terça-feira, 1 de janeiro de 2019

A ARTE NO SÉCULO XIX: Parte 6

THÉODORE GÉRICAULT - A balsa da Medusa
Óleo sobre tela - 491 x 716 cm - Entre 1818 e 1819 - Museu do Louvre, Paris

THÉODORE GÉRICAULT
Estudo para A Balsa da Medusa
Carvão sobre papel - 28,9 x 20,5 cm - 1818

A terceira década do século XIX seria determinante no cenário artístico europeu, em vários aspectos. A influência neoclássica das academias ficava com os dias contados e surgia, em todos os cantos, variantes artísticas cada vez mais voltadas para uma linguagem mais prática e objetiva. Na pintura francesa, David já não tinha mais a influência de antes e foi da oficina de um dos seus discípulos, Gros, que surgiram dois importantes nomes na pintura francesa: Géricault e Delacroix. Ambos tinham um gênio equivalente, mas de destinos muitíssimo diversos, porque o mais velho, Géricault, morreu em plena juventude, enquanto o segundo, Eugène Delacroix, conseguiu fazer da sua carreira e da sua vida uma obra-prima total.


THÉODORE GÉRICAULT - Estudo de cavalo cinza - Óleo sobre tela

Aos seus estudos muito intensivos, devia Géricault uma formação acadêmica sã e poderosa, conforme o testemunha a Jangada de Medusa, cuja palpitação trágica constituiu o manifesto dos inovadores. Mas Géricault está mais completamente nos seus desenhos de traços gordos, em que a influência de Miguel Ângelo se afirma com nitidez, e também em quadros de dimensões menores, em que o estilo enobrece certos temas anedóticos, como a Corrida dos cavalos berberes em Roma. O pintor permanecera algum tempo na Inglaterra e o que vira nesse país tinha grandemente favorecido as suas disposições de colorista.


GEORGE STUBBS - Whistlejacket
Óleo sobre tela - 292 x 246,4 - Cerca de 1762 - National Gallery, Londres
Stubbs, apesar de ser do século anterior, teve uma grande influência na produção
equestre de trabalhos de Géricault.

O permanente fascínio de Géricault por cavalos encontrou expressão na pintura de corridas inglesas. Cavaleiro exímio, morreria jovem, em consequência de ferimentos e ulteriores complicações resultantes de uma série de quedas de cavalo. Era especialmente aficionado por pinturas equestres barrocas e das obras de George Stubbs, tanto por seus expressivos estudos de animais, que introduziram nova temática na arte romântica, quanto por seus incomparáveis estudos anatômicos (Anatomia do cavalo).


EUGÈNE DELACROIX - A barca de Dante
Óleo sobre tela - 189 x 241 cm - 1822 - Museu do Louvre, Paris

Se em Géricault, a visita a território inglês permitiu uma nova abordagem artística, mais determinante ainda foi a influência inglesa para Delacroix. Os pontos de contato são numerosos. A amizade do artista, na juventude, a Richard Parkes Bonington e uma primeira viagem à Grã-Bretanha, fizeram-no seduzir bastante pela maneira fluida e brilhante dos Ingleses. É provável que a Inglaterra lhe servisse de transição para compreender os grandes Flamengos e sobretudo Rubens. Enfim, possuímos o testemunho da revolução que nele produziu Constable. No Salão de 1824, ia expor as Chacinas de Seio, quando o quadro que Constable apresentava nesse mesmo ano lhe caiu sob os olhos. A liberdade, a audácia de toque impressionaram-no de tal modo que refez o seu próprio quadro num estilo mais largo. Nessa época, a sua linha de conduta estava, sem dúvida, já traçada. Este grande homem, que não era somente um grande pintor, porque possuía uma cultura pouco comum, que não cessou de aprofundar e de que deixou provas no seu admirável Jornal, tinha-se, de certo modo, estreado (o que produziu anteriormente não conta) no Salão de 1822 — ano de que se pode datar a consagração oficial da pintura romântica — com um quadro que causou sensação: A Barca de Dante. Todos se apaixonaram por esses corpos de náufragos esverdeados que se torciam dentro da barca, por essa iluminação fulgurante, por essa surda riqueza. Saudado por Thiers, bem acolhido por Gros, insultado pelos davidianos, o artista tornou-se de repente célebre, o que o não dispensou de lutar até ao fim da vida, até para assegurar a sua existência material.


EUGÈNE DELACROIX - A morte de Sardanapalus
Óleo sobre tela - 395 x 496 cm - 1827 - Museu do Louvre, Paris

A sua atitude em relação ao movimento romântico foi bastante ambígua. Consideraram-no, sem nenhuma dúvida, como um dos chefes deste movimento e, a princípio, arregimentou na juventude que lutava ruidosamente. Se ser romântico é pintar de preferência assuntos da Idade Média e da Renascença, então ele o fez com competência. Mas a sua inteligência era demasiado penetrante para que não visse o que havia de falso nesta atitude teatral. Não viajou muito, mas uma dessas viagens, pelo menos, teve importância decisiva: a de Marrocos. Dever-se-á datar daí o Orientalismo ? É pouco provável, porque, com a guerra da independência grega e as narrativas dos viajantes, essa moda tinha-se imposto anteriormente: as Chacinas de Seio foram pintadas antes da estadia em terras da África. Perante as terras africanas, Delacroix não reagiu como a maior parte dos seus contemporâneos. Onde estes tinham procurado o pitoresco, o exotismo, descobriu ele, no trajar e na atitude dos Árabes, a simples beleza do antigo.


EUGÈNE DELACROIX - Entrada dos Cruzados em Constantinopla
Óleo sobre tela - 81,5 x 105 cm - 1852

EUGENE DELACROIX
Sátiro abraçando uma ninfa, cópia de Rubens
Óleo sobre tela - 16,5 x 22 cm

A audácia de Delacroix avulta sobretudo nas relações que estabeleceu entre a forma e a cor: grandes efeitos obtidos por alguns volumes salientes, em volta dos quais se ordenavam as figuras envolvidas. Este desdém de circunscrever a forma levou os seus contemporâneos a dizerem que ele era mau desenhador. Na verdade, é um desenhador soberbo, embora não tenha nunca possuído — o que por vezes o prejudicou—a bagagem escolar tão sólida de Géricaut. Mas o seu ardor é incomparável: o traço rodeia a forma como uma correia de chicote que vibra, sugerindo um movimento da rapidez do relâmpago. Para se exprimir, não hesitava aliás em recorrer a deformações que causaram surpresa.


EUGÈNE DELACROIX - O bom samaritano
Óleo sobre tela - 36,8 x 29,8 cm - Entre 1849 e 1850

Embora Delacroix tenha sido reverenciado por artistas mais jovens, e alguns críticos reconhecessem sua importância como pintor, a aceitação oficial foi lenta, por causa da posição ainda dominante dos classicistas. Entretanto, por volta de 1830, ocorreram mudanças nos setores patrocinadores, e Delacroix começou a ter um certo favoritismo oficial e algumas encomendas governamentais. Delacroix também escreveu um jornal, O Diário, que relatava questões artísticas e de diversos outros campos da sociedade de seu tempo.


INGRES - A apoteose de Homero - Óleo sobre tela - 386 x 515 cm - Entre 1826 e 1827

Eugène Delacroix só teve no seu tempo um único rival da sua categoria, Jean-Dominique-Ingres, personalidade tão cortante como a sua, senão tão desenvolvida. Os princípios destes dois homens eram tão opostos que se tornava desnecessário que os seus admiradores reforçassem ainda mais uma tal oposição. Eles eram incapazes de se compreender, embora certas palavras que escaparam a um e a outro mostrem que sabiam a que se ater quanto aos seus valores respectivos. Ingres negava com teimosia o romantismo e, aos olhos dum observador superficial, é o sucessor direto do seu mestre David. O mesmo culto do desenho, o mesmo desdém da cor.


                     
Esquerda: INGRES - Mulher banhando em Valpinçon - Óleo sobre tela - 146 x 96 cm - 1808
Direita: INGRES - Viscondessa Louise-Albertine d'Haussonville - Óleo sobre tela - 131,8 x 92 cm - 1845

No entanto, por pouco que se ultrapassem as aparências, logo se descobre que estes dois seres se não parecem de forma nenhuma. Ingres, que não possui o temperamento vigoroso de David, é infinitamente mais artista, até no sentido mais mórbido do termo. Este burguês severo era na realidade um recalcado, amante da linha sinuosa e da mulher, na pintura da qual achava uma surda volúpia. As suas grandes composições transbordam por vezes de aborrecimento, é o caso especialmente  da sua A Apoteose de Homero. Não atingiu a unidade e o movimento que Delacroix obtinha quase a brincar, mas restam os seus retratos e as suas odaliscas.


INGRES - Odalisca com escrava - Óleo sobre tela - 72,4 x 100,3 cm - 1839

CHASSÉRIAU - O tepidarium
Óleo sobre tela - 67,3 x 101,5 cm - 1853

Ingres, por vezes, deformava proporções em seus corpos, principalmente os femininos. Mas, seus retratos são irrepreensíveis. Perante eles, todos devemos nos inclinar. A sua oficina foi a última grande escola da pintura francesa. Muitos dos seus discípulos caíram no esquecimento, porque careciam de verdadeiro gênio, embora a maior parte deles tenham sido excelentes retratistas. O mais brilhante foi, na verdade, o único que quis aparentá-lo: Chassériau. O caso deste jovem crioulo, que morreu aos 27 anos, idade em que os outros mal começavam a afirmar-se, depois de ter pintado várias obras-primas, é quase um caso patológico. Porque, por muito que se deplore uma perda considerada em geral irreparável, não há que negar que as obras pintadas por Chassériau no fim da sua curta vida são muito inferiores às da sua estreia, quase da sua adolescência. Poderá admitir-se talvez que a influência de Delacroix, que ele sofria então fortemente, em reação contra o seu antigo mestre, não estava ainda assimilada e que ele não achara o seu equilíbrio. Mas não se trataria também dum desses esgotamentos precoces, como os que se verificam nas crianças dos climas quentes? Seja como for, o certo é que, entre os vinte e os vinte e cinco anos, Chassériau pintou alguns dos retratos essenciais da escola francesa, mais flexíveis, mais sensíveis que os do seu mestre, e também composições dum encanto oriental um pouco irritante e muito requintado. As suas pinturas murais, executadas para o Tribunal das Contas, cuja perda quase integral foi causada pelo furor dos homens e pela sua negligência, revelavam um Chassériau mais amplo, mais viril dó que se poderia supor. A viagem que fez à Argélia mostra-o atraído por uma cor mais sonora, pelo envolvimento das formas; mas não achou nestas tendências o equivalente da poesia linear que o seu mestre Ingres lhe ensinara e lhe convinha admiravelmente.


CHASSÉRIAU - Interior oriental - Óleo sobre painel - 46 x 37 - 1850

Como observado anteriormente, todos os grandes mestres da pintura francesa, nas primeiras décadas do século XIX, já possuíam uma grande atração pelos temas orientais. Essa atração ganharia proporções ainda maiores, quando o movimento Orientalista ganharia ainda mais força, fazendo com que caravanas inteiras de artistas partissem rumo ao oriente. Isso é assunto para nossa próxima matéria.

VEJA TAMBÉM:
. A ARTE NO SÉCULO XIX - Parte 1
. A ARTE NO SÉCULO XIX - Parte 2
. A ARTE NO SÉCULO XIX - Parte 3
. A ARTE NO SÉCULO XIX - Parte 4
. A ARTE NO SÉCULO XIX - Parte 5