as mãos ágrafas,
Nem tão pouco com as velas apagadas no altar.
Queria não duvidar, nem tão pouco ter certeza
Que meus passos me levassem onde não quero ir
E lá ficar... e de lá partir.
Queria não sonhar, nem tão pouco acordar
Que a morte fosse irmã do meu sul, não do meu norte.
Queria não poder voar e caminhar
Como toda gente voa.
Queria ser mais que meus vícios,
Não ter medo de dizer que tenho medo.
Queria a coragem que falta nas sombras.
Queria que o mundo soubesse amar.
JOSÉ MARIA HONORATO
que poema maravilhoso, fala dos nosssos medos e vontades. que pena que querer muitas vezes não é poder, eu também queria viver em uma casa cheia de obras de josé rosário.
ResponderExcluirOlá Edy, que bom encontra-lo aqui, em vários lugares. "Eu queria" que certos poemas, como esse do José, fossem matéria de grade curricular. Tem alma demais nele...
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