quarta-feira, 30 de julho de 2014

JOSÉ GERALDO FAJARDO

JOSÉ GERALDO FAJARDO - D. Otília - Óleo sobre tela

Já faz tempo, a pintura de retratos é um dos temas mais apreciados na pintura. Também já faz tempo que ela deixou de ser apenas um dos principais exercícios nas academias e escolas de arte, para se transformar num dos gêneros mais difundidos e praticados. Ela não permite apenas o aprendizado do ofício de desenhar, pintar e aplicar técnicas, mas principalmente eternizar o modelo retratado, fazendo com que artista e obra atravessem séculos e se imortalizem. Antenados a isso, muitos museus e galerias de arte já perceberam que são os retratos as peças mais preciosas de suas coleções. Mais que a simples representação de um modelo em uma superfície, os retratos expressam muito sobre o período em que foram criados e sobre o histórico de seus criadores.

JOSÉ GERALDO FAJARDO - Arthur Sendas - Óleo sobre tela

JOSÉ GERALDO FAJARDO - Alice Cabral
Óleo sobre tela

Aristóteles, ao afirmar que "o objetivo da arte não é apresentar a aparência externa das coisas, senão o seu significado interno; pois isto, e não a aparência e o detalhe externos, constitui a autêntica realidade", trouxe para a representação dos retratos um outro significado. A uma pessoa retratada, é acrescentada a carga sentimental de quem a executa. Assim, um mesmo retrato pode ter várias interpretações pelas mãos de diferentes artistas. Havia, até bem pouco tempo atrás, o conceito errôneo de que um retrato fosse uma peça exclusiva apenas ao seu dono ou aos parentes do mesmo. Os retratos são vistos, agora, principalmente como um exercício figurativo e como tal, representa uma obra de arte a ser admirada por vários aspectos.

JOSÉ GERALDO FAJARDO - O aristocrata - Óleo sobre tela

JOSÉ GERALDO FAJARDO - Presidente Ernesto Geisel - Óleo sobre tela

Há artistas que dedicam quase que exclusivamente à representação dos retratos em suas obras. José Geraldo Fajardo é um dos grandes nomes da representação desse gênero em nosso país. Como o próprio artista afirma, “pintar retratos é um desafio incrível”. Como ele tem uma paixão por registrar pessoas, foi praticamente empurrado para que esse gênero de pintura tornasse o seu preferido. Mas, também executa paisagens, naturezas mortas, animais e cenas de gênero. E faz isso se utilizando de várias técnicas: grafite, sanguínea, pastel seco e oleoso, tinta ecoline sobre papel e principalmente o óleo.

JOSÉ GERALDO FAJARDO - O professor de música - Óleo sobre tela

JOSÉ GERALDO FAJARDO - Laços de família - Óleo sobre linho

Nascido na Ilha dos Pombos, interior do Rio de Janeiro, a 6 de agosto de 1960, José Geraldo Alves Fajardo começou na pintura somente em 1996, de maneira autodidata. Mas, como todo bom artista pesquisador, deixou-se influenciar pelas obras de vários mestres antigos: Pedro Américo, Batista da Costa, Henrique Bernardelli, Eliseu Visconti, Velásquez, Gerard ter Borch, Vermeer, Rembrandt, Hans Holbein e Maxfield Parrish. Como resultado, firmou-se em um estilo realista com colorido e pinceladas bem característicos.

JOSÉ GERALDO FAJARDO - Jovem mukubal - Óleo sobre tela

JOSÉ GERALDO FAJARDO - Francisco Alves, Retrato do velho
Óleo sobre tela

Ao ser indagado sobre o figurativismo e o atual cenário nacional, o artista afirma: “O figurativismo nacional está com muita força e expressão. Temos artistas excelentes que podem perfeitamente ombrear com os internacionais. Faltam-nos marchands com mentes mais livres, independentes e desapegados de rótulos, que queiram ajudar na expansão do mercado das artes do Brasil”. Ainda falando sobre a arte realista, o artista conclui: “A arte e a beleza são uma conquista da alma. Se a pessoa possui isto dentro de si, se ela deu este salto evolutivo, ela terá, irresistivelmente, que atuar independente de ‘achismos’. Os ditos ‘dias contados para a arte realista’(como muitos insistem em dizer) para mim são um equívoco de raciocínio, que visa, talvez, até inconscientemente, destruir o desejo. E, quando se destrói o desejo, destrói-se a mente. Uma mente avariada acovarda-se diante da possibilidade do sonho, daquele sonho arrebatador que levou Beethoven a compor a sua 9ª Sinfonia, a Vivaldi as 4 Estações, a Albinoni o Adágio em Sol Menor, a Pedro Américo a pintar a Batalha do Havaí...  Enfim, sinto, pelo que vejo e constato que a bela arte está ai. O que aconteceu e ainda acontece, na minha visão, é que a arte conceitual conseguiu fazer sombra na figurativa”.

JOSÉ GERALDO FAJARDO - Abraham Lincoln
Óleo sobre eucatex

JOSÉ GERALDO FAJARDO - Vincent Van Gogh
Óleo sobre tela


Morando atualmente no Rio de Janeiro, o artista sente que o mercado de sua cidade ainda não se deu o valor que merece. Existindo ali excelentes artistas figurativos e não figurativos, compara os mesmos a “um elefante que não experimentou ainda o seu potencial porque ainda se enxerga como um camundongo”. Ao mencionar a arte brasileira em relação à arte praticada nas grandes potências do mercado, exclama com convicção: “O Brasil tem muito a caminhar! Muito! Nós ainda não temos o vigor necessário que outros países possuem, porque não despertamos para tal. É como se necessitássemos desvelar para despertar. Só na vigília é que podemos enxergar a fonte transformadora que a arte pode proporcionar”.


PARA SABER MAIS:



sábado, 26 de julho de 2014

A ERA DE OURO DA PINTURA HISTÓRICA NO BRASIL

PEDRO AMÉRICO - O Grito do Ipiranga
Óleo sobre tela - 4,15 x 7,6 m - 1877 - Museu Paulista

Pode parecer clichê afirmar que a Missão Artística Francesa, incentivada com a vinda da família imperial para o Brasil, mudou o cenário artístico nacional, mas não é. De fato, foi somente com o grande apoio da equipe liderada por Lebreton, que o cenário artístico brasileiro começou a acompanhar, de uma maneira mais organizada, tudo o que ocorria principalmente em território europeu. A importância maior não foi apenas pela criação da primeira instituição de ensino (Academia de Belas Artes) para o meio cultural desse país, ela extrapola a área acadêmica. Os franceses trouxeram para todos daqui uma nova maneira de ver e sentir arte, e isso foi também incorporado àqueles que apenas admiravam e financiavam os artistas desse país.

VICTOR MEIRELLES - A primeira missa no Brasil
Óleo sobre tela - 270 x 353 - Entre 1858 e 1860 - Museu Nacional de Belas Artes

Em meados do século XIX, o Rio de Janeiro era a cidade mais importante da América Latina, posição que só seria alcançada por São Paulo na segunda década do século seguinte. O açúcar deixara de ser a base da riqueza do Império e cedia lugar ao café, que formou rapidamente uma capital opulenta, mas que não tirava do país a sua vocação exclusivamente agrícola. Não havia rebeliões que pudessem provocar qualquer desestabilidade política e D. Pedro II se tornou a figura incansável, que não mediu esforços para que as artes, as letras e as ciências tivessem seu merecido grau de evolução. Foi ele, com o auxílio dos grandes fazendeiros de café, que proporcionaram oportunidades e financiaram os grandes artistas acadêmicos de até então.

PEDRO AMÉRICO - Fala do trono
(D. Pedro II na abertura da Assembléia Geral)
Óleo sobre tela - 1873 - Museu Imperial

A pintura acadêmica, principalmente com referência histórica, ganhou um alto grau de importância nesse período, em parte porque era uma aptidão natural nas academias europeias, por outra, porque era o imperador o maior mecenas daqueles tempos. Principalmente a ele, interessava a ênfase às grandes conquistas e à vida do Império. Foi na metade do século XIX que a pintura histórica brasileira alcançaria um nível bem próximo do que era produzido de melhor nas escolas europeias, principalmente Paris e Roma. Como já foi dito antes, o imperador tanto insistia na formação acadêmica histórica, que acabou por encontrar nomes que atenderam imensamente suas expectativas. A era de ouro da pintura histórica brasileira passa principalmente pelas mãos hábeis de Pedro Américo e Victor Meirelles.

                       
À esquerda: VÍCTOR MEIRELLES - Cabeça de homem
Óleo sobre tela - 59,7 x 49,7 - 1856
À direita: PEDRO AMÉRICO - Cristo, autorretrato
Óleo sobre tela - 56 x 43 - 1902

Não deixa de ser lamentável, no entanto, que todos os grandes nomes da arte brasileira naquele período não souberam acompanhar as vanguardas que aconteciam na arte europeia. Movimentos renovadores, como o Impressionismo, aconteciam no seu ápice, quando diversos artistas do Brasil estudavam na capital francesa. Infelizmente, não souberam tirar proveito ou não puderam acompanhar tais movimentos, muitos até optaram pessoalmente por não seguir novas tendências. Muito desse comportamento se deve ao fato de que isso contrariava o gosto conservador do imperador, aquele que mantinha suas caras bolsas de estudos nas escolas europeias. Somada à tendência de explorar o academicismo histórico, aconteceu também por aqui a Guerra do Paraguai (1864 a 1870) e que tornou por assim dizer, o grande pretexto para a elaboração de cenas históricas heroicas e que glorificavam o Império. Do lado oposto da moeda, problemas antigos e aparentemente insolúveis, como a escravidão, foram raramente retratados por tais artistas.

                         
À esquerda: VÍCTOR MEIRELLES - Degolação de São João Batista
Óleo sobre tela - Museu Nacional de Belas Artes
À direita: PEDRO AMÉRICO - A noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor
Óleo sobre tela - 260 x 195 - 1883

Lamentos à parte, o período deixaria um legado inestimável de grandes artistas e grandes obras. Muitos foram os nomes que contribuíram para as artes do país e usufruíram da benevolência do imperador, a citar alguns deles: Agostinho José da Mota, Rodolfo Amoedo, Almeida Júnior, Victor Meirelles, Pedro Américo, Oscar Pereira da Silva, Henrique Bernardelli, João Zeferino da Costa, Delfim da Câmara, Belmiro de Almeida e tantos outros. A presente matéria destaca dois, dos principais nomes daquele período: Pedro Américo e Victor Meirelles.

PEDRO AMÉRICO
Pedro Américo de Figueiredo e Mello nasceu na cidade paraibana de Areia, em 1843. Menino-prodígio com habilidades para várias atividades artísticas, aconteceu o que seria mais lógico, há aquela mão que sempre acena no momento certo para aqueles que estão sempre em vigília. Pedro Américo já era uma criança com extrema qualidade para o desenho, o que chamou a atenção de Louis Jacques Brunet, um naturalista francês que compunha a expedição que correu grande parte do Brasil. Ficou tão impressionado com o talento do pequeno artista que o levou como desenhista na missão científica. Nessa jornada, o pequeno Pedro Américo já trabalharia por 20 meses, isso com apenas 9 anos de idade.

PEDRO AMÉRICO - A batalha do Avaí
Óleo sobre tela - 6 x 11 m - 1877 - Museu Nacional de Berlas Artes

Transfere para o Rio de Janeiro, em 1854. Estuda no Colégio Pedro II, onde recebeu a visita do imperador em uma aula de retórica. Enquanto o imperador falava, Pedro Américo fez um retrato seu e isso agradou tanto a ele, que lhe valeu um ingresso na Academia de Belas Artes. Em 1856, uma enfermidade diagnosticada como cólica de chumbo, supostamente uma intoxicação pelas tintas que usava, deixaria o jovem enfermo por um bom período. Essa doença o acompanharia por toda a vida. Em 1859, patrocinado mais uma vez pelo imperador, parte para a Europa, onde frequenta a Escola de Belas Artes de Paris, entre 1859 e 1864. Estudou com nomes importantes como Ingres, Léon Cogniet, Flandrin e Horace Vernet. Não satisfeito apenas com a área artística, estudou também no Instituto de Física de Ganot e Filosofia em Sorbonne, além de formar em letras, deixando vários poemas e romances.

 À esquerda: PEDRO AMÉRICO - Moisés e Jocabed
Óleo sobre tela - 151,5 x 105,5 - 1884
À direita: PEDRO AMÉRICO - Tiradentes esquartejado
Óleo sobre tela - 1893 - Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora

Pedro Américo viajou por várias partes da Europa, até se estabelecer em Florença, onde pintaria seus famosos quadros históricos e onde se consagraria definitivamente como um dos grandes nomes acadêmicos daquele período, reconhecidamente até mesmo no Velho Continente. De retorno ao Rio de Janeiro, em 1865, viria a lecionar Pintura histórica, História das artes, Arqueologia e Estética na Academia Imperial de Belas Artes. Em 1890, elege-se como deputado na Assembleia Constituinte, onde defende projetos de alto interesse cultural, tais como a criação de três universidades, a fundação de uma galeria nacional de belas artes e a lei de propriedade artística e literária. Romancista, poeta, cientista, teórico de arte, ensaísta, filósofo, político, professor e acima de tudo um dos mais respeitados artistas brasileiros, faleceu em Florença, a 7 de outubro de 1905.

PEDRO AMÉRICO - Chaco - Óleo sobre tela

Como pintor, tinha grande atração pelos temas bíblicos, mas foram os temas históricos que lhe renderam um renome especial. Também era um exímio retratista. Dono de uma técnica sofisticada, dava grande atenção ao detalhe e trabalhava com agilidade. Diziam que seu trabalho não tinha nada de humilde, mas uma inclinação natural para a grandiloquência. Pedro Américo, para o bem ou para o mal, foi sempre um acadêmico, mas o acadêmico versátil e eclético da fase mais influente e mais contraditória do Academismo internacional, que se definia como uma complexa mescla de referências clássicas, românticas e realistas. Sua obra expressa aspirações idealistas típicas do classicismo, refletidas nos seus quadros históricos "didáticos" e suas alegorias moralizantes, no seu senso de composição hierarquizada, e até nos seus escritos de caráter humanista; sua caracterização detalhada das figuras e objetos às vezes se aproxima do Realismo, mas sua expressão estilística é principalmente romântica, o que na verdade não chegava a ser uma contradição, visto que o Romantismo foi por si mesmo uma corrente eclética e idealista e em muito devedora dos clássicos. Foi, acima de tudo, um artista completo, que amava o que fazia.

 
À esquerda: PEDRO AMÉRICO - O voto de Heloísa
Óleo sobre tela - 150 x 104 - 1880
À direita: PEDRO AMÉRICO - A rabequista árabe
Óleo sobre tela - 1884 - Museu Nacional de Belas Artes

VICTOR MEIRELLES
Victor Meirelles de Lima nasceu em Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, a 18 de agosto de 1832. Filho de pai português com mãe brasileira, também despertou bem cedo para o desenho. Essa habilidade quase nata e já bastante sofisticada para sua idade, chamou a atenção do pintor argentino Marciano Moreno, que lhe deu as primeiras orientações. Sensibilizado pelo seu talento, o conselheiro Jerônimo Francisco Coelho levou-o para o Rio de Janeiro e matriculou-o na Academia Imperial de Belas Artes, com apenas 14 anos de idade, onde estuda com José Correia de Lima, que foi aluno de Debret. Já no ano seguinte, consegue uma medalha de ouro naquela instituição. A ligação com a Missão Artística Francesa foi essencial para sua carreira, de onde herdou o gosto pela pintura histórica.

VICTOR MEIRELLES - A bacante
Óleo sobre tela - 77,9 x 87,5 - Museu Nacional de Belas Artes

Com o quadro São João Batista no cárcere, obtém o prêmio de viagem e parte para a Europa em 1853. Em Roma, fica decepcionado com os mestres que encontrou por lá e ruma para Veneza, onde se encanta com a técnica (principalmente o colorido) dos pintores venezianos. Com o fim dos proventos de sua bolsa de estudos, consegue mais uma prorrogação do pensionato e segue para Paris, onde vai principalmente com a intenção de analisar as obras de Horace Vernet e Salvatore Rosa. É exatamente em Paris, que se inspira na carta de Piero Vaz de Caminha e pinta a Primeira Missa no Brasil, que consegue expor no Salão de 1861, com reconhecimento da crítica.

 
À esquerda: VICTOR MEIRELLES - A flagelação de Cristo
Óleo sobre tela - 1856
À direita: VICTOR MEIRELLES - Cabeça de velho
Óleo sobre tela

Assim que retornou ao Brasil, já festejado como um gênio, expôs a Primeira Missa e, entre muitas homenagens, recebeu do Imperador Dom Pedro II a Ordem da Rosa no grau de cavaleiro. Logo depois viajou para Santa Catarina para visitar sua mãe, o pai falecera enquanto ele estava na Europa. Permaneceu algum tempo ali e retornou ao Rio, onde foi nomeado Professor Honorário da Academia, sendo promovido pouco depois para Professor Interino, e mais tarde assumindo como Titular de pintura histórica. Testemunhos de alunos declaram seu respeito pelo artista, atestando o seu caráter impecável e sua enorme dedicação à docência, sendo considerado um professor atencioso, paciente e verdadeiramente interessado no progresso de seus discípulos.

VICTOR MEIRELLES - Batalha dos Guararapes
Óleo sobre tela - 1879 - Museu Nacional de Belas Artes

Tornou-se conhecido também pela sua devoção às causas nacionais, e por isso foi contratado em 1868 pelo governo para realizar pinturas sobre a Guerra do Paraguai, que estava em pleno andamento, num contrato que ao mesmo tempo o honrava e lhe dava boa remuneração.  Imediatamente, Meirelles deslocou-se para a região do conflito para colher impressões da paisagem e do ambiente militar. Instalou um atelier a bordo do navio Brasil, a capitânia da frota brasileira, e ali passou seis meses elaborando esboços para suas obras. Voltando ao Rio, ocupou um espaço no Convento de Santo Antônio, que transformou em atelier, e meteu-se ao trabalho afincadamente, isolando-se do mundo. Desse esforço resultaram duas de suas obras mais importantes, ambas de grandes dimensões: a Passagem de Humaitá e o Combate Naval de Riachuelo. Enquanto estava nesses trabalhos recebeu a visita da família imperial, com quem mantinha contato, o que resultou em novas pinturas e no envio do Combate Naval para representar o Brasil em uma feira internacional promovida nos Estados Unidos. No retorno da exposição, a obra foi estragada.

VICTOR MEIRELLES - Batalha Naval do Riachuelo - Óleo sobre tela - 1883

Em 1875, iniciou os esboços para uma outra grande obra histórica, a Batalha dos Guararapes, aceitando um projeto que fora recusado por Pedro Américo, que preferiu trabalhar sobre a Batalha de Avaí. Como fizera antes, deslocou-se à região onde ocorrera o conflito para conceber a composição com maior verdade. As duas batalhas foram expostas no Salão de 1879, recebendo ambos os artistas o Grande Prêmio e o título de dignitários da Ordem da Rosa, mas desencadearam a maior polêmica estética que até então se travou no Brasil. Enquanto uns reconheciam as suas habilidades superlativas, saudando-os como gênios e heróis, outros os acusavam de plágio e de passadismo. Ao mesmo tempo, formaram-se dois partidos, um apoiando Meirelles e outro Américo, na disputa sobre qual das batalhas era mais perfeita. O público leigo também se engajou e a discussão tomou os jornais e revistas durante meses, mas a despeito de receber muito aplauso, as também numerosas críticas o abateram profundamente, jogando-o num estado de melancolia que, entre altos e baixos, aparentemente o acompanharia até o final da vida. Outras polêmicas o trariam mais desgosto futuramente.

VICTOR MEIRELLES - Moema
Óleo sobre tela - 129 x 190 - 1866 - Museu de Arte de São Paulo

Victor Meirelles foi um dos mais brilhantes egressos da Academia Imperial e um dos primeiros mestres nacionais a receberem reconhecimento no estrangeiro. Durante seu apogeu foi um dos artistas mais respeitados do Império Brasileiro e um dos mais estimados pela oficialidade. Sua produção mais importante, reconhecida ainda em vida, é a que deixou na pintura histórica, o gênero acadêmico por excelência, e embora seus retratos e paisagens também fossem elogiados em sua época, hoje estão bastante esquecidos pela crítica. Seus panoramas, por sua vez, foram recebidos inicialmente com bastante entusiasmo.

VICTOR MEIRELLES - Estudo para panorama do Morro do Castelo - Óleo sobre tela - 1885


Mário Coelho fez uma das melhores sínteses sobre esse artista: "Meirelles conheceu a glória dos condecorados, a crítica dos folhetins, foi tradicional, produziu obras sólidas, imagens que se 'eternizaram', e [foi] inovador, aderindo ao efêmero e à moda dos panoramas. Ele participou deste conceito de modernidade situado entre o eterno e o fugaz, no convívio de Paris, 'capital do século XIX'. Saiu de uma pequena vila - Nossa Senhora do Desterro, onde com noções básicas de desenho geométrico conseguiu registrar sua cidade. Foi aluno e professor da Academia Imperial de Belas Artes, participou na formação de uma geração de pintores, escreveu sobre sua própria obra, justificando-a, explicando-a, argumentou criticamente diversas vezes, pôs anúncios nos jornais, mas sobretudo pintou a vida inteira, na Europa e no Brasil. Viajou muito, conheceu muito a arte de seu tempo. Não teve medo de inovar e utilizar tecnologias que por muitos foram desprezadas, entre elas a fotografia. Soube tirar proveito na construção da paisagem, no detalhamento dos retratos. Vislumbrou nos panoramas a possibilidade de mostrar sua grande arte, escandalosamente monumental mesmo aos olhos de hoje. [...] Talvez numa contramão, ele se aventurou numa história da pintura como poucos teriam coragem de fazer".

sábado, 19 de julho de 2014

EUGÈNE GALIEN-LALOUE

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - Place de La Madeleine
Guache, lápis e nanquim sobre papel - 25,5 x 33,5

Sempre que visitamos uma cidade turística ficamos tentados a guardar uma imagem, uma recordação daquele lugar. Era muito comum, até bem pouco atrás, procurarmos por cartões-postais, que eram enviados a parentes e amigos, como reconhecimento pela lembrança deles e pelo desejo que pudessem estar ali conosco. Os tempos modernos mudaram um pouco esses hábitos. Quase todos já possuem câmeras e celulares com boa resolução. Enviar uma imagem instantaneamente tornou-se uma questão de ter ou não instalado aplicativos que facilitem isso. Muitas crianças e jovens talvez ainda nem conheçam cartões-postais e é bem provável que esses souveniers se acabem num futuro não muito distante.

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - Notre Dame de Paris
Guache, pencil e nanquim sobre papel - 37,2 x 53,6

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - Le pont Alexandre III et le grand palais
Lápis e aquarela sobre papel - 20,3 x 31,8

Anterior ao tempo dos cartões-postais, quem faziam essas espécies de lembranças eram os artistas de rua. Principalmente na Europa, onde as cidades sempre receberam um fluxo de turistas muito grande, havia o desejo de levar uma lembrança consigo ou de enviá-la a algum conhecido. Muitos dos trabalhos de Eugène Galien-Laloue funcionavam exatamente como uma espécie de cartão-postal diferenciado. Executado em ambiente aberto, quase que em plein air, ou com referências fotográficas muito rudimentares, o trabalho desse artista se tornou uma importante referência iconográfica de algumas cidades europeias, principalmente Paris, local onde ele morou grande parte de sua vida.

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - Notre Dame de Paris
Guache sobre papel - 25,4 x 33,3

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - Tarde animada na Port Saint Denis - Óleo sobre tela

Eugène Galien-Laloue nasceu em Paris, a 11 de dezembro de 1854. Filho de pais italianos, era o filho mais velho de oito irmãos. Com o falecimento de seu pai, quando tinha apenas 16 anos, foi obrigado a parar de estudar e conseguir um emprego como notário, para ajudar nas despesas da família. Uma bela oportunidade lhe acenou em 1874, quando foi recrutado pela Sociedade Francesa de Ferrovias para desenhar o layout ferroviário de Paris. Com fidelidade incrível às construções e às condições de cada bairro, o trabalho lhe abriu oportunidades para explorar essa espécie de desenho de uma maneira artística e comercial.

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - La Madeleine
Lápis e aquarela sobre papel - 31,5 x 49

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - Place de La Republique
Guache, lápis e nanquim sobre papel - 19 x 31

Grande parte da produção de Galien-Laloue ficou assim caracterizada pelas inúmeras cenas de Paris, que representou fielmente em diversas técnicas: aquarela, guache, lápis e óleo. Fazia isso com uma precisão incrível e teve a felicidade de viver na cidade em uma de suas melhores fases, na Paris animada e alegre da Belle Époque dos anos de 1900. Retratava muito bem a agitação da cidade, com suas ruas apinhadas em feiras e eventos diversos, com carruagens puxadas por cavalos, bondes e seus primeiros ônibus. Não tem apenas um valor artístico, mas um valor iconográfico difícil de mensurar, num período onde a fotografia ainda era um componente de luxo.

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - Almoço em um terraço com vista para a Baía de Nápoles
Óleo sobre tela - 47 x 65,4

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - Paris, Estação de metrô Bastille - Guache sobre papel -

Assim, uma típica pintura de Galien-Laloue sempre estará de repleta de calçadas e avenidas cheias de pessoas ou turistas se misturando a monumentos da agitada capital francesa. Mas, ele não se restringiu somente a Paris, viajou e retratou locais de várias outras regiões europeias. Também foi contratado, em 1914, para ser um artista que registrasse as cenas militares, tendo que acompanhar tanto a guerra franco-prussiana como a Primeira Guerra Mundial, fazendo apontamentos de tudo aquilo que via, em aquarela.

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - Le Quai de Tournelle, Paris - Guache sobre papel - 54,6 x 94,2

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - Le Grands Boulevards, Paris
Guache sobre papel - 18 x 30,5

Há que se admirar nas obras de Laloue principalmente as suas cores, a sua composição e a leveza de seu toque. Estes aspectos, especialmente se destacam. A sensibilidade com que retrata as mudanças de estação é impressionante, seja pela chegada trágica do outono ou pelo inverno em sua constante impermanência. Às vezes o verão está indo embora, as multidões estão dispersando, o inverno está chegando, ou a primavera no romper de todas as suas cores; suas imagens mostram uma cena esboçada em poucos minutos e que se eternizam.

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - Place de la Republique, Paris - Guache - 18,4 x 31,1

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - Paris, Porte Daint Denis
Guache e lápis sobre papel - 21 x 33 - 1941

Ele tinha uma atração para pintar principalmente em outubro e novembro, com árvores espinhosas finas e muitas folhas de outono. Certas cenas evocam a sensação de muito vento, com a sensação de frio, ruas vazias e que o inverno está chegando. O amor com que dedica à luz tem influências bem distantes, seja em mestres que aprendeu a admirar como Turner e Vermeer. Sua luz é suave, dourada, deixando parecer quase morna, nunca fria ou dura.

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - Nas margens do Sena - Guache sobre papel

EUGÈNE GALIEN-LALOUE - O Arco do Triunfo
Guache sobre papel

Este artista é procurado não só por colecionadores franceses, mas também por colecionadores americanos e Ingleses. Os trabalhos de Eugène Galien-Laloue podem ser encontrados sob diferentes pseudônimos, provavelmente por causa de seus contratos que fazia com as galerias. Além de seu próprio nome, os seis nomes mais conhecidos são: "L.Dupuy", "Juliany", "E.Galiany", "Lievin", "E.Lemaitre" e "Dumoutier".
Eugène Galien-Laloue faleceu em Chérence, a 18 de abril de 1941.