ALEXANDER VLADIMIROVICH MAKOVSKY - Dia de mercado em Plyos, detalhe
ALEXANDER VLADIMIROVICH MAKOVSKY - Dia de mercado em Plyos
Óleo sobre tela - 88,7 x 88,5 - 1918
“Todo artista tem de ir
aonde o povo está!”
Precisava pegar emprestada
essa frase da música Nos Bailes da Vida,
de Milton Nascimento, para começar essa matéria. Na verdade há uma distância física
muito grande entre o Brasil e a Rússia, e maior ainda entre o tempo que separa
o auge da carreira do Clube da Esquina e os ideais libertários na arte russa do
final do século XIX. No entanto, há um ponto de concordância entre os idos anos
do movimento russo e dos melhores anos da MPB brasileira da década de 80: ambos
lutavam por uma arte que falasse a língua do povo e fosse de encontro com ele.
E ambos fizeram isso muito bem. Em nome do que acreditavam, deixaram o melhor de si
e presentearam o mundo com obras que jamais serão esquecidas. Tanto a música
brasileira se enriqueceu, como a arte russa tomaria novos rumos.
ALEXANDER VLADIMIROVICH MAKOVSKY - Vista de Plyos
Óleo sobre tela - 67 x 85 - 1918
VASSILY MAXIMOV - Tudo está no passado - Óleo sobre tela - 1889
Um itinerante é um nômade.
Alguém que não possua endereço fixo, que passa seus dias viajando de um lugar
para o outro. Peredvizhniki (Передвижники), que numa tradução mais coerente
seria Itinerantes, foi o nome recebido por um grupo de artistas nos finais dos
anos 1800 e início dos anos 1900, na antiga Rússia. Consistiu basicamente de um
círculo de artistas realistas, que formaram uma sociedade baseada na liberdade
de movimento e pensamento, em protesto contra as restrições acadêmicas impostas
por uma elite dominante, e que influenciavam todas as escolas de arte naquela
época. No cerne do ideal libertário daquele movimento, estava o desejo de que o
povo apreciasse e vivesse também a arte produzida no país, e que ela não
ficasse apenas restrita às escolas e aos círculos acadêmicos.
IVAN KAMSKOY - O apicultor - Óleo sobre tela - 1872
ARNOLD BORISOVICH LAKHOVSKY - Sapateiros - Óleo sobre tela - 67,5 x 89,5
VASILY PEROV - Um avô e seu neto - Óleo sobre tela - 78 x 62 - 1871
Havia um desafio muito
grande para aquele movimento. O conservadorismo do mundo da arte convencional
de seus contemporâneos era muito forte e influente. Apenas as escolas de arte e
galerias especializadas tinham acesso ao que era produzido pelos artistas do
país. Os artistas ditos “Itinerantes” não queriam fazer uma “arte pela arte”,
mas sim, criar algo que se tornaria útil para a sociedade de sua época, e que,
de uma forma ou de outra, estaria enraizado na arquitetura sócio-político de
seus contemporâneos. Tudo que já era defendido por amigos e contemporâneos ao
movimento, principalmente por Fyodor Dostoyevsky e Leo Tolstoy.
GRIGORIY MYASOYEDOV - Caminho para Rye - Óleo sobre tela - 65 x 145 - 1881
GRIGORIY MYASOYEDOV - Colheita - Óleo sobre tela - 179 x 275 - 1887
GRIGORIY MYASOYEDOV - O almoço dos mendigos - Óleo sobre tela - 74 x 125 - 1872
Em 1863, após a emancipação
dos servos russos, um grupo formado por catorze alunos da Academia Real de
Belas Artes levou ao conhecimento do grande público, os ideais defendidos por
Vissarion Belinsky e Nikolai Tchernichévski. Esse último, em especial, defendia
principalmente a liberdade à imprensa e o fim da servidão. Assim, em 1870,
ficou fundado oficialmente o que veio a se chamar Sociedade de Exposições Itinerantes.
Os proeminentes artistas de São Petersburgo, Ivan Kramskoy, Grigory Myasoyedov,
Kikolay Ghe e Vasily Perov encabeçaram o movimento. Eles protestaram
principalmente contra a Academia de Arte de São Petersburgo, o centro oficial
mais conservador naquele momento.
ILYA REPIN - Puxadores de barcos no Volga - Óleo sobre tela - 131,5 x 281
KONSTANTIN MAKOVSKY - Via russa na primavera - Aquarela sobre papel - 31 x 62
VASSILY MAXIMOV - Um feiticeiro chega a um casamento camponês - Óleo sobre tela - 1875
Entre os anos de 1871 e
1923, essa sociedade organizaria 48 exposições, que não se restringiria somente
a Moscou e São Petersburgo, como era de costume, mas que também passaria por
Kiev, Kharkov, Kazan, Orel, Riga, Odessa e outras cidades. A arte defendida pelo
movimento atuaria como um tratado social, mostrando a Rússia em todos os seus
lados, como ela era. Eles destacavam a pobreza vivenciada por muitos em todo o
país, mas também a beleza que era única, tanto na natureza como na força e
coesão das sociedades rural e urbana. O movimento ainda incorporaria artistas
de outras repúblicas, como Armênia, Letônia e Ucrânia, que também passavam por
situação parecida em suas realidades.
VLADIMIR MAKOVSKY - Chegada do outono na vila - Óleo sobre painel - 18 x 27 - 1884
VLADIMIR MAKOVSKY - Pescadores do Volga
Aquarela sobre papel - 33,5 x 47
VLADIMIR MAKOVSKY - Visitando a cozinheira
Óleo sobre painel - 41,2 x 32,5
Durante o seu florescimento
(1870-1890), a sociedade Peredvizhniki desenvolveu um âmbito cada vez mais
amplo, com imagens mais naturais e livres. Em contraste com a paleta escura, muito
tradicional em seu tempo, eles escolheram uma paleta mais leve, com uma forma
mais livre em sua técnica. Eles trabalhavam suas imagens de forma natural, e a
representação de relação das pessoas com os seus arredores. O trabalho do
crítico e democrata Vladimir Stasov foi importante para o desenvolvimento da
arte do Peredvizhniki. Pavel Tretyakov Mikhailovich, um importante marchand na
cena russa daquela época, mostrou o trabalho desses artistas em sua galeria e
deu-lhes importante material e apoio moral.
ISAAK LEVITAN - Paisagem na Criméia - Óleo sobre tela - 1887
ISAAK LEVITAN - Noite no pântano - Óleo sobre tela - 1882
ISAAK LEVITAN - Depois da chuva, Plyos - Óleo sobre tela - 80 x 125 - 1889
A Pintura de paisagem
floresceu nos anos iniciais do movimento. Os Itinerantes a pintavam como
temática principal; alguns, como Polenov, usavam o método de pintura em plein
air. Dois pintores, Ivan Shishkin e Isaak Levitan, pintavam apenas paisagens da
Rússia. Shishkin ainda é considerado como o russo "Cantor da
floresta", enquanto as paisagens de Levitan são famosas por outros
aspectos. A paisagem russa ganhou importância, como um ícone nacional, depois do
movimento Peredvizhniki. O incentivo à paisagem local era para despertar nas
pessoas comuns o amor pela sua terra e acima de tudo, preservá-la. De uma certa
forma, as paisagens russas do movimento Peredvizhniki se tornaram encarnações
simbólicas da nacionalidade russa. Cenas de gênero e momentos históricos também
fizeram parte do repertório de muitos artistas do movimento.
IVAN SHISHKIN - Numa floresta de pinheiros - Óleo sobre tela - 109 x 162 - 1897
IVAN SHISHKIN - Numa floresta de vidoeiros - Óleo sobre tela - 1883
A influência dos artistas Itinerantes
e suas ideias se deram a tal ponto, que na década de 1890, foram incluídos no
repertório da Academia de Artes. A Revista Niva publicava artigos que
enalteciam o movimento e fotógrafos famosos reproduziam obras do movimento,
tornando-os populares e acessíveis. Até hoje, muitas imagens produzidas por
artistas do movimento, principalmente paisagens, são reproduzidas em cartões
postais. Porém, no final da década de 1890, tendências modernistas começaram a
dominar a arte russa. Muitos artistas do movimento Itinerante tornaram
conservadores a seus princípios, mas muito deles acabaram se rendendo às novas
tendências. Alguns aderiram à Associação de Artistas Revolucionários da Rússia,
que defendiam ideais que serão abordados mais amplamente numa outra matéria. Em
1923, fechava o ciclo oficial dos Artistas Itinerantes. Para muitos, foi um dos
períodos mais importantes da Arte Russa. Trazer a arte ao povo e torna-la
acessível a ele, uma tendência que avançaria para além da Rússia e para além daquele
tempo.
SERGEI VINOGRADOV - Verão - Óleo sobre painel - 36 x 51
KONSTANTIN SAVITSKY - Reparando a ferrovia - Óleo sobre tela - 1874
Belíssima comparação... realmente são grandes e marcantes em todos os aspectos...
ResponderExcluirAbraços meu amigo!!!
A relação entre música e pintura sempre foram próximas..." No entanto, há um ponto de concordância entre os idos anos do movimento russo e dos melhores anos da MPB brasileira da década de 80: ambos lutavam por uma arte que falasse a língua do povo e fosse de encontro com ele. E ambos fizeram isso muito bem."
ResponderExcluirBelíssimo comentário...
Abração!
Obrigado, Vidal.
ExcluirNa arte, em qualquer segmento, parece ser isso uma constante: uma alternância de movimentos e semelhantes propostas.
Grande abraço, amigo!