quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

CLARK HULINGS - Um pouco mais

CLARK HULINGS - Cena de rua - Óleo sobre tela - 50,8 x 76,2 - 1967

CLARK HULINGS - Dois homens, uma carroça e um burro - Óleo sobre tela - 40,6 x 60,9 - 1972

Cheguei ao conhecimento do trabalho de Clark Hulings no início dos anos 2000. Fiquei fascinado com o que vi e sempre que podia, saia a procurar algo novo para estar observando. Em 2012, tive contato com Sansão Pereira, um artista brasileiro que estudou desenho junto com Clark Hulings, em Chicago. O interesse pelo artista americano aumentou ainda mais, nas narrativas dos poucos contatos que tive com Sansão, antes que ele falecesse.

CLARK HULINGS - Dia de lavagem nos Pireneus - Óleo sobre tela - 66 x 127

CLARK HULINGS - San Miguel de Allende
Óleo sobre tela - 76,2 x 50,8 - 1967

CLARK HULINGS - Estande do suco de laranja - Óleo sobre tela - 40,6 x 76,2 - 1981

Embora seja mais conhecido pelas belas cenas realistas do oeste americano e cidades europeias, Hulings começou sua vida profissional como ilustrador para revistas, e, em especial como ilustrador de capas de livros de bolso. A literatura faroeste estava em alta naqueles tempos e Hulings fez fama se tornando um respeitável ilustrador das mais conceituadas edições que eram lançadas.

CLARK HULINGS - Colheita de uva - Óleo sobre tela - 56,3 x 66

CLARK HULINGS - Sudeste da França - Óleo sobre tela - 60,9 x 45,7

CLARK HULINGS - Carruagem em Konya - Óleo sobre tela - 50,8 x 61,6

Teve um início de carreira curioso, com formação em Física, mas a arte sempre lhe acenava como a melhor possibilidade para se manter, e assim ele começou, pintando inicialmente retratos e ilustrações. Ilustrador respeitado, ele fez uma carreira brilhante e juntou dinheiro suficiente para se dedicar melhor àquilo que realmente queria: passear por diversas partes do mundo, desenhar e pintar. Os últimos quarenta anos de sua vida foram inteiramente dedicados à pintura de cavalete, tornando-se um dos mais prestigiados artistas americanos realistas de seu tempo.

CLARK HULINGS - Póximo a Woodville - Óleo sobre tela - 60,9 x 91,4

CLARK HULINGS - Manhã de segunda, Salvatierro, Gto Mexico - Óleo sobre tela - 73,6 x 81,2

CLARK HULINGS - Mula de Valência e carroça - Óleo sobre painel - 40,6 x 60,9

Ele passou cerca de três anos na Europa e norte da África, indo a todos os lugares possíveis da região, do norte da Noruega ao sul do Egito. O objetivo maior era visitar museus e galerias e pintar incessantemente. Nesse período, duas paradas para estudo, em Florença e Dusseldorf, mudaram inteiramente sua maneira de ver, trabalhar e conceber suas obras. Em Florença, veio o domínio da anatomia, principalmente com o exercício constante com modelos vivos. Em Dusseldorf, com Hans Georg Lenzen, ele aprendeu a pensar a estrutura de sua pintura de uma maneira diferenciada, usando texturas e fazendo abordagens dos fundos de uma maneira que não havia feito até então. Foi ali, que sua pintura realista ganharia ares inusitados e traria identidade para sua produção.

CLARK HULINGS - Luz da manhã, Granada - Óleo sobre tela - 81,2 x 121,9

CLARK HULINGS - Dia de mercado, Country Lane - Mista sobre painel - 20,3 x 25,4

CLARK HULINGS - Velho homem conduzindo um burro - Óleo sobre tela - 35,5 x 53,3

Depois de muitas aventuras em terras europeias, seu dinheiro acabou e ele se viu novamente em Nova York, trabalhando mais uma vez como lustrador. Mas, isso foi temporariamente, até que seu trabalho de cavalete conquistou o interesse de galeristas e colecionadores. Isso não veio de maneira fácil. No início, queriam lhe dizer o que pintar, que tema não gostariam de comprar, até que Hulings se deu conta de que deveriam gostar daquilo que ele fizesse, não que executasse aquilo que eles gostassem. Finalmente, Hulings se tornara agora um artista aclamado, com composições ricas e inusitadas, que explorava a luz com um domínio que poucos faziam como ele. As texturas e efeitos que conseguia, deixavam seus trabalhos ainda mais ricos e atraentes.

CLARK HULINGS - Sombras da Espanha - Óleo sobre tela - 73,6 x 81,2

CLARK HULINGS - Taormina - Óleo sobre tela - 64,1 x 76,2

CLARK HULINGS - Ville France - Óleo sobre tela - 76,2 x 106,6 - 1978

Mesmo que dominasse tudo que se propunha fazer, eram as cenas de mercados o que mais lhe atraía. Ele gostava do burburinho de gente comprando e vendendo de tudo, das gôndolas cheias de verduras e legumes, e principalmente dos burros e tantos animais calmamente nas suas rotinas. Crianças brincando, velhos arqueados na dura labuta de seus dias e belas e jovens moças passeando pelas calçadas. Tudo se transformava no mais puro deleite para seus olhos e brotava habilmente de seus pincéis e espátulas.

CLARK HULINGS - Neve em Santa Fe - Óleo sobre tela

CLARK HULINGS - Pequeno mercado de fores - Óleo sobre tela


Desenhista habilidoso, seus estudos de animais, geralmente executados em lápis, carvão ou nanquim são sempre requisitados nas casas de leilões. Muitos trabalhos nasciam desses estudos, feitos em prazerosas sessões e apontamentos. Foi um artista de hábitos simples, que se emocionava com o que fazia e amava a arte acima de tudo. Uma das mais gratas referências que a arte norte-americana já pode proporcionar.


sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

JEHAN GEORGES VIBERT

JEHAN GEORGES VIBERT - Gulliver - Óleo sobre tela - 56,5 x 109,8 -1870

Quando criança, li o romance As Viagens de Gulliver. Fiquei impressionado com aquela narrativa, e ainda bem novo ficava imaginando uma terra de pessoas tão minúsculas, proposta na obra do escritor Jonathan Swift. Swift ficou famoso com sua obra e ela se tornou um clássico da literatura inglesa. Vivi muitos anos com aquela intrigante sátira na minha mente. Acredito que essa bela estória tenha inspirado muitos antes de mim e foi exatamente o encontro com uma obra do artista Jean Georges Vibert que me fez recordar os tempos de criança. Vibert soube, como poucos, captar todo o clima proposto pelo texto de Swift. O encontro com esse trabalho tão bem elaborado por Vibert, despertou-me o interesse em conhecer melhor o artista. Para minha grata surpresa, uma produção riquíssima, muito bem executada tecnicamente e cheia de irreverências e críticas.

JEHAN GEORGES VIBERT - Após a pilhagem - Óleo sobre tela - 61 x 160,3 - 1866

JEHAN GEORGES VIBERT - O artesão espanhol - Óleo sobre tela - 40 x 49,5 - 1873

JEHAN GEORGES VIBERT - Nas muralhas - Óleo sobre painel - 43,8 x 72,3 - 1867

Para os mais íntimos, Vibert era tido como um homem muito espirituoso. Um crítico mordaz, que sabia manusear os pincéis e as tintas com a mesma habilidade que não poupava religiosos e governantes. Sua obra, mesmo chocando e irritando certas classes da sociedade, traziam-lhe respeito e fama. Se tivesse vivido um século antes de sua época, provavelmente teria sido preso e condenado à morte pelas suas críticas contundentes e nada amistosas com a classe religiosa e política. Foi exatamente isso que o diferenciou de todos os artistas de sua época. Ele soube usar do amplo domínio técnico para criar uma obra atrevida e irreverente, e que marcaria toda uma época e ganharia vários seguidores. A pompa e hipocrisia do clero e governantes de sua época não passaram desapercebidas diante de seus pincéis. De um certo modo, a tolerância a seu trabalho, por parte das classes dominantes da sociedade, é hoje vista como uma democratização que se estabelecia em solo europeu. E se isso pudesse ser feito com humor e bom gosto, que fosse pelas mãos habilidosas de mestres como Vibert.

JEHAN GEORGES VIBERT - A comissão de livro de morais - Óleo sobre tela - 45 x 64,7

JEHAN GEORGES VIBERT - O jantar do cardeal - Óleo sobre painel - 53,3 x 73,3 - 1875

JEHAN GEORGES VIBERT - A audição - Óleo sobre painel - 53,5 x 72,5

Jehan Georges Vibert ou Jean Georges Vibert nasceu em Paris, a 30 de julho de 1840. Filho do gravador e editor Théodore Vibert, e neto do influente criador Jean-Pierre-Marie Jazet, podia-se dizer que nasceu em berço ideal para a efervescência artística. Ele começou sua formação artística em uma idade bem jovem, sob a instrução do avô materno, Jean-Pierre-Marie. O jovem Jean era considerado um aluno medíocre, porque ao invés de prestar atenção ao mestre de sua classe, vivia esboçando imagens de pessoas em seus cadernos escolares. Vibert estava mais interessado na pintura de gravura e entrou no estúdio de Félix-Joseph Barrias e eventualmente na École des Beaux-Arts quando tinha dezesseis anos. Ele permaneceu na École por seis anos sob a instrução do pintor histórico François-Edouard Picot.

                       
Esquerda: JEHAN GEORGES VIBERT - A colheita de melão - Óleo sobre painel
Direita: JEHAN GEORGES VIBERT - Cardeal lendo uma carta - Óleo sobre tela
Abaixo: JEHAN GEORGES VIBERT - Figuras num rochedo - Óleo sobre tela - 1867


Vibert tornou-se muito amigo de Eduardo Zamacois, um jovem artista espanhol. Os dois viajaram para a Espanha em conjunto, em 1860. Além de se encantar com a cultura e tradições do país natal de Zamacois, Vibert aproveitou a viagem para colecionar roupas e materiais diversos do povo espanhol, que mais tarde seriam utilizadas para criar cenários para suas composições, como Toreros em oração. Em 1866, os dois amigos trabalharam em uma obra conjunta, que foi a primeira participação dos dois no Salon de Paris. Intitulada Entrada dos Toreros, este foi um fato bastante incomum, porque os artistas geralmente não trabalhavam em composições coletivas.

JEHAN GEORGES VIBERT - O retorno das relíquias
Aquarela e guache sobre papel - 47,9 x 101,6

    
Esquerda: JEHAN GEORGES VIBERT - Duas lagostas vermelhas - Óleo sobre painel
Direita: JEHAN GEORGES VIBERT - A dieta - Óleo sobre tela - 71,1 x 60,9

JEHAN GEORGES VIBERT - Eureka - Óleo sobre painel - 46,3 x 37,4

Como artista-solo, Vibert estreou no Salão em 1863 com duas composições de gênero intituladas A Sesta e Arrependimento. Em 1864, ele foi premiado com uma medalha por sua pintura Narciso transformado em uma flor. Sua virada para cenas de gênero deu-se exatamente nessa época, quando adotou a sátira em suas obras, criticando com muita irreverência o clero de sua época. Muitas obras com essa temática seriam produzidas à partir daquele instante e ele tornaria cada vez mais famoso por elas. Vibert exercia uma nova liberdade artística através de sua interpretação cômica das fraquezas humanas, ridicularizando as imperfeições do clero e da monarquia.

         
Esquerda: JEHAN GEORGES VIBERT - Computando as doações - Óleo sobre painel
Direita: JEHAN GEORGES VIBERT - As três paciências - Óleo sobre painel - 97,2 x 73
Abaixo: JEHAN GEORGES VIBERT - O molho maravilhoso - Óleo sobre painel - 61,5 x 81,2 - 1890


A abordagem de cenas que iam de desencontro com o clero de sua época, acabou definindo mais tarde o que ficou conhecido como Arte anti-clerical, que nada mais é do que um gênero de arte retratando o clero, especialmente os católicos romanos, em contextos nada convencionais. Foi especialmente popular na França e Itália, durante a segunda metade do século XIX, no auge do movimento anti-clerical. Pinturas típicas mostravam cardeais em suas vestes vermelhas brilhantes, engajados em atividades impróprias dentro de seus aposentos particulares de luxo. Ora se fartando com o excesso de comida, ora na mais pura preguiça. Os artistas mais destacados dentro dessa abordagem foram François Brunery, Georges Croegaert, Charles Édouard Delort, Jules Benoit-Levy, Eduardo Zamacois y Zabala e em especial, Jean Georges Vibert.

JEHAN GEORGES VIBERT - A sesta - Óleo sobre tela - 73,4 x 99,4 - 1862

        
Esquerda: JEHAN GEORGES VIBERT - Livros de medicina - Óleo sobre tela - 35,5 x 27,9
Direita: JEHAN GEORGES VIBERT - Notícias - Óleo sobre painel - 81,2 x 61,1

JEHAN GEORGES VIBERT - A reprimenda - Óleo sobre tela - 51,8 x 83,8 - 1874

Vibert tornou-se o mestre da cena anedótica, e deve isso ao grande apelo por parte dos patronos de arte mais sofisticadas de Paris. A popularidade de suas pinturas se espalhava assustadoramente, não só na França e outros países da Europa, mas especialmente nos Estados Unidos, incluindo as comissões das famílias Astor e Vanderbilt. Vibert também sabia das suas obrigações como cidadão francês e durante a Guerra Franco-Prussiana, tornou-se um atirador de elite e foi ferido na batalha de Malmaison, em outubro de 1870. Por causa desse feito, ele foi premiado com a Légion d'Honneur e tornou-se Chevalier de la Légion d'Honneur em reconhecimento do seu sacrifício. Ele se tornou um Officier da Légion d'Honneur em 1882.

JEHAN GEORGES VIBERT - Consertando o telhado e o Banho das mulheres
Aquarela sobre papel - 1880

JEHAN GEORGES VIBERT - Consertando o telhado - Aquarela sobre papel

JEHAN GEORGES VIBERT - O banho das mulheres - Aquarela sobre papel - 1880

Enquanto viajava pela Espanha, deixou-se influenciar por muitas pinturas que encontrava em museus e casas de arte. A sua viagem para o Oriente também afetou o seu estilo de pintura. Vibert compartilhava, cada vez mais, um interesse em dar ênfase aos detalhes, conforme faziam os artistas orientalistas. E isso enriqueceu ainda mais a narrativa de seu trabalho. Vibert também ficou muito interessado pela técnica da aquarela, formalizando a Société des Aquarellistes Français, tornando-se inclusive seu presidente, em 1878. Sempre pesquisador e buscando excelência em tudo que se propunha, Vibert usou suas habilidades científicas para preparar cores de tinta de sua autoria, através do estudo da química das cores. Ele escreveu mais tarde um livro da ciência da pintura, que ele chamou de La Ciência de la Peinture, em 1891.

JEHAN GEORGES VIBERT - Um leilão dos móveis - Óleo sobre tela - 1870

                           
Esquerda: JEHAN GEORGES VIBERT - Dando uma espiada - Óleo sobre painel - 37,1 x 23,1
Direita: JEHAN GEORGES VIBERT - Calmaria - Aquarela e goma arábica sobre papel - 46,9 x 34,2

JEHAN GEORGES VIBERT - O primeiro bebê - Aquarela sobre papel - 35,9 x 44,5 - 1872

Havia um desejo constante em Vibert de se tornar um artista completo. Além de pintar, também escrevia e encenava. Vibert se tornou um dramaturgo, encenando muitas produções, e escreveu histórias para peças de sua época, com base em cenas de suas pinturas, encontrando uma maneira conveniente para fazer propaganda de suas obras, principalmente nos Estados Unidos. Em 1878, Vibert colocou seis aquarelas e sete pinturas a óleo em exposição na Exposition Universelle, ganhando uma medalha de terceira classe por suas inscrições. Durante muitos anos, Vibert também teve uma associação ativa com o palco e produções teatrais em Paris.

JEHAN GEORGES VIBERT - Pintado por ele mesmo - Óleo sobre painel - 81 x 101

           
Esquerda: JEHAN GEORGES VIBERT - O doutor doente - Óleo sobre tela - 1892
Direita: JEHAN GEORGES VIBERT - Imponente pavão - Óleo sobre painel - 46,3 x 37,4

JEHAN GEORGES VIBERT - Adestrado - Óleo sobre painel

Foi a ousadia e irreverência que fizeram de Vibert o grande artista que conhecemos hoje. Sua arte falava por ele mesmo, embora ele nunca se desse satisfeito com tudo que produzira. O artista faleceu no dia 28 de julho de 1902. Muitas de suas obras são hoje prestigiadas em diversos museus e galerias, principalmente dos Estados Unidos, devido à grande aquisição de seus trabalhos por parte de ricos colecionadores americanos de sua época.