segunda-feira, 10 de outubro de 2011

OURO PRETO

JOSÉ ROSÁRIO - Vista de Ouro Preto
Óleo sobre tela - 70 x 100 - 2007
Acervo de Waiderson Liberato

Numa das últimas vezes que estive em Ouro Preto, cheguei por lá numa tarde de muita chuva. De súbito, uma escuridão inesperada tornara noite o dia e a água parecia jorrar das muitas encostas de pedreiras que cercam a cidade. Muito ocasionalmente, o céu era cortado por uns relâmpagos diferentes dos tradicionais, dos quais se ficava esperando um trovão que não vinha, como se estes estivessem tão altos, que o som se desfazia antes mesmo de atingir os ouvidos da terra. Nesse momento, em que a luz fraca dos raios fazia perceber alguns contornos, dava-se a impressão que as construções e as árvores assumiam as formas de grandes monstros. Algumas árvores maiores dançavam gigantes, sopradas por uma brisa leve, mas constante. Fico imaginando que foi assim, numa dessas torrentes de aluviões que desciam as serras negras de minérios, que as primeiras pepitas encontradas deram nome ao local, havia ali um ouro diferente, um ouro preto.

MILTON PASSOS - Ouro Preto
Óleo sobre tela

AGUILON - Tempo chuvoso em Ouro Preto
Óleo sobre tela - 61 x 90

BATISTA GARIGLIO - Portal de São Francisco
Óleo sobre tela - 46 x 63

Não é fácil se equilibrar sobre as escorregadias pedras-sabão num dia como esses, e caminhar pelas ruas de Ouro Preto em dias de chuva pode se tornar uma aventura. Mas a curiosidade é grande! Ver a cidade com novos olhares, entremeados de neblina úmida e com uma luz cinza, aumenta ainda mais o “ar de antigo”, o maior impacto ao se chegar por lá. Deu ainda tempo de encontrar o Museu de Mineralogia aberto e conversar com um senhor que também parecia estar à procura do passado. Vizinho, da cidade de Mariana, veio conferir no museu, um sonho de infância que nunca realizara: estar de frente com os muitos minerais que se encontravam pelas redondezas. Foi dele que ouvi uma história sobre a origem da cidade, numa versão que já era de meu conhecimento, mas ouvi-la assim, da boca de alguém que sempre viveu por lá tem um significado diferente: trata-se da lenda de um garimpeiro que acompanhava uma das “bandeiras” que vinham de São Paulo. Ao cravar sua bateia no rio Tripuí, para matar a sede, encontrou algumas pedras negras, diferentes das tradicionais. Resolveu guarda-las e levar para Taubaté, de onde viera. Lá, suas desconhecidas pedras chegam às mãos do governador, que num ato despretensioso, leva uma das mesmas à boca, trincando-a e descobrindo assim a existência do cobiçado metal. Tão logo a notícia se espalhou, vieram diversas comitivas procurar nas proximidades do Pico do Itacolomi, o que se tornaria o desejo maior dos garimpeiros de todo país, encontrar ouro. Mas a busca não teve sucesso, apenas em 1698 que o metal foi encontrado em abundância num outro leito na região do Itacolomi.

JOHANN MORITZ RUGENDAS - Cidade Imperial de Ouro Preto (detalhe)
Aquarela e tinta nanquim - 25,5 x 36,5 - 1824

A interessante história contada por aquele senhor, levou-me a pesquisar um pouco mais. Na Casa dos Contos, no Museu da Inconfidência e até mesmo em alguns comércios mais antigos, ouvi outras histórias que se assemelham e divergem em alguns pontos, mas todas elas narraram sobre os tempos duros que se imperaram no início da vila. A primeira grande “bandeira” que se instalou na região encontrou sérios desafios para se sustentar. A atividade mineradora era intensa e não havia tempo para a produção agrícola. Com escassez de alimento, muitos garimpeiros, famintos e cansados, retornaram para as suas cidades de origem. Mais precisamente por esse fato, a ocupação da região sofreu um leve retardo. Entre 1708 e 1709, garimpeiros que já estavam ali estabelecidos, entraram em conflitos com forasteiros portugueses, baianos e pernambucanos, que tentavam se apossar das minas e garimpos. O episódio termina na Guerra dos Emboabas, com a vitória dos forasteiros, financiados por um rico comerciante português, de nome Manuel Nunes Viana. Com o que passou a ser uma maior democratização da exploração do ouro, muitos pequenos arraiais surgiram, para abrigar mineradores e servir de entreposto de mantimentos. Pelo aglomerado cada vez maior desses povoados, em 1711, o governador da capitania Antônio de Albuquerque Coelho e Carvalho cria a Vila Rica.


EDGAR WALTER - Igreja de São Francisco de Assis
Óleo sobre tela

EDGAR WALTER - Um beco em Ouro Preto
Óleo sobre tela

JOSÉ ROSÁRIO - Nossa Senhora do Carmo, Ouro Preto
Óleo sobre tela - 40 x 50 - 1996

Era uma curiosidade minha saber mais precisamente onde começou a se formar a cidade. Quais as formações de relevo permitiram a cidade se expandir, uma vez que praticamente não há planícies por ali. A continuação da pesquisa me levou a novos dados: O arraial que mais crescia era o Arraial do Ouro Podre, que tinha no português Pascoal da Silva Guimarães, o seu maior explorador. Parece que a ambição e as afrontas andam mesmo por ali desde os tempos mais remotos. A Coroa Portuguesa já fazia nessa época, a cobrança do quinto, que realizava a cobrança para os cofres da coroa, toda quinta parte de ouro extraído na região. Pascoal é o primeiro que se manifesta e provoca um conflito que ficou conhecido como Sedição de Vila Rica. Encerrando definitivamente com o movimento, o Conde de Assumar, então governador na época, manda prender e enforcar Felipe dos Santos, uma espécie de braço direito de Pascoal. O episódio se encerra ainda de forma mais violenta quando manda incendiar o Arraial do Ouro Podre, fato que dá ao local, até hoje, o apelido de Morro da Queimada.


EMILE ROUÈDE - Inauguração da estátua de Tiradentes em Ouro Preto
Óleo sobre tela - 100,5 x 150 -1894 - Coleção Fadel

RODOLFO WEIGEL - Casario com sobrados em Ouro Preto
Óleo sobre tela - 40 x 30

JOSÉ ROSÁRIO - Ouro Preto
Óleo sobre tela - 70 x 50 - 2010

Muitas histórias assim dão um clima sinistro à cidade. Que tragédias se escondem sob cada pedra, cada tijolo, cada esquina... Que emboscadas não levaram as vidas de muitos, quantos filhos se tornaram órfãos e quantas viúvas não surgiam da noite para o dia...
Foi uma decisão acertada deixar para o outro dia, a busca por novos dados sobre a cidade. Fui ao alto de vários morros que circulam a cidade. O sol daquela manhã mostrava uma cidade limpa e brilhante. A luz é o ponto chave da cidade. Ouro Preto, como muitas cidades mundo afora, torna-se completamente diferente quando banhada com a luz forte de uma manhã de sol. Do alto de Antônio Dias, foi possível perceber melhor o corredor que deu origem à cidade. Os muitos arraiais que deram origem à Ouro Preto, eram às vezes separados apenas por um morro ou uma colina mais baixa. Os arraiais de Ouro Preto e Antônio Dias se uniram no Morro de Santa Quitéria, onde está hoje localizada a Praça Tiradentes, a área central da atual cidade. Forma-se então, uma espécie de linha longitudinal, ligando as colinas de Cabeças, Praça Tiradentes e Santa Efigênia, e mais abaixo o Padre Faria. Os arraiais de Ouro Preto e Antônio Dias dão origem ao núcleo de Vila Rica.


MAURO FERREIRA - Procissão em Ouro Preto, Igreja São Francisco
Óleo sobre tela - 75 x 46

DURVAL PEREIRA - Casario, Ouro Preto
Óleo sobre tela

WILSON VICENTE - Escola de Minas
Óleo sobre tela - 50 x 70

O ciclo do ouro teve o seu apogeu entre os anos de 1730 e 1760, sendo portanto dessa época, a grande parte das belas construções barrocas que se ergueram pela região. Muita pompa e o apogeu dos novos tempos davam à cidade o título de uma das mais ricas do país. Mas nem tudo é festa, já em 1763, com o declínio das explorações do metal, Ouro Preto já não tem os tempos gloriosos de antes. O colapso econômico é agravado com a diminuição cada vez mais crescente em se encontrar o ouro, até que toma proporções drásticas quando o Visconde de Barbacena, o novo governador de Vila Rica, tem a infeliz decisão de declarar a derrama, uma espécie de imposto compulsório sobre os atrasos no pagamento do quinto do ouro.


FERNANDO CORREIA E CASTRO - Rua do Palácio Velho, Ouro Preto
Óleo sobre tela - 46 x 38

BENEDITO LUIZI - Igreja em Ouro Preto
Óleo sobre tela - 46 x 38

JOSÉ ROSÁRIO - Igreja de São Francisco, Ouro Preto
Óleo sobre tela - 30 x 40 

Alguns fatos levaram inevitavelmente à Inconfidência Mineira, o episódio mais marcante da história de Ouro Preto. Inconformados com a situação em que se encontrava a cidade, membros de camadas mais abastadas, motivados pelos movimentos de libertação que ocorriam na América do Norte e Europa, conspiram e tramam um movimento de independência da colônia em relação a Portugal. Num ato de traição ao movimento, o coronel Joaquim Silvério dos Reis faz uma denúncia direta ao Visconde de Barbacena, em 1789. A punição veio logo em seguida. Tiradentes, uma espécie de líder do movimento, foi preso e enforcado no Rio de Janeiro. Seu corpo foi esquartejado e suas partes enviadas a vários pontos da colônia, num ato de repressão da força da Coroa portuguesa. Os padres envolvidos no episódio foram enviados para conventos em Lisboa e todos os demais integrantes, banidos para regiões distintas da África.


CLÁUDIO VINÍCIUS - Ouro Preto
Óleo sobre tela - 100 x 160

JOÃO BOSCO CAMPOS - Procissão em Ouro Preto
Óleo sobre tela

SEBASTIÃO EDUARDO - Ouro Preto
Óleo sobre tela - 50 x 70

Em 1823, quando é promovida à capital da Província de Minas Gerais, Vila Rica recebe o nome de Imperial Cidade de Ouro Preto. Já não é a referência econômica da colônia, mas ainda é politicamente ativa, e demonstra suas forças. A criação de várias escolas de nível superior, entre elas a Escola de Farmácia, em 1839, a primeira da América Latina, coloca a cidade novamente em evidência. Em 1897, com o planejamento e construção de Belo Horizonte, sede da nova capital mineira, novos rumos esperam a cidade. Há um esvaziamento completo de Ouro Preto, com a transferência de famílias inteiras, todo o setor administrativo e muitos núcleos econômicos.


ALBERTO DA VEIGA GUINARD - Paisagem Onírica de Ouro Preto

CARLOS BRACHER - Ouro Preto
Óleo sobre tela - 81 x 100 - Coleção Geraldo Lemos Filho

SERGIO TELLES - Ouro Preto
Óleo sobre tela - 79 x 98

Estando em Ouro Preto, uma das perguntas que nos intriga, é como a cidade se mantém assim, através de séculos. A resposta pode estar exatamente no período da perda da capital para Belo Horizonte. Sem a necessidade de acelerar o seu crescimento, como foi algo imposto às grandes capitais do início do século XX, a cidade se conservou assim, com feições urbanísticas da antiga Vila Rica. Curiosamente, é um fenômeno artístico que coloca novamente a cidade em ponto de destaque. Visitada pelos modernistas Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, acompanhados do francês Blaise Cendars, em 1924, Ouro Preto se torna símbolo na luta por um movimento de identidade nacional, valorizando o barroco como um estilo propriamente brasileiro e despertando para o Brasil e o mundo, a figura de Aleijadinho. Principalmente depois dessa época, e também da criação da Universidade Federal de Ouro Preto, em 1969, a cidade retomou sua vocação artística e cultural.


INIMÁ DE PAULA - Ouro Preto
Óleo sobre tela

CARLOS SCLIAR - Casario em Ouro Preto
Mista sobre tela

CHANINA - Ouro Preto
Óleo sobre tela - 72 x 60

Várias medidas tomadas no passado, mantém a cidade como a vemos hoje. Em 1931, o então prefeito João Batista Ferreira Veloso proíbe a mudança das fachadas das construções. Em 1933 é decretada Monumento Nacional, em 1944 é criado o Museu da Inconfidência, e em 1980, após longo estudo feito pela Unesco, a cidade é reconhecida como um Patrimônio Cultural da Humanidade.


ELIAS LYON - Ouro Preto em dia de procissão
Óleo sobre tela

JOSÉ WASTH RODRIGUES - Paisagem de Minas
Óleo sobre madeira - 44 x 59 - 1932

RUBENS VARGAS - Ouro Preto
Óleo sobre tela - 50x70


Os desafios atuais são imensos. Como qualquer outra cidade do país, Ouro Preto cresce em área e em número de habitantes. Seus arredores já não estão tão vazios como antes, e as encostas e morros vão sendo invadidos rapidamente. A mineração nas regiões vizinhas ainda é o ponto forte da economia e a Universidade continua sendo a referência cultural da cidade. É confortante passear por suas ruas estreitas, descer sem pressa um cantinho de rua, sentindo cheiro de café passado na hora. Coisas que a cidade não perde nunca e vão ficando guardadas em nossa memória. A cidade que provavelmente seja a mais desenhada e pintada do Brasil sempre se renova, e assim sobrevive ao tempo.


JOSÉ ROSÁRIO - As riquezas que rolam de Minas
Óleo sobre tela - 110 x 110
Da série: OLHAR A ÁFRICA, VER O BRASIL
Acervo de Laércio Maciel.

23 comentários:

  1. Olá Rosário,bom dia !realmente Ouro Preto é tudo de bom !!! gostei imenso de sua tela "As riquezas que rolam de Minas",forte e vigorosa!
    Abraços, Beth Ferraz.

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  2. Olá Beth, essa tela pertence a uma série de 48 trabalhos sobre a influência da cultura africana sobre o Brasil. Uma fase que curti muito!
    Grande abraço!

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  3. temos, eu e cristina, forte ligação sentimental com ouro preto. já a visito por mais de 30 anos e sempre parece que não se esgota o encantamento que tenho por ela. pena não ter ainda me dedicado a retratá-la como merece. é uma dívida que tenho com ela...
    paulo de carvalho

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  4. Você faria muito sucesso por lá, com certeza. Sua temática tem tudo a ver com a cidade.
    Valeu, Paulo!

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  5. Parabéns pela matéria, muito bem escrita e dinâmica, Ouro Preto é tudo isso, e a cada janela que se abre, surge uma bela paisagem a ser retratada por artistas de qualidade como você. Sucesso em seus quadros e esperamos recebe-lo em breve em nossa casa.
    Obrigado, Silvio Campos Coelho.

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  6. Sílvio, obrigado pela visita e pelo convite.
    Preciso mesmo ir aí. Há muitas ideias para se colocar em prática. Ouro Preto é uma cidade que não envelhece nunca!

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  7. Olá Gilberto, bom vê-lo por aqui novamente.
    Obrigado pela visita!

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  8. Grande Ouro Preto...espero visita-la novamente..Abraço e parabéns pela matéria!!!

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  9. Olá Gianni, obrigado por estar aqui.
    Grande abraço!

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  10. Linda matéria para uma Ouro Preto igualmente linda.
    Linda tbm é a sua vista de Ouro preto. Bj carinhoso.

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  11. Todas são muito lindas. Parabens!

    Andrea

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  12. Andrea, obrigado por passar aqui. Grato também pelo comentário!

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  13. Belas telas sobre Ouro Preto. Estive lá uma única vez e desejei passar férias pintanto esta cidade muito sugestiva para telas. Obrigado por seu blog, muito enriquecedor.
    Clodoaldo Machado
    São José dos Campos SP

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  14. Realmente é um belo cenário, que não me canso de retratar.
    Obrigado por passar aqui, Clodoaldo.
    Grande abraço!

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  15. não sou formado em artes plasticas
    nem tenho a liguagem tecnica pra avaliar um obra mas pinto agumas telas sou alto didata,não plagio mas sigo o estilo de alguans pintores, amo as paisagens mineras ,não sei que misterio tem quando se pinta,tennho admirado seu trabalho em revistas e em outros meios ,parabens pra vc e pouco, sua tc não a palavras são lindas , sou de natal rn ,susseço!

    meu msn ,caiadaluciano@hotmail.com

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    1. Olá Luciano, legal que esteja por aqui e que tenha acompanhado meus trabalhos por outros lugares.
      Obrigado pela companhia e grande abraço!

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  16. o artista plástico José Rosário, com a exposição virtual acima, nos presenteia com consagradas obras que retratam esta joia do barroco mineiro. Patrimônio da humanidade, cidade simbolo de Minas Gerais...Quando se fala de mineiridade, Ouro Preto é centro que irradia esse modo peculiar de ser, quanto mais distante de Ouro Preto, menos mineiro se é. Obrigado amigo, "pelas riquezas que rolam de minas". Laércio Álvares Maciel

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    1. Obrigado a você meu amigo. Muito do que conheço de Minas devo a você.
      Bom te ver por aqui. Grande abraço!

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  17. seu blog é d+ JOSÉ.
    MARCOS ANTONIO

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    1. Obrigado, Marcos. Obrigado por vir aqui, também. Grande abraço!

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  18. Parabéns pelos trabalhos! Encantadores! Observar sua arte me faz imaginar um tempo, parece ter vida.
    Grande abraço.

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