domingo, 30 de janeiro de 2011

UM VERSO ENVOLTO EM VERSOS (José Maria Honorato)



Esta noite
diversos versos
perambulam
por minha mesa
trocam palavras
vertem nos lábios
restos das letras
de um verso meu

Subvertem o coração
a viver só
a escolher esse verso
do caminho
e esconder-se nos versos
do silêncio
versus um de nós

Portanto, que vertam o verso poeta
imerso em minhas versões de agonia sobre a mesa !
Quanto a mim
emerso dessas, morto o poeta,
sou o anverso
converso no universo
de meus versos.

CATHLEEN REHFELD - A escrita
Óleo sobre tela, 25,4 x 20,3

sábado, 29 de janeiro de 2011

DICAS PARA COMPOSIÇÕES COM ÁRVORES (José Rosário)

EDGAR WALTER - Estradinha das Paineiras
Óleo sobre tela, 38 x 46
Pensar em paisagem na pintura brasileira é pensar em
Edgar Walter. E pensar nele é lembrar imediatamente
dos muitos verdes de suas árvores e das belas
composições onde elas sempre estiveram presentes.

A paisagem é o tema preferido por grande parte dos iniciantes na arte de pintar. Um tema que, de aparência inicial simples, oferece enormes desafios, devido às inúmeras variações que podem existir em um simples trecho da composição. O desenho e a correta representação das árvores, é sem dúvida, o maior desafio na pintura de paisagens, e elas estão em quase todas as composições desse tema.

GIORGIONE - Moisés submetido a julgamento pelo fogo
Óleo sobre painel, 89 x 72.
Foi um dos pintores renascentistas que primeiro valorizou as árvores
em suas composições. Fez vários estudos e deu a elas um lugar de destaque.

JACOB VAN RUISDAEL - A garnde floresta
Óleo sobre tela, 139,5 x 179,5
Após a Reforma Protestante, muitos artistas do centro-norte europeu
trocaram as tradicionais cenas sacras por temas alternativos. Ruisdael soube como
ninguém, explorar tão bem as densas florestas de sua terra natal.

Foi no Renascimento, que a representação de árvores começou a ganhar destaque nas composições. Giorgione, um dos pintores daquela época que mais explorou o tema, tinha verdadeiro fascínio pelas árvores. Diversos estudos que ele fez, para aprofundar no tema, atestam a importância que esse artista deu às suas observações, para conseguir resultados satisfatórios. Também após a Reforma Protestante, muitos artistas do centro-norte europeu passaram a representar mais elementos da natureza em suas composições, dando bastante ênfase a paisagens e marinhas. No período do Romantismo, a paisagem ganha um novo destaque com belos e idílicos cenários compondo temas grandiosos. As árvores sempre se fizeram presentes durante o Naturalismo e o Impressionismo. Na Arte Moderna até os dias de hoje, elas ainda continuam dominando belas composições de paisagens.

GEORGE INNESS - Perugia 
Óleo sobre tela, 61,9 x 48

GEORGE INNESS - Manhã chegando
Óleo sobre tela, 81,9 x 106,7.
Inness , que inicialmente tinha uma representação bem acadêmica para as árvores,
 foi, ao longo de sua carreira diluindo cada vez mais as suas formas, até
deixa-las como simples massas de cor. Se perdeu em detalhes, ganhou em expressão.

Basta pegar um pequeno trecho de uma paisagem qualquer, e confirmar a infinita quantidade de vegetação contida nele, variando entre árvores, arbustos ou plantas rasteiras. E cada parte parece ter sua estrutura própria, contornos, volumes, desenho de galhos e folhagens, texturas diferenciadas nas cascas e cores próprias. O mais surpreendente é que, em meio a esse caos aparente, nenhuma se confunde com a outra. Muitas delas possuem uma densa copa, que cobrem de sombras grandes trechos da paisagem. Outras, já são cobertas com uma folhagem rala de pequenas folhas, por onde o sol atravessa criando surpreendentes e especiais efeitos. Os troncos podem ter texturas bem marcantes, como serem completamente lisos e esguios. Com um olhar mais atento, ainda é possível perceber entre eles, musgos, flores, cipós, frutos, ninhos de pássaros, brotos ainda por formar, como também galhos mortos e folhas secas. É essa imensa variedade e particularidades, que fazem das árvores um exercício fascinante para qualquer artista.

WILLIAM TROST RICHARDS - Dentro da mata
Óleo sobre tela, 40 x 51
Com um olhar acurado de quase botânico, Richards deixou
alguns trabalhos bem elaborados de plantas. A complexidade
de suas composições confirmam o quanto a persistência
e os objetivos são importantes na carreira de um artista.

ALBERT BIERSTADT - Moinho rústico
Óleo sobre tela, 109,84 x 148,03
Bierstadt e Richards faziam parte da Escola do Rio Hudson, um movimento
de artistas norte-americanos que se uniram em torno de um mesmo ideal,
divulgar em telas os cenários grandiosos do seu país. Muitos integrantes
desse grupo foram de grande importância para o registro de paisagens
ainda intactas do meio-oeste e oeste americanos.

Os animais possuem uma estrutura interna (ossos e órgãos) que sustenta o corpo, e que fica escondida pela estrutura externa (pele, cabelo, pêlos). Diferentemente dos animais, a estrutura que sustenta o corpo das árvores é visível, com apenas alguns trechos ocultos por folhagens. Essa estrutura (tronco e galhos) praticamente determina a forma da árvore, ficando para as folhas, características de cor e textura.


PEDER MORK MONSTED - Um dia de verão
Óleo sobre tela, 117,5 x 83,2 - 1905

Peder Mork Monsted tem como principais personagens de suas
composições as árvores. Retratou com precisão e desenvoltura
todos os possíveis ambientes com elas: matas fechadas, campos
abertos, cenas geladas e dias quentes de verão. Há em seu
trabalho um detalhamento apenas onde se faz necessário. O 
restante da composição se integra e se harmoniza com extrema
perfeição e bom gosto.

PEDER MORK MONSTED - Dia chuvoso de outubro
Óleo sobre tela, 89 x 121 - 1918

Algumas dicas que se seguem podem ajudar bastante nas composições que apresentem árvores:
1 . ESTRUTURA:
Não pense numa árvore com partes de suas estruturas isoladas, pense no conjunto de massas que fazem sua composição, evitando detalhar excessivamente. Interpretar o conjunto de massas que a compõe numa forma quase abstrata, procurando relacionar o desenho de sua estrutura com os volumes, poderá produzir resultados bem mais satisfatórios.


FOSTER CADDELL'S - Preston city
Óleo sobre tela - 61 x 76,2

Abrindo mão de detalhes excessivos em seus trabalhos,
Foster e Aspevig preferem explorar bem mais as massas
de cores que compõe as suas árvores. Numa visão mais
impressionista, as árvores ganham destaque em quase
todas as suas obras. 

CLYDE ASPEVIG - Outono dourado
Óleo sobre tela, 91,4 x 101,6

2 . SIMETRIA:
Na maioria das espécies de vegetais, observa-se uma certa simetria de um lado em relação ao outro, criada por um eixo imaginário que passa pela centro do tronco. A simetria nos vegetais tem muito a ver com sua sustentação e equilíbrio. Árvores menores que crescem próximas à grandes árvores já formadas, tendem a perder a simetria, tornando-se tortas e de formação irregular. Procurar equilibrar os lados de uma árvore em uma composição, demonstra o bom senso estético de quem executou. Mas, isso não é uma regra. Árvores com grandes assimetrias, quando bem enquadradas dentro de uma composição, podem produzir efeitos extraordinários.


JOSÉ ROSÁRIO - Vendedores de queijo
Óleo sobre tela, 60 x 80
Árvores assimétricas dão excelentes composições quando
enquadradas em cortes imprevisíveis.

ANDREW PETERS - Campo com pinheiros
Óleo sobre tela
Pinheiros são exemplos ótimos de árvores simétricas. Como são de estrutura
bem parecida, o segredo de representa-los em uma composição está
em organiza-los de maneira variada, colocando alguns mais
próximos e outros mais distantes, ganhando com isso
uma boa noção de profundidade.

3 . CORES:
Há um conceito, ainda de infância, que árvore deva ter tronco marrom e copa verde. Esqueça esse conceito e parta para a observação. Um grupo de árvores oferece uma gama enorme de misturas. Atente por perceber a grande variedade de cinzas neutros e luminosos que aparecem nos troncos. Observe como as folhas mais velhas tem o colorido bem diferente dos brotos novos. Faça uma comparação dos tons que consegue captar na sombra e sob o sol, e então verá como são ricas as misturas, principalmente no interior das copas.


ANDY THOMAS - Cores de outono
Óleo sobre tela
Cores variadas e bem equilibradas enriquecem qualquer composição.
Em benefício de uma boa cena, altere e acrescente formas e cores
que melhor expressem o objetivo do tema. A liberdade ainda
é o maior combustível para se fazer arte.

OSMAR DOS SANTOS SOARES - Estrada
Óleo sobre tela, 70 x 90

4 . TIPOS:
Enriqueça sua composição, variando os tipos de vegetação. No Brasil, um país predominantemente tropical, há uma variedade enorme de plantas em todas as regiões. Tire proveito dessa complexidade deixando suas composições menos monótonas e previsíveis. Em um dia de sol, saia com um caderno de rascunhos e faça vários esboços das árvores que encontrar pelo caminho. Irá se surpreender com o repertório vasto que encontrará.


CLÁUDIO VINÍCIUS - Rio Piabanha
Óleo sobre tela, 70 x 100

Quantas espécies podem ser colocadas numa única cena...
Aproveite a diversidade da flora brasileira e enriqueça
suas composições variando quantas espécies forem
possíveis. Palmeiras, bananeiras, jacarandás e flamboyants,
roseiras, eucaliptos e bambus... Não há limite para
a criação ao observar melhor o mundo a sua volta.

ANTONIO FERRIGNO - Caminho de terra
Óleo sobre madeira, 30,5 x 39


5 . MOVIMENTO:
Embora a observação de uma árvore isolada, pareça uma cena estática, isso tende a mudar completamente quando observadas em grupo. Vendo assim, tudo contribui para dinamizar o trabalho. Cores, formatos, jogos de luzes e contrastes criam relações bem interessantes entre si e transmitem movimento a todo conjunto. Pelo espaço e proporção que ocupam numa cena, as árvores se tornam excelentes componentes para expressar movimento. Muito mais importante que o movimento ação é o movimento ótico, a distribuição de cores e tons que conduzam o olhar a caminhar pela obra.
Em se tratando de movimento ação, nada melhor que observar com atenção a chegada de uma tempestade. O anteceder de uma tempestade desarruma a paisagem com grandes rajadas de vento, criando ótimos efeitos. Explorar com criatividade as condições meteorológicas, sempre será um ponto a favor de belos resultados em sua composição.


JOSÉ ROSÁRIO - Tempo incerto
Óleo sobre tela, 60 x 100
Como são os componentes de maior destaque nas paisagens,
as árvores são excelentes referências para  indicação de movimento
na composição. O aproximar de uma chuva desorganiza e
cria belos cenários.

WILLIAM ASHFORD - Rio Clodiagh perto da floresta de Charleville
Óleo sobre tela, 100 x 126
A organização das árvores e as linhas de convergência para o centro
da composição, deram a esse trabalho uma boa noção de movimento.
As cores também colaboraram com esse efeito.

6 . ESTAÇÕES DO ANO:
A vegetação em geral, é por si só, o componente que mais altera numa paisagem com o passar das estações. Faça uma comparação de árvores e arbustos próximos de sua casa, em diversas épocas do ano. Caso não tenha tempo para esboço ao ar livre, pelo menos fotografe, e então verá quão surpreendentes podem ser os resultados.


LAUREN S. HARRIS - Casas, Richmond Street
Óleo sobre tela, 76,2 x 81,2

É no outono que as árvores revelam com mais nitidez suas estruturas.
Os troncos e galhos expõe silhuetas que sempre oferecem boas composições.

JOHN ATKINSON GRIMSHAW - Amanhecer dourado
Óleo sobre tela, 50,8 x 76,2

7 . IMPORTÂNCIA DO ESBOÇO:
Independentemente do estilo ou técnica a se utilizar, os esboços são sempre uma arma poderosa para qualquer artista. Simplificar traços e captar a atmosfera em traços rápidos é uma atividade praticada há muitos anos, mesmo para os não praticantes da pintura em plain air.

VINCENT VAN GOGH - Pinheiros, estudo
Nanquim sobre papel, 62,3 x 46,8

A espontaneidade que nos salta aos olhos quando deparamos
com um trabalho de Van Gogh, sugere a execução de
um trabalho sem muitas preocupações acerca de técnicas e
distribuição de elementos. Muitos desenhos encontrados
depois de sua morte atestam exatamente o contrário. Ele
era preocupado com esboços e estudos que melhor
garantissem o resultado de seus trabalhos.

VINCENT VAN GOGH - Pinheiros
Óleo sobre tela, 93,3 x 74

8 . TRABALHANDO ETAPAS:
A sequência abaixo, realizada pelo artista baiano Dimas Mascarenhas exemplifica uma pintura de paisagem com árvores, realizada em várias etapas. O esboço ou desenho inicial apenas localiza e define áreas de sombra e luz. Até a última etapa, houve inteira liberdade em alterar no que fosse necessário para que a composição se tornasse equilibrada. Esse processo de pintura, geralmente desenvolvido em ateliê, usa como referência estudos captados ao ar livre, bem como fotografias e desenhos esquematizados.




9 . O PODER DOS ESTUDOS:
Pintar ao ar livre, no termo que os americanos denominaram plein air painting é um dos exercícios mais importantes para a captação original de uma cena. As condições locais quando extraídas ao natural, revelam espontaneidade e dinamismo perdidos numa sessão de ateliê. As árvores desenvolvidas nesses estudos ganham aspectos mais expressivos e treinam o olhar do artista, condicionando-os ao necessário para aquele momento.

MIAN SITU - Paisagem do oeste
Óleo sobre painel, 22,8 x 30,4

SCOTT BURDICK - Manhã na serra
Óleo sobre painel

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

ESPAÇO DO HOMEM (José Maria Honorato)


A arte é o lugar
Dos homens
E não há lugar
Onde o homem
Não possa ir
Não há espaço
Onde o homem
Não possa estar
E não há lugar
Onde o homem
Não possa
Sonhar


EDUARDO VILELA - O rumo
Óleo sobre tela

domingo, 23 de janeiro de 2011

FREUD E A ARTE (José Rosário)

Muitos de nós, quase todos, já ouviram a expressão: “Freud explica!” E mesmo que muitos não saibam ou venham saber o significado correto de tal expressão, ela já se tornou um parâmetro de algum comportamento humano anormal, que só pareça ser explicado por ele: Freud.
Sigmund Freud nasceu a 6 de maio de 1856, em Freiburg, atual República Tcheca e faleceu a 23 de setembro de 1939, em Londres, Inglaterra.

Sigmund Freud, 1905.

Uma das mentes mais influentes do século XX, Freud não se destacou somente em meio ao público especializado, mas também por atingir, de uma maneira surpreendente, uma legião cada vez mais crescente de adeptos leigos. Evidente que essa sua promoção social descontrolada, tem caminhado perigosamente de mãos dadas com o vulgar. É que as áreas de abrangência de suas pesquisas foram tantas e tão variadas, que todos os grandes movimentos comportamentais do século XX, certamente tiveram sua influência. Um exemplo mais comum é a grande liberação sexual que ocorreu na segunda metade do século passado.

SALVADOR DALI - Primavera florindo
 Óleo sobre tela, 54 x 65 - Coleção particular

Desde complexas intervenções na Psiquiatria e Psicologia, passando por rigorosos controles filosóficos, o pensamento freudiano atingiu a todos de uma maneira contundente. Ele soube como ninguém, explicar os comportamentos humanos acerca de nós mesmos, o que antes eram praticamente incompreensíveis. Alguns termos como repressão sexual, mecanismo de defesa, desejo inconsciente, trauma de infância, complexo de Édipo e muitos outros, fazem parte de nossas vidas com tanta intimidade, e muitos de nós sequer damos conta que, antes de Freud, esses termos nem existiam. Não que ele tenha inventado tudo isso. Desde a Grécia antiga até meados do século XIX, muitos estudos já indicavam ou sugeriam tais comportamentos, mas, eram tão sem nexo e tão obscuros, que quando não eram confundidos, eram completamente ignorados. Mesmo em sua época e até mesmo nos dias de hoje, muitos estudos e teorias de Freud causaram e continuam a causar controvérsias.

SALVADOR DALI - Solidão critico-paranóica
Óleo sobre madeira, 19 x 23 - Coleção particular

Para o que mais nos interessa nessa matéria; a Arte; Freud é de uma importância muito grande. Haja visto que movimentos como o Surrealismo tem uma base bem plantada em cima de seus conceitos.
Muito mais que caminhar para um estilo preferido de arte, a concepção a respeito do tema é muito mais abrangente na obra de Freud do que se imagina. Para ele, a Arte, em todas as suas manifestações, é o único espaço provável onde possa se conciliar realidade e sonho.

SALVADOR DALI - Impressões da África
Óleo sobre tela, 91,5 x 117,5 - Museu Boijmans Van Beuningen, Roterdã

Como isso é possível?
Segundo Freud, dois princípios regem a psique humana: o princípio do prazer e o princípio da realidade.
Temos uma habilidade nata, segundo ele, de procurar obter prazer a qualquer custo e cada vez mais. Essa busca de prazer muitas vezes encontra severas resistências na realidade. É que a busca quase cega para obter prazer a qualquer custo, esbarra sempre no mundo exterior, que continuamente nos priva de maioria das satisfações. Para fugir dessa realidade perversa, que tanto parece nos limitar, o princípio do prazer é suplantado em nossa mente, pelo princípio da realidade, este faz nada mais que, adiar a satisfação pretendida, sem abrir mão dela por completo. Em outras palavras, poderíamos dizer que mediante a limitação imposta pela realidade, procuramos um prazer mais seguro para o momento.

SALVADOR DALI - Momento de transição
Óleo sobre tela, 54 x 64,5 - Fundação Langen, Alemanha

Há um constante conflito entre o indivíduo que deseja prazer e o mundo externo que sempre o tolhe, e conviver com esses conflitos não é tarefa fácil para muitas pessoas. Daí que, a partir do momento que os conflitos ficam mais intensos dentro do indivíduo e ele não consegue suportá-los, eles se transformam em neuroses. Embora por um lado, a maioria desses impulsos reprimidos seja de natureza sexual e venha a se transformar em neuroses, por outro eles encontram uma saída a nível psíquico, é a chamada compensação. Como está ligada diretamente à fantasia, é aqui, segundo Freud, o terreno mais propício para a realização da obra de Arte. Poderíamos dizer então, que o artista e sua obra fazem as pazes com a realidade e ainda recebem total apoio do público, em grande parte das vezes, prezo à realidade. É na Arte o único local onde seja possível a reconciliação do princípio do prazer e o princípio da realidade. O artista, visto então como um ser especial, inconformado permanentemente em sentir os impulsos podados na realidade, vai até a fantasia e traz dela novos adereços de realidade, que são assim aceitos pelo público com muita admiração e reverência. Nesse momento, o princípio do prazer se sente compensado, pois tudo o que era procurado nele como amor, honra, glória e poder, são encontrados agora, em plena realidade.

SALVADOR DALI - Mesa solar
Óleo sobre tela, 60 x 46 - Museu Boijmans Van Beuningen, Roterdã.

Todo indivíduo que tenha algum tipo de privação encontrará alívio para ela na fantasia. Só que como nem todos são artistas, esse refúgio acaba sendo limitado. Conseqüência mais drástica para tal situação é que o grande público acaba buscando compensações que não produzem nada de positivo. Um exemplo mais comum é o uso cada mais recorrente de drogas alucinógenas. Já o artista, de qualquer área, tem uma carta na manga, dando forma a seus devaneios na obra de arte, ele acaba se livrando de grande parte daqueles conflitos.
Como um transgressor invejado por todos, o artista ficou sendo visto como um louco necessário. Alguém da realidade com a senha privilegiada para habitar também o sonho. Como se cada artista consciente tivesse um pé no chão e outro nas nuvens. E quando os pés insistirem em estar em apenas um dos lugares, este já não é mais artista.

SALVADOR DALI - Assumpta corpuscularia lapislazulinea
Óleo sobre tela, 230 x 144 - Coleção particular

Abusando do princípio de que o sonho é a nossa realidade inconsciente e que nesse momento tudo é possível e permitido, o Surrealismo teve na obra de Freud, o esteio mais forte de sua existência. Salvador Dali e De Chirico, os nomes mais representativos dessa abordagem artística, exploraram  com freqüência cenas totalmente alucinógenas, como uma fotografia de sonhos. Artistas, que por si só, serão temas de outra matéria.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

PIETÁ (José Rosário)

Roma está para o mundo antigo assim como Nova Iorque está para os tempos atuais. A referência de poder, que no passado deu a Roma o título de “Cidade Eterna”, é muito parecida com o poder capitalista que Nova Iorque exerce sobre o mundo de hoje. Comparações à parte, Roma deve todo o seu esplendor aos grandes artistas que passaram por lá e deixaram suas marcas em cada canto. Marcas, aliás, que ainda continuam a serem descobertas e desvendadas. Monumentos e obras que nasceram do desejo desmedido de seus governantes e ganharam forma pelos hábeis artistas que lá viveram. As Histórias de Roma e da Arte Universal não estariam completas sem a presença de um dos seus artistas mais virtuosos e competentes: MICHELANGELO BUONARROTI.

Michelangelo Buonarroti, numa pintura
feita por Jacopino del Conte.
Óleo sobre tela, 98,5 x 68.
Casa Buonarroti, Florença.

Nas turbulências do fim do Quattrocento e início de Cinquencento, onde os estilos artísticos transitavam do Classicismo ao Barroco, passando pelo Maneirismo, Michelangelo se desponta como um de seus maiores gênios. O artista que simboliza na expressão mais abrangente da palavra, o representante maior do Renascimento. Um contemporâneo seu, Leonardo da Vinci, equipara em grandiosidade, mas, não há que se confrontar suas intenções e percepções a respeito da arte. Enquanto Michelangelo concebe sua obra nos ensinamentos neoplatônicos que assimilou na corte dos Médici, Da Vinci está mais ligado a uma representação aristotélica e toda a visão abrangente do mundo que essa corrente representa.

Estudo para a Pietá, ou
Lamentação de Cristo.
Sanguínea, 28,2 x 26,2
Museu Britânico, Londres

Michelangelo nasceu a 6 de março de 1475, em Caprese, e faleceu em Roma a 18 de fevereiro de 1564. Filho de uma família de posses, perdeu a mãe aos 6 anos de idade e por conseqüência disso, teve a vida entregue aos cuidados de uma ama, que muito cedo, o encaminhou aos estudos.
Essa matéria ainda não é uma biografia do artista, ele merece uma específica para isso. Falarei mais especificamente de uma das suas obras mais representativas. Longe de querer afirmar que ela seja a sua melhor produção. Não há parâmetros na obra de Michelangelo. Todo trabalho seu é uma grande obra.

Pietá
Mármore, 174 x 195
Basílica de São Pedro, Vaticano, Roma.

PIETÁ

Foi o impacto que me causou ao visita-la, no Vaticano, que sempre me encorajou a falar algo sobre ela. Não há quem fique indiferente diante de sua presença. Posso dizer, com propriedade, que foi uma das emoções mais fortes de minha vida.
A imagem da Pietá foi encomendada pelo cardeal francês Jean Bilhères de Lagraulas, a 21 de setembro de 1498, para a Capela dos Reis de França, dentro da antiga Basílica de São Pedro, no Vaticano. Logo após a construção da basílica atual, ela foi instalada na primeira capela da alameda do lado direito, onde está até hoje.


Pietá, que em português significa “Piedade”, talvez seja a mais famosa e mais conhecida escultura de Michelangelo, juntamente com o Davi, que fica em Florença. Ela encarna a dor e o desalento de uma mãe que toma seu filho morto aos braços. Alguns artistas no norte da Europa já haviam explorado o tema, quase sempre numa leitura muito realista e cruel. Mas, foi somente pelas mãos de Michelangelo, que o episódio ganha uma representação cênica muito bem idealizada e de forte impacto.


Como conseguiu isso? Michelangelo estudara, anos atrás, novos métodos e processos de composição. Foi sua decisão pela escolha de uma composição piramidal, a chave para o sucesso de sua obra. Era muito comum, a vários artistas do Renascimento, enquadrarem o tema principal de suas obras em uma forma triangular, que é a figura geométrica que melhor representa estabilidade. Mas, ainda assim, alguns problemas tiveram que ser sanados. Representar o Cristo, no que provavelmente seria sua estrutura, a de um homem carpinteiro de trabalhos pesados, seria um descompasso para a sua intenção. Propositadamente, Michelangelo entalha Cristo em dimensão menor que Maria, cabendo assim no esquema em forma triangular da composição e não passando aos olhos de quem observa o conjunto da obra, a sensação de esmagar o corpo da mãe. Equilibrar ao mesmo tempo uma figura quase horizontal com outra vertical por trás, dentro de uma pirâmide, requer muita ousadia e árduos estudos. O rico panejamento da vestimenta de Maria serviu também de sustentação para o corpo de Cristo. Mais uma saída engenhosa para um complexo problema.


A nobreza do conjunto é evidenciada pelo rosto da virgem. Não há ali o desespero tradicional, como faziam os artistas do norte, mas sim, uma dor resignada e contida, de uma mãe que sustenta nos braços, o filho que durante toda sua vida, previu naquela situação.
A fisionomia muito jovem de Maria fez com que vários críticos de sua época contestassem o conjunto da obra, afinal uma mãe com um filho de mais de trinta anos, não deveria ter semblante mais jovem que o seu. Considerando o resultado de seu trabalho impecável e irretocável, Michelangelo apenas explicou que queria; mesmo num cenário de morte; representar Maria com os traços de uma virgem, semblante que a diferenciava de todas as mulheres. Controvérsias à parte, a obra se impôs e não há quem não se emocione com ela.


Medindo 174 cm de altura por 195 cm de base, a escultura ainda prima pelo seu acabamento. A superfície foi polida com tanto esmero, que lembra uma superfície de marfim. Tantos atributos renderam à Pietá a reputação de uma das mais belas esculturas de todos os tempos.
A fita que atravessa o peito de Maria em diagonal traz entalhada a assinatura do autor: MICHAELANGELUS.BONAROTUS.FLORENT.FACIEBA(T), que significa: Miguel Ângelo Buonarotus de Florença fez. É a única assinatura de Michelangelo que se conhece.
Surpreender com a obra e o gênio inventivo de quem a fez é uma constante que acontece há séculos. A surpresa se torna ainda maior, quando nos damos conta que Michelangelo a terminou quando tinha apenas 23 anos de idade.

*****


Em Roma percebemos o quanto a grandiosidade faz fronteira
bem próxima com o exagero. O que inicialmente nos assusta,
vai sendo substituído por um sentimento de contemplação e
agradecimento. Depois de visitar vários locais da cidade,
voltamos para casa com a sensação de que no passado, 
o futuro era esperado e desejado com mais reverência.

sábado, 15 de janeiro de 2011

WALMIR TEIXEIRA: ABSTRACIONISMO COM CLASSE (José Rosário)


Desde que Kandinsky, Mondrian e Malevitch mostraram ao mundo que a arte não precisa de formas, houve um suceder de artistas que atravessaram o século XX se embrenhando por esse caminho. Transpor para a tela uma imagem que não seja a representação de nada encontrado na natureza, é tarefa arriscada e igualmente traiçoeira. Muitos são os que se propõe tal jornada e poucos os que a trilham, dignos de louvor e glória.
Walmir Teixeira é um daqueles raros exemplos no qual o Abstracionismo se manifesta na sua maior plenitude.

WALMIR TEIXEIRA - Devaneio, 110 x 130

WALMIR TEIXEIRA - Klingsor canta o fim da Atlântida, 100 x 100

Paulista da cidade de Palmital, onde nasceu a 30 de setembro de 1943, Walmir Teixeira absorve do mais profundo de seu inconsciente imagens que narram um diálogo sincero entre o que sente e o que deseja mostrar. Numa linguagem poética e lírica, cada centímetro quadrado de suas telas torna o espaço perfeito para expressar os intensos confrontos do que é real e imaginário em sua vida. E faz isso com grande fidelidade à sua proposta artística, sem apelar para os experimentos que tanto se impõe como moda nos últimos tempos.

WALMIR TEIXEIRA - Alegro, 110 x 130

WALMIR TEIXEIRA - Bonsai, 90 x 110

A sua manipulação hábil dos pigmentos dá vida à manchas, texturas, tons e semitons que se diluem e integram com tanta naturalidade, que qualquer de suas obras nos passa a sensação e o desejo de querer tê-la feito um dia. Sentimento que remete imediatamente à Milton Nascimento quando deixou em uma de suas letras: “Certas canções que ouço, cabem tão dentro de mim, que perguntar carece: como não fui eu que fiz?...”

WALMIR TEIXEIRA - Batéia, 110 x 130

WALMIR TEIXEIRA - Segredo do abismo, 110 x 130

O seu mundo imaginário só permite uma ponte com o mundo real: as gotas translúcidas que são quase a assinatura de seu trabalho. Walmir sabe que optar pela pintura abstrata, é ter acima de qualquer intenção, a revelação do que transcende a realidade de cada objeto.

WALMIR TEIXEIRA - Paisagem onírica, 100 x 120

WALMIR TEIXEIRA - Gestação, 100 x 100

Os primeiros contatos com a arte se deram em 1966, quando começou a pintar, tendo aulas de técnicas de gravura com Romildo Paiva. Tem um currículo recheado de diversas exposições, individuais e coletivas. Já é de longo tempo que seus trabalhos são encontrados em museus e coleções particulares de várias partes do mundo: Estados Unidos, Chile, Holanda e Portugal são apenas alguns de seus endereços.

WALMIR TEIXEIRA - Adágio, díptico 2, 110 x 90