sábado, 26 de novembro de 2011

SÉRGIO HELLE

SÉRGIO HELLE - Acqua
Mista sobre tela - 142 x 142 - 2009

Percebemos a consistência da obra de um artista pela coerência de sua trajetória. É a sua proposta, cuja própria imaginação alimenta com persistência, que nos diz a que veio e se faz isso com objetivo. Coerência e consistência não faltam na obra de Sérgio Helle, artista da cidade cearense de Fortaleza. As suas fases, exploradas durante sua trajetória, nos apontam que há um bom tempo, já possui uma arte focada e com bastante objetivo.

SÉRGIO HELLE - Paixão
Infogravura - 200 x 106 - 2001

SÉRGIO HELLE - Sonho desfeito
Mista sobre madeira - 100 x 100 - 2002

Sua primeira fase, Abraços, que lhe montou material para sua primeira individual, em 1988, já apontava os rumos de sua arte coesa. Inicialmente tradicional, em óleo sobre tela, foi absorvendo com o passar do tempo, novas técnicas e materiais. Reflexos de uma linguagem atual e de um artista que não se prende a conceitos e experimenta sempre novas linguagens. Os experimentos iam desde aplicações de cópias xerox até o advento da infogravura, que segundo ele próprio, avançou rápido, num espaço de tempo bem curto. Tirou bons frutos dessas experiências e fechou a fase com Abraços de Cinema, não que esgotasse o tema, mas porque já ensaiava novas propostas.

SÉRGIO HELLE - O diário de Annais Nin
Infogravura - 74 x 120 - 2001

SÉRGIO HELLE - Saudade
Infogravura - 53 x 170 - 2001

Tais propostas tomaram forma em Sonhos, numa Individual do Centro de Convenções, realizada no Festival Vida e Arte, em 2005. É ainda a utilização de várias técnicas, que faziam da computação a base central de todas elas. Colagens, plotagens e outros meios que exploravam o uso da figura feminina, todos tendo como base, a poesia de Florbela Espanca. Já era o indício de uma obra mais contemporânea, com a linguagem muito bem adaptada para os diálogos artísticos atuais e que comprovam um amadurecimento artístico visível.

SÉRGIO HELLE - Sonho
Mista sobre tela - 100 x 130 - 2003

SÉRGIO HELLE - Flores moles
Infogravura - 124 x 76 - 2005

Nas duas fases anteriores, o trabalho de Helle já dava indícios que a figura tinha sua importância, mas também já dividia a composição com seus muitos adereços, tanto que uma nova fase surgiu, Dobras Moles. Veio naturalmente da vontade de explorar o que antes era o fundo de suas composições, dobraduras e panejamentos muito bem compostos. Tendem a nos enganar o olhar, ora quase que hiperrealistas, ora quase abstratas, mais uma vez nos mostrando que a versatilidade é um atributo de poucos.

SÉRGIO HELLE - Acqua X - Mista sobre madeira - 72 x 160 - 2010

SÉRGIO HELLE - Acqua XI - Mista sobre madeira - 140 x 110 - 2010

SÉRGIO HELLE - Acqua XI - Mista sobre madeira - 140 x 110 - 2010

O coroamento de todas essas experiências veio com Acqua, sua mais nova fase. Lançada na Galeria Mariana Furlani, em 2010, e que deu origem a um livro impecável, lançado recentemente. A figura humana volta a habitar suas composições, mescladas mais uma vez com dobraduras e panejamentos. O diferencial está em fazer isso numa superfície que não é nada tradicional, a água. O resultado é quase surrealista, e com visões muitas vezes, quase abstratas. Como ele próprio afirma: “A água desvenda novos ângulos de visão, com seus reflexos e suas lentes, por onde as cores e formas são distorcidas, ampliadas e desfocadas, criando novas imagens, que por momento, o olho se perde da figura e encontra a abstração”. A inspiração de tais trabalhos, vieram de ensaios fotográficos realizados por Nicoline Patrícia.



Quando vemos a persistência de artistas como Helle, nos damos conta de como são fortes as propostas daqueles que tem a mente focada no que fazem. Felizmente, são artistas assim, que nos fazem confirmar o quanto Platão estava errado, em tentar expulsar os artistas da comunidade. Ele tinha uma visão política e prática para as relações sociais. Platão achava que os artistas tem o dom de iludir e enganar, fugindo da proposta maior do Estado, de viver para as necessidades básicas. Com os artistas começam a surgir desejos luxuosos, segundo ele, desnecessários e sem a menor utilidade. Mas foi um aluno seu, Aristóteles, quem defendeu que o uso da imaginação fazia criar um mundo paralelo, capaz de melhorar o mundo real. Afinal, somos seres diferentes apenas não porque sobrevivemos como outros animais, mas porque temos a opção de qualificar essa nossa sobrevivência. A arte, segundo Aristóteles, permite uma melhor qualidade de vida.
Sérgio Helle, e muitos outros artistas que surgiram desde então, em diversas partes do mundo, confirmam o quanto podem tornar a vida melhor, com a socialização de suas visões. E que elas sobrevivam em muitas fases, tantas quantas forem possíveis.

PARA SABER MAIS:


quinta-feira, 24 de novembro de 2011

RICHARD SCHLOSS

RICHARD SCHLOSS - Shoreline, fim de tarde
Óleo sobre tela - 30 x 40 pol - Coleção privada

Sempre que pensamos em um artista, imediatamente recorremos à analogias que lembrem sua obra. Essas analogias podem estar ligadas ao seu estilo, ao tema que explora ou até mesmo da técnica que utiliza para desenvolver seus trabalhos. Picasso está intimamente ligado com imagens distorcidas e cúbicas, que por um bom tempo foram a marca registrada de sua obra; Dali e suas imagens de objetos se derretendo se tornaram marcas difíceis de esquecer; Monet e suas ninféias que se tornaram seu símbolo; Volpi e suas bandeireinhas, Di Cavalcanti e suas muitas mulatas... Enfim, sempre há algo de mais especial para identificarmos a obra de um artista.

RICHARD SCHLOSS - Brumas da manhã, Leadbetter Beach
Óleo sobre tela - 34 x 54 pol

RICHARD SCHLOSS - Sonoma Coast Headland
Óleo sobre tela - 26 x 40 pol

RICHARD SCHLOSS - Ondas e luzes, Gaviota Coast
Óleo sobre tela - 24 x 32 pol

Mesmo tendo um repertório variado, com utilização de temas diversos, sempre me lembro de Richard Schloss através de suas muitas cenas com água. Marinhas, riachos, lagos... São as suas águas, os temas que mais me remetem à sua imagem. Estão sempre lá, plácidas, tempestuosas, contendo tanta luz e energia que se prendem em nossa visão como um símbolo difícil de ser trocado. Uma analogia mais que grata.

RICHARD SCHLOSS - Manhã no Rio Santa Ynez
Óleo sobre tela - 30 x 40

RICHARD SCHLOSS - West Marin Creek
Óleo sobre tela - 30 x 24 pol

RICHARD SCHLOSS - Depois da chuva, Reserva Modoc
Óleo sobre painel - 16 x 24 pol

Tive contato com a obra desse artista através de um livro adquirido em 1999, com a explicitação da técnica de mais outros 9 artistas. Os passos para captação dos seus efeitos, que englobam inclusive à utilização de generosas veladuras, muito me ajudaram na captação de sutis resultados em experiências posteriores.

RICHARD SCHLOSS - Chegando as nuvens, Butterfly Beach
Óleo sobre tela - 48 x 36 pol - Coleção privada

RICHARD SCHLOSS - Pôr de sol em Hendry's Beach
Óleo sobre tela - 48 x 36 pol - Coleção privada

RICHARD SCHLOSS - Pôr de sol em Coal Oil Point
Óleo sobre tela - 40 x 30 pol

Richard Schloss nasceu em Fort Worth, no Texas, em abril de 1953 e se instalou posteriormente nos arredores de San Francisco, mais precisamente em Santa Barbara. Em 1986, passa a integrar um grupo de 22 artistas, The Oak Group, cuja intenção maior é a de divulgar as paisagens e espaços das regiões californianas. Seus trabalhos se encontram em numerosas coleções, em diversas partes do mundo.

RICHARD SCHLOSS - Praia de Miramar, cair da tarde
Óleo sobre tela - 38 x 50 pol

RICHARD SCHLOSS - Sonoma Coast, Rocha dos Arcos
Óleo sobre tela - 24 x 38 pol

PARA SABER MAIS:

domingo, 20 de novembro de 2011

ARTHUR NÍSIO

ARTHUR NÍSIO - A travessia
Óleo sobre tela - 86 x 116

As histórias de alguns artistas estão bastante ligadas às suas terras de origens, que ficamos sem saber ao certo o que é mais importante, o lugar que deu origem à obra, ou a obra que eternizou o lugar. Parece que por uma questão ética, ou de ideal mesmo, é impossível desvencilhar algumas associações artistas/lugares. Arthur Nísio e o Paraná são uma dessas agradáveis simbioses. Quando se aprofunda na história de um, acaba-se inexoravelmente desvendando a história do outro.

ARTHUR NÍSIO - Arranjo - Óleo sobre tela - 76 x 100

Independente da veia latente de regionalidade que emana da obra de Arthur Nísio, somos meio que apanhados pelo conjunto de sua obra. Ela é tão sincera e real, que parece dividirmos aqueles lugares em algum canto escondido de nossa memória. Um canto de quintal que guarda um cheiro de infância, a lida rotineira de seus personagens, que parecem a nossa própria lida... Tudo, tudo ali representado com tanta energia e vigor, que fica impossível não se envolver por sua obra.

ARTHUR NÍSIO - Animais no bebedouro - Óleo sobre tela - 40 x 50

Arthur José Nísio nasceu em Curitiba, Paraná, no dia 15 de maio de 1906. Essa interrelação que foi mencionada acima, do artista e sua terra, já tinha antecedentes que impediriam que as coisas se formassem de outra maneira. Não só a sua história, mas a de toda a sua família, tem uma ligação estreita com a história do Paraná. Seu avô paterno, um mecânico italiano, e seu avô materno, um ferreiro alemão, chegaram ao Brasil contratados pela empresa francesa encarregada da construção da estrada férrea Curitiba-Paranaguá. No alvoroço dessa que foi uma das obras de engenharia mais importantes da história do estado, estreitaram-se os laços das famílias Nísio e Reimann. Jélio Reginato Nísio e Reimann Nísio, pais de Arthur, tiveram seis filhos. Nos tempos difíceis das duas primeiras décadas do século XX, mudaram-se para Porto Alegre, em 1918, mas já em 1923, regressaram à Curitiba.

ARTHUR NÍSIO - Paisagem com animais e barco - Óleo sobre tela - 68 x 94

A aptidão nata ao desenho concedeu ao jovem artista, uma bolsa de estudos. Já aos 17 anos, encaminha-se para o Instituto de Belas Artes, em Porto Alegre. Era apenas o começo da trajetória de um dos maiores artistas do estado do Paraná. Em 1924, retornando a Curitiba, Nísio torna-se aluno do ateliê de Lange de Morretes, artista temperamental, mas muito inteligente e tecnicamente preparado. Entre 1925 e 1927, também freqüenta o ateliê de João Turin, para se especializar em escultura e modelagem.

ARTHUR NÍSIO - Vila de Nossa Senhora dos Pinhais - Óleo sobre tela
Povoado que deu origem à Curitiba

Sua primeira exposição se deu entre os dias 1 e 16 de maio de 1928, onde apresentou desenhos, xilogravuras e paisagens. Apesar de bem recebidos, os trabalhos não vendiam. Nísio se desestimulava, e quando tudo parecia perdido, recebeu a visita de um casal que logo comprou duas telas. Ao olhar no livro de assinaturas, constatou que se tratava de Dr. Afonso Camargos, governador do estado, e sua esposa. Um belo incentivo, que lhe trouxe bons frutos futuros.

ARTHUR NÍSIO - A grande família - Óleo sobre tela - 91 x 110

Aos 22 anos, procurando evoluir em seus estudos, parte para a Alemanha. Muitas visitas a museus e galerias faziam parte constante de sua rotina. Mas, foi com Max Bergmann, da Academia de Belas Artes de Munique, que herdou um traço inconfundível na pintura de animais, tanto que Arthur Nísio é conhecido mundialmente como um dos mais preciosos talentos da pintura animalista. Também estudou nesse período: figuras, nus, paisagens e naturezas mortas. Em 1934, na Renânia Palatinada, freqüentou conferências sobre “A figura na paisagem”, proferidas por Homeisen e Eugen Osvald.

ARTHUR NÍSIO - Rebanho de ovelhas
Óleo sobre tela - 95 x 122 - Coleção Tribunal da Justiça

Arthur Nísio se encontrava na Alemanha em pleno auge da Segunda Guerra Mundial. Não foram momentos fáceis. Teve que enviar 5 obras para análise da Gestapo e recebeu autorização para que pudesse continuar seu trabalho. Diferentemente da crise social e política que reinava no continente europeu, começou a obter sucesso com seus trabalhos. Participou de diversas exposições em várias cidades alemãs e em 1938, recebeu o convite para participar de uma exposição organizada pela nova prefeitura de Landau Rhein-Pfalz, onde recebeu inclusive uma sala especial. Com apenas 1 hora de exposição, já havia vendido todas as suas 5 telas. Um grande êxito, afinal estavam expostos mais de 2 mil trabalhos. Mesmo em um aparente estado de tensão social, pela guerra que se intensificava cada vez mais, viveu um período muito produtivo, vendendo tanto quanto executava e nunca conseguindo atender a tantos pedidos. Casa-se em 1940 com Katharina Nísio. Os horrores começaram mais severamente em 1942. Bombardeios forçaram suas saídas de Munique. Em meio a todo esse caos, nasce Gudrun, a filha do casal. Em 1943 se viu obrigado a abandonar a arte e trabalhar nas lavouras, afinal toda mão de obra era necessária, para alimentar os fronts da guerra. Após 1944, fugiu para próximo à Munique, numa localidade de nome Haimhausen. Perdera tudo que havia acumulado nos seus 18 anos de Europa. Da Alemanha foram enviados para um campo de refugiados na França, de onde seriam transferidos para a América do Sul. A vontade de continuar com a arte era tanta, que chegou a vender o sobretudo em Paris, para comprar tintas e pincéis. Desenhou e pintou de tudo, até trabalhos para joalherias. Mas queria imensamente voltar ao Brasil.

ARTHUR NÍSIO - Jardim - Óleo sobre tela - 60 x 80 - Coleção particular

De volta ao Brasil em 1946, recomeça dificilmente em Curitiba. A família foi a âncora no momento que mais precisava. Perdeu tudo de material que havia conquistado, mas voltou com uma bagagem de conhecimentos que jamais teria conseguido, sem as experiências em terreno europeu. Não lhe faltavam admiradores. Seu trabalho já se consolidava com uma força insuperável. Voltou para, definitivamente, marcar a história das Artes Plásticas no Paraná. Participou da Fundação da Escola de Música e Belas Artes do Paraná e ocupou várias cadeiras de ensino daquela instituição. Sempre sonhou com uma arte paranaense própria e coesa para todos os artistas de sua geração. Faleceu no dia 26 de abril de 1974, depois de vários meses de internação. Seus pincéis só foram abandonados duas semanas antes de sua morte.

ARTHUR NÍSIO - Bois e boiadeiro - Óleo sobre tela - Acervo FIEP

Dono de uma pincelada inconfundível e de um bom gosto extremo para as colorações, Nísio aliou técnica com expressão. É certamente um dos maiores nomes da arte desse país.

ARTHUR NÍSIO - Animais no rio - Óleo sobre tela - 94 x 130

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PARA SABER MAIS:
Excelente livro sobre biografia e obra do artista.
Lançado pela Posigraf Editora Ltda, em 2003,
com textos de Angela Wank.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

CATEDRAL METROPOLITANA DE CAMPINAS - ENCONTROS E DESCOBERTAS

Catedral Metropolitana de Campinas,
fachada principal.

Fizemos uma proposta no início desse ano: a de nos encontrarmos pelo menos três vezes, uma vez em cada uma de nossas cidades. Os companheiros Waiderson, Célio e eu. O termo “companheiros” ainda é herança de um passado de atividades políticas. Havia um certo idealismo que o tempo ajudou a arrefecer, mas ainda comungamos muitas idéias parecidas. O primeiro encontro desse ano foi em abril, no Rio de Janeiro, terra momentânea do companheiro Célio. O segundo em Sumaré, terra adotada pelo companheiro Wai, aconteceu nesse último final de semana. O terceiro está marcado para Dionísio, minha terra de sempre.

Da esquerda para a direita:
Waiderson, Célio e José Rosário

É também um momento de encontrar com as famílias de todos, frear um pouco a correria insana do dia a dia, e deixar que uma boa conversa alimente as chamas dessa amizade nossa. Nesse nosso encontro em Sumaré, havia também muita possibilidade de diversão por perto. O SWU acontecia em Paulínea, até passamos um pouco por lá. Deu pra sentir um pouco do clima agitado de um festival que tem muitas propostas. A gente fica até torcendo que tais propostas “peguem” um dia, mas na prática, há muito para melhorar. Holambra também acabou entrando no roteiro. O tempo ficou nublado por todo o fim de semana, mas não comprometeu em nada nossas propostas.

Da esquerda para a direita:
Waiderson, Andréia, Lucas, José Rosário, Zelma, Rafael e Pier Giorgio.

Sem fazer muitos planos, sempre visitamos algum local interessante nesses encontros. Se em abril, no Rio, tudo me era apresentado como novidade, agora tive a possibilidade de conhecer melhor um dos cartões postais de Campinas, vizinha cidade de Sumaré: visitamos quase que por acidente, a Catedral Metropolitana de Campinas.
Digo “quase que por acidente”, porque passávamos por perto e resolvemos entrar. Uma daquelas felizes coincidências que nos acontecem em raras ocasiões da vida.
Teria sido uma visita corriqueira, não fosse o encontro com Pier Giorgio Saruis, um arquiteto e restaurador italiano, responsável pela atual restauração de toda a estrutura física pela qual está passando a catedral. Uma pessoa encantadora, certamente uma das maiores autoridades mundiais em Edificações Antigas, formado pelas Academias de Florença e Veneza. Ele nos falou do prazer em conhecer os quatro cantos do mundo, tendo a possibilidade de fazer aquilo que mais gosta: restaurar e preservar a memória da humanidade. Com toda a simpatia que lhe é marca forte, gastou uma tarde inteira na nossa presença e fez questão de nos apresentar tudo, não se esquecendo de nenhum detalhe. Falou-nos do passado daquele templo e nos mostrou as mudanças que estão sendo feitas no presente, para que o futuro não esqueça esse trecho tão importante da história daquela cidade. Ficaríamos muitas tardes mais em sua companhia, ouvindo tantas curiosidades que ainda não nos foram apresentadas naquele momento.

Catedral Metropolitana de Campinas.
Construção, em uma ilustração de época

Interior, novembro de 2011.

Para situarmos melhor, a Catedral Metropolitana de Campinas, também conhecida como Catedral de Nossa Senhora da Conceição, em homenagem à padroeira de Campinas, está localizada na Praça José Bonifácio, bem no centro da cidade. O local recebeu o nome de Largo da Catedral. Há que se destacar desde o início, que se trata da maior construção do mundo construída em taipa de pilão, uma técnica completamente rudimentar que dispensa o uso de tijolos, e onde as paredes são erguidas com a deposição de camadas de uma espécie de massa especial desenvolvida naquela época. Toda feita utilizando o trabalho escravo, a Catedral tem mais de 4.000 m² e é também um dos mais altos nessa técnica.

Catedral Metropolitana de Campinas.
Apresentação da parede em taipa, por Pier Giorgio.

Interessante mesmo foi visualizar isso tudo nas explicações pacientes de Pier Giorgio. Ver as camadas de taipa ainda expostas, que se encontram acima do forro do telhado e como as paredes foram erguidas e se mantém até hoje.

Catedral Metropolitana de Campinas.
Década de 1940.

A história do templo também é muito rica. Com um roteiro que encabeçaria uma ótima produção cinematográfica, a catedral ergueu aos trancos, depois de muitos esforços e até tragédias. Em 14 de julho de 1774, foi inaugurada a Paróquia da Conceição na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas de Mato Grosso de Jundiaí, com missa cantada, levantamento da pia batismal e benção da matriz provisória. A freguesia foi elevada à categoria de vila em 1797 e teve seu nome mudado para Vila de São Carlos. Em 1807, a câmara da vila determinou o início da construção de uma nova igreja, sendo os imensos alicerces, típicos da construção em taipa de pilão, construídos pelos escravos e desde já, abençoados pelo vigário. O primeiro administrador da obras foi Felipe Teixeira Néri. Durante 38 anos, as taipas foram sendo piladas, financiadas por contribuições, loterias e até um novo imposto provincial, a Lei Provincial n° 3, de 9 de março de 1854. A luta pela independência, a Revolução Liberal de 1842 e outros fatores contribuíram para a lentidão das obras, e as taipas só foram concluídas em 1845, podendo a capela-mor, a sacristia e a nave central serem cobertas naquele ano. Em 1847, devido à visita de D. Pedro II, que havia elevado a Vila de São Carlos à condição de cidade, com o nome de Campinas, em 1842, a Igreja do Rosário é tornada matriz provisória, pois a matriz nova ainda não tinha condições de uso e a Matriz Velha jazia abandona e decrépita.

Detalhe de entalhamento das colunas laterais.

Em 1848, o doutor Antônio Joaquim de Sampaio Peixoto assumiu a condução das obras. Foi Antônio Francisco Lisboa, conhecido como “Baía”, que no ano de 1853, pagou as despesas de viagem, e trouxe da então província da Bahia, um grupo de entalhadores comandados por Vitoriano dos Anjos Figueiroa e mais três oficiais, para se encarregarem da ornamentação interna da “matriz nova” de Nossa Senhora da Conceição. Já em Campinas, Vitoriano era tratado por “professor de entalhe”. Valendo-se dessa prerrogativa, formou na cidade um corpo de aprendizes, dos quais podemos citar Antônio Dias Leite, José Antunes de Assunção e Laudíssimo Augusto Melo, esse inclusiva deficiente auditivo, e tido pelos contemporâneos como muito habilidoso.


Interior da Catedral Metropolitana de Campinas.
Passo da Via sacra.

Vitoriano foi responsável pelo altar-mor, das tribunas, dos púlpitos, da varanda do coro e até mesmo pela condução das obras até 1862, quando foi dispensado pelo novo administrador, Antônio Carlos de Sampaio Peixoto. Auxiliado pelos arquitetos Job Justino de Alcântara, Antônio de Pádua Castro e o doutor Bittencourt da Silva, em 1862, Sampaio organizou um novo grupo de entalhadores, chefiados por Bernardino de Sena Reis e Almeida, que era fluminense. Concluiu-se a ornamentação da nave central em 1865, os dois altares dos cantos e os quatro laterais, bem como as capelas. Tudo entalhado em cedro, abundante nas matas ao redor da cidade. Segundo Pier Giorgio, as madeiras do telhado são todas em Araucária, retirada do próprio local onde foi erguida a catedral. Na restauração atual, peças sobressalentes dessa madeira foram trazidas do Paraná.
Os sinos começaram a ser instalados em 1870. Foram trazidos de uma empresa de Londres, cujo nome é impossível de ser identificado na atualidade.


Catedral Metropolitana de Campinas.
Interior com celebração.

Após a conclusão do interior, teve início o processo da construção da fachada, havendo cinco mudanças de projeto: o primeiro tinha características barrocas com duas torres, e nesse sentido, seria perfeitamente integrado ao estilo adotado no interior do templo. Era de autoria do Dr. Bittencourt, mas não pôde ser executado pois não havia cantaria disponível na região, sendo adaptado por José Maria Cantarino. O segundo projeto, em estilo neoclássico, de Charles Romieu, previa uma única torre assentada sobre quatro colunas de pedra, cal e tijolos, mas foi suspenso devido aos acidentes ocorridos na construção, que levaram ao soterramento de quatro funcionários e uma criança. O terceiro projeto, de autoria de José Maria Villaronga, foi escolhido como resultado de um concurso público, e previa uma fachada neogótica, mas houve desentendimentos entre os administradores e não chegou sequer a ser iniciado. Em 1876, foi contratado o engenheiro italiano Cristóvão Bonini, para mudanças na planta e conclusão da obra, mas foi exonerado pela câmara em 1879. Finalmente, o quinto projeto, implementado pelo campineiro Francisco de Paula Ramos de Azevedo, recuperou o estilo neoclássico e deu o formato que é conhecido atualmente. Também foi o responsável pela conclusão de todas as obras, inclusive da instalação de dutos de gás para iluminação, uma novidade na época.


Panorama de uma das capelas laterais.

Inaugurada em 1883, a catedral recebeu novas ornamentações na fachada durante a grande reforma de 1923 (como os medalhões com as datas comemorativas da diocese, as guirlandas e as estátuas dos quatro evangelistas e dos quatro anjos do Apocalipse), quando também as telhas coloniais foram trocadas por francesas e a abóbada sobre o altar-mor foi levantada alguns metros, ficando na mesma altura do restante da igreja. Foi também nessa época que o zimbório foi trocado por uma cúpula em gomos, encimada pela imagem de Nossa Senhora. Também segundo informações de Pier Giorgio, essa imagem da santa era acabada com policromia, que será recuperada na atual restauração. A abóbada também possuía revestimento de ouro e prata, que serão devidamente recompostos na atualidade.


Altar em uma das capelas laterais.

O requintado entalhamento na madeira, localizado em seu interior, não possui douração. Pelas informações de Pier Giorgio, na segunda década do século XX, uma infestação de cupins, provenientes das matas derrubadas desenfreadamente, nos arredores de Campinas, obrigou a uma aplicação de piche em todo o interior da igreja, única solução encontrada para proteger o patrimônio naquela época.
A Catedral Metropolitana de Campinas é tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (CONDEPACC).
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Que os nossos próximos encontros tragam muitas boas surpresas como esta!

domingo, 13 de novembro de 2011

SCOTT PRIOR

SCOTT PRIOR - Cadeira amarela
Óleo sobre tela - 121,9 x 137,2 - 1995

SCOTT PRIOR - Natureza morta ao nascer do sol
Óleo sobre painel - 61 x 89 - 2007

Para os nossos tempos, onde as imagens se tornam replicadas em diversas partes do mundo numa questão de segundos, tem-se tornado um desafio cada vez maior, encontrar trabalhos com leituras realistas, e que sejam acessíveis a todos como um trabalho sério e de relevada significância. E que agreguem também a visão única e intransponível de seus criadores, sem se deixarem cair em clichês e modismos. Se por um lado podemos encontrar excelentes artistas, cujas técnicas os tornam mestres na arte, por outro podemos também encontrar aqueles que incluem em seu trabalho um processo narrativo que dificilmente pode ser desvencilhado de suas obras. Ainda que muitos se prendam numa técnica excessivamente ostensiva ou que se valham mais de mirabolantes textos para se explicarem, o que nos sobra, felizmente, é a proposta daqueles que conseguem conciliar a sua experiência de execução à nossa própria experiência de observação. Nem os melhores truques técnicos e nem as narrativas mais bem arquitetadas conseguem prendem um observador se as propostas de seus criadores não forem convincentes e leais.

SCOTT PRIOR - Cozinha no verão
Óleo sobre painel - 81,28 x 106,7 - 2009

A arte da imagem não nasce apenas da habilidade técnica e da grandiloqüência de sofisticados discursos, mas tão somente da voz e da visão que seus criadores conseguem compartilhar em suas obras. “Compartilhar” talvez seja mesmo a chave para o sucesso de qualquer trabalho artístico. Quanto mais democrático, mais experiência dividida e comungada.

SCOTT PRIOR - Garrafas ao sol
Óleo sobre painel - 76,2 x 91,44 - 2006

SCOTT PRIOR - O quarto no inverno
Óleo sobre painel - 167,64 x 121,92 - 1980

Percebo nitidamente, na obra de Scott Prior, uma certa espiritualidade reverenciada em tudo, desde os objetos dispostos de uma forma mais corriqueira, a uma paisagem tão bem observada e enquadrada em seus mínimos detalhes. Nessas suas batalhas, entre representar o que nos parece mais cotidiano e sutil, o rigor da técnica ou qualquer narrativa tentada, não dizem mais que a obra. Ela fala por si só e nos toca na sua verdade mais pura. Estão lá os nossos espaços mais secretos, divididos sem a menor reserva.

SCOTT PRIOR - Milharal no outono
Óleo sobre painel - 61 x 55,9 - 2003

SCOTT PRIOR - Quintal
Óleo sobre tela - 66 x 66 - 2010

SCOTT PRIOR - Uma praia no lago
Óleo sobre tela - 23 x 21,6 - 2006

Scott Prior reside em Northampton, Massachusetts, desde 1971. Nascido na cidade de Exeter, New Hampshire, é um dos grandes representantes da arte figurativa realista dos Estados Unidos. Tem obras espalhadas por diversos museus e é representado por galerias de porte da Hoffman Nancy Gallery, em Nova Iorque e da Galeria Alpha, em Boston.

SCOTT PRIOR - Flores à luz do sol
Óleo sobre painel - 66 x 45,7 - 2007

SCOTT PRIOR - Rosas de outono
Óleo sobre tela - 48,26 x 45,72 - 2002

Assim como artistas do Renascimento, com os quais reverencia e compartilha de visões semelhantes, Prior usa de simbolismos para nos apresentar suas obras. Não são apenas os objetos e suas configurações que estão lá representados, o mais importantes em seu trabalho, são seus significados e a busca constante da verdade. Mesmo que seja reconhecido como um artista realista, de qualidades técnicas inquestionáveis e admiráveis, o que mais nos atrai em seu trabalho é a visão romântica que o move e que nos comunga tão bem. A lucidez de suas composições casada com a magia de sua habilidade técnica é que nos faz melhores humanos, quando emprestamos os olhos aos seus trabalhos.


PARA SABER MAIS: