sábado, 27 de novembro de 2010

BELEZA E ARTE - Parte 2 (José Rosário)

Não sei se o tempo vai nos deixando mais exigentes, ou as coisas estão mesmo seguindo caminhos rápidos demais para o desastre. Fico desconfiado se é minha cabeça que está a ficar mais velha que o corpo, ou há com certeza, um descompasso no mundo das artes, fazendo com que o "nada" e o "vazio" sejam os esteios mais disponíveis para se lançar descanso.
Que me perdoem todos pelo meu possível olhar antiquado, mas gostaria que a beleza não fugisse a passos tão rápidos da arte de minha época. Quero a beleza no seu sentido mais ingênuo, primário. Aquela beleza que faz as pazes imediatamente ao primeiro lance de olhar, entre aquilo que se deseja e o que é oferecido. Não quero a beleza egoísta adequada ao meu gosto, mas também não quero a beleza subdivida, adequada como imposição ferrenha pelos conformes do mercado: beleza conflitante, beleza aterrorizante, beleza incômoda, beleza que gosta de chocar... Não, definitivamente não é essa a beleza que gostaria de ter como companhia. Todos nós sabemos, bem intimamente, que realmente somos capazes de sentir a presença do que é verdadeiramente belo. Tudo que é belo emociona, e contra a emoção não há rival que aguente combate. 
Não falo disso apenas sobre as Artes Plásticas, mas em todas as variantes de manifestações artísticas existentes. Quando não há uma tendência exagerada para a arte de "fácil digestão", há uma queda cada vez maior para uma arte sem diálogo, que choca, que causa repugnação e traz o desejo cada vez mais crescente de não querermos estar próximos a ela.
Músicas já não conseguem casar melodia com poesia, a arte cinematográfica desfila quilos e mais quilos de violência e munição. As bienais que acontecem mundo afora tendem cada vez mais para um espetáculo de entretenimento, fugindo perigosamente de suas reais intenções. Até a Filosofia se tornou um habitat de textos complexos e obscuros, que inibem cada vez mais ao invés de explicar, ficando a sensação de que o saber é uma terra longícua, habitada por seres distantes, dotados cada vez mais de palavras difíceis e vocábulos indecifráveis.
Vivemos um período de caos, do mundo saindo cada vez mais de suas particularidades regionais e se integrando numa visão global que definitivamente não tem mais volta.
É certo e necessário que a arte acompanhe a linguagem de seu tempo, e até aceitável que esse tempo tenha infelizmente, na desordem e no caos, a sua linguagem mais evidente. Mas, também é certo que a arte seja sempre um alento de esperança e a possibilidade do ressurgir de um novo mundo. Não se melhora o mundo cultivando ainda mais a sua linguagem desmedida e confusa. Não se melhora o mundo professando cada vez mais o mal que nele germina. A arte teve e sempre terá a obrigação e o papel de inspirar um novo mundo. Ela registra o que existe, mas também precisa provocar a esperança de um mundo melhor. Tire a esperança do homem e a vida perderá todo o sentido.
No mundo em que vivemos, o "novo" se faz imperativo a cada dia, mas nem por isso, seja tolerável que a novidade possa se impor a qualquer preço, fazendo com que tenhamos que engolir garganta abaixo a sandice de tantos exageros. É perfeitamente cabível fazer arte com qualquer coisa, qualquer objeto, mas é deplorável ter que assistir à repetidas incursões carentes de informação e preparo. Até o que é novidade se encarna numa complicada repetição, jogada ao público e imposta como um conceito quase "acadêmico" e obrigatório a ser seguido. E mais uma vez, a lei do que é mais forte contribui para deixar uma parte de nossa história mal contada.
***
Há várias perguntas perigosas, que requerem um pouco de falta de juízo para serem proferidas e por isso mesmo, obrigatórias: Como isso tomou força tão grande nas últimas décadas? Onde estava todo mundo que permitiu que dia após dia, mais e mais coisas fossem introduzidas arbitrariamente com a permissão e imposição de uma minoria? Por que o conceito e o discurso foram promovidos a primeiro plano e o saber fazer foi rebaixado a segundo? Até quando teremos que aceitar que os modismos sejam elevados a categoria de referência?
Essa conversa vai longe e é preciso fôlego e coragem para poder enfrenta-la.
Por enquanto, vou deixando a todos na companhia de ótimas obras que separei, contemporâneas na essência e compromissadas com aquilo que falei no início e que tenho certeza não abandonará nunca aos comprometidos com a verdadeira arte: a Beleza.


SEZE DEVERES - Escultura
Instituto de Arte Contemporânea Tara Donovan, Boston
DALE FRANK - Sem título
Óleo sobre tela - 180 x 180
YAYOI KUSAMA - Jardim de Narciso
Esferas inoxidáveis
Museu de Arte Contemporânea Inhotim - Brumadinho/MG
OSCAR NIEMEYER - Museu de Arte Contemporânea de Niterói/RJ

6 comentários:

  1. Caro Rosário,
    os questionamentos nos fazem encontrar (algumas vezes)as respostas para nossas buscas! abrem um caminho para tentar entender nosso mundo tão cheio de informações e apelos visuais...! o importante é não perder nunca essa capacidade de questionar,se indignar,se encantar e até mesmo se afligir com a vida a nossa volta !a poesia e a arte são nossos salvo condutos para escapar da loucura que é viver...
    Abraços, Beth Ferraz.

    ResponderExcluir
  2. Como sempre interagindo por aqui. Bom te ver mais uma vez, Beth.
    É uma conversa que vai longe, essa. Vamos caminhando e fazendo nossa parte.
    Grande abraço!

    ResponderExcluir
  3. CARO AMIGO ! Suas reflexões mostram que você está puro, e isso é bom, mas mantenha sua aflição sob essa pureza, que alimentas com tua arte. Ofereça essa beleza que preservas, como um buquê, que a cada dia, se oferece aos filhos,e proteja-os, mas saia lá fora e exponha-se ao sopro do dragão. Traga anticorpos, para que teu filho, quando inevitavelmente se aventurar, não o faça sem bússola. Não me atrai a exposição invisível do conceito, que escreve um discurso de dez páginas para justificar um barbante que atravessa uma bienal inexpressiva, mas os maneiristas vazios sempre são subprodutos de críticos estèreis, e não convencem quem teve pais acordados.
    O HUMANO É MAIS MUTANTE DO QUE A BARATA !
    LUCIEN FREUD é necessário, para expor a fragilidade humana lá fora e o que realmente somos quando não estamos sob roupas e maquiagem. Cada vez mais nossas ruas se enchem de monstros criados por cirurgiões plásticos, com ácidos paralisantes nas expressões faciais, silicones e implantes de butox, cortes e esticadores de peles.
    O mundo lá fora não pode proteger os que não tiveram pais questionadores.
    Questione sempre, vivencie sempre as estranhezas. É o caminho.
    Um abraço, amigo

    SELISTRE

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Viver alimentado pela dúvida! Uma meta para mim, Selistre.
      Fazer as perguntas certas, ainda que estranhe a sinceridade das respostas.
      Um grande abraço, amigo!

      Excluir
  4. José Rosário, muito obrigada!! Agradeço a você por colocar em palavras todo o meu sentimento em relação à Arte Contemporânea. Existem, é certo, exceções (raríssimas!!). Mas esta lógica que norteia as artes, ditas Contemporâneas, para mim é puro mercado, ($$$) e que para não serem visto como pessoas desatualizadas, alienadas ou mesmo ignorantes, muitos acham interessantes e até ensaiam "analisar" o que estão vendo. Puro exibicionismo sem conteúdo. Assista um programa maravilhoso da Globo News. (http://globotv.globo.com/globo-news/starte/v/artista-plastico-polemico-tem-vendas-recordes-e-se-torna-o-mais-rico-do-mundo/1928449/). Parabéns pelo seu blog!! LIA FIGUEIRINHA

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Lia, fico feliz em encontrar mais pessoas solidárias com minha visão.
      Grande abraço e obrigado por passar aqui!

      Excluir