domingo, 28 de setembro de 2014

HISTÓRIA DA MOLDURA

WILLIAM BOUGUEREAU - As laranjas - Óleo sobre tela - 117 x 90 - 1865

Há quem diga que a moldura está para uma obra de arte assim como os cabelos estão para uma cabeça. Um complemento! Até já tentaram criar modas carecas, assim como a arte contemporânea introduziu a pintura em painel, sem moldura. Usadas em desenhos, fotografias e pinturas, as molduras tem a função inicial de protegê-los, mas são também um excelente complemento visual. Um trabalho bem emoldurado terá uma longa vida se o material utilizado na confecção da moldura for condizente para tal. Feita tradicionalmente em madeira, cada vez mais tem-se inovado em sua produção, vindo a serem utilizados materiais como aço, alumínio, prata, bronze, gesso e até mesmo o plástico. O paspatur (passe-partout) é um acessório que também trouxe um ótimo incremento às molduras, formando uma espécie de isolamento entre a obra de arte e a moldura propriamente dita.


Galerias nos Museus de São Petersburgo (acima) e Louvre (abaixo).
Assim como as famosas obras encontradas nessas instituições, as
molduras são uma atração à parte.

Há relatos de que as primeiras molduras, ou pelo menos algo que tivesse essa função, tenham sido usadas no Antigo Egito, encontradas ornando múmias, que eram penduradas nas casas de seus proprietários, antes mesmo de serem utilizadas como equipamento funerário. Mas, somente nos séculos XII e XIII as molduras começaram a ser produzidas com o aspecto e a função que conhecemos atualmente. Curiosamente, o processo de elaboração de uma obra de arte acontecia no sentido inverso de hoje. Primeiramente era construída a moldura, em peça única e finamente acabada, e só então, numa área reservada em seu centro era reservado um espaço para se confeccionar a pintura. Era um processo caro, que inibia a confecção de obras em grandes proporções, pois era quase impossível encontrar tábuas com grandes dimensões que pudessem ser esculpidas. Quando finalmente tiveram a ideia de produzir tiras de madeira cortadas em esquadrias e que passaram a ser colocadas nas laterais dos painéis pintados, que eram geralmente feitos em madeira.

LUCA SIGNORELLI (1445 a 1523) - Madona e criança - Óleo sobre madeira

Até os séculos XIV e XV, a maioria dos trabalhos em pinturas eram encomendas feitas pela Igreja, sem dúvida o grande mecenas da arte naqueles tempos. Os retábulos eram essas principais encomendas e quase sempre eram peças fixas, que não abandonariam seus locais de instalação inicial. Seus adornos, ou molduras, compunham assim um conjunto com a arquitetura do templo onde eram instalados. Com o Renascimento houve uma significativa mudança nesse cenário. Nobres ricos começaram a dividir o mecenato com a igreja e cada vez mais colecionavam pinturas e esculturas em suas propriedades. Precisavam, porém, transportar essas obras quando bem entendessem e para onde quisessem. Com a necessidade de uma armação portátil e móvel, as pinturas passaram a ter molduras cada vez mais elaboradas, tanto no sentido funcional de proteção quanto no sentido estético.


ANTOINE BOUVARD - Tarde em Veneza
Óleo sobre tela - 51 x 66

EDMOND LOUIS DUPAIN - Um passeio romântico - Óleo sobre tela - 60,96 x 45,72

JEAN-ETIENNE LIOTARD - Prince Charles Edward Stuart
Óleo - Oval de 5 cm

Foi com Francisco I, monarca renascentista francês, que aconteceu o ápice de uma produção organizada de molduras. Nesse período, as molduras já não eram mais produzidas pelo artista, como acontecia anteriormente. Havia agora um moldureiro, exclusivamente treinado para isso e que passou a ter uma importante função nas etapas finais de qualquer decoração. A coisa se organizava a tal ponto que, mesmo naquele período, já eram lançados livros com dicas de decoração de interiores, ricamente ilustrados a mão. Praticamente um século depois, já no reinado de Luís XIII, o requinte tornou-se o centro da atenção em qualquer decoração palaciana. Novos perfis de moldura foram criados e também foram introduzidos neles arabescos dos mais diversos possíveis, fato que levou ao processo natural da concepção barroca de molduras. Praticamente toda a Europa se viu influenciada por essa nova corrente de produção. No reinado de Luís XIV, isso tomaria proporções inimagináveis anteriormente. Madeira e gesso eram usados indiscriminadamente na confecção de perfis cada vez mais rebuscados. O Barroco estava em seu apogeu e abria terreno para os excessos do Rococó.


LOUIS MECLENBURG - Ponte de Rialto a noite
Óleo sobre tela - 49 x 67 - 1864

CHILDE HASSAM - Uma estrada no campo
Pastel sobre papel - 44,8 x 54 - 1891

JAN TOOROP - Duas mulheres
Lápis, crayons coloridos e aquarela sobre papel em moldura
desenhada pelo próprio artista - 24,5 x 37,5 - 1893

Como que se revoltando contra o excesso de toda essa decoração opulenta, o final do século XVIII via a criação de perfis de molduras mais leves e finos, com influências orientais, que incluíam até mesmo o uso de bambu. Os estilos edwardianos e vitorianos trariam novas influências ao design de molduras, até que mais tarde, já nos anos impressionistas do século XIX, a moldura passou a ser uma continuação da pintura. Peças mais planas, chanfradas simplesmente, cuja característica principal era o uso puro da madeira, sem muitos acabamentos, passaram a ser o que mais dominava o design das molduras naqueles tempos.


CLAUDIO DA FIRENZE - Marina di Campo
Óleo sobre madeira

VINÍCIUS SILVA - Tarde no cerrado - Óleo sobre tela - 30 x 50 - 2010

O século XX iria presenciar o nascimento maciço de um grande número de estilos de trabalhos, que não incluíam apenas pinturas, mas também gravuras, desenhos e até mesmo a fotografia. Uma infinidade de coisas precisava ser enquadrada e para tanta novidade visual novos perfis de molduras e novas formas de montá-los foram sendo criados. A criação da moldura e da obra voltou inclusive a ser feita novamente pelo artista. Já no final do século XX, a arte contemporânea traria liberdade irrestrita para isso. Um número cada vez mais crescente de materiais reciclados e alternativos foi sendo manipulado e desenvolvido. Até que a exclusão completa das molduras chegou com a nova onda de produzir trabalhos somente em painéis, cujas laterais também recebem pintura, seja com a continuação da temática do plano principal ou apenas com uma pintura uniforme de acabamento.


Um oficina de molduras em 1900. Anônimo.

Produção artesanal de molduras, feita pelo artista João Carvalho.



E aqui estamos nós, num tempo onde convivemos com tudo isso. Materiais antigos e atuais disputando espaços semelhantes. Temos diante de nós o tradicionalismo dos antigos estilos e a inovação das modas recentes. Cabe-nos conviver com todos eles e respeitar seus locais ideais de utilidade. Uma coisa é certa, as molduras sempre farão parte da história da arte.


Recentemente, o artista mineiro e moldureiro Francelino Rodrigues criou uma linha de
molduras homenageando artistas dessa geração. Fui homenageado com um dos
modelos ilustrados acima.
Encomendas a ele podem ser feitas pelo contato (19) 9243-0544 ou pela página

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

UM ENCONTRO EM BAIXA VERDE

JOSÉ ROSÁRIO - Pracinha em Baixa Verde - Óleo sobre tela - 60 x 130 - 2006

Baixa Verde é um distrito do município de Dionísio, localizado a cerca de 18 km da sede. Um povoado pequeno, com não mais de 3 mil habitantes, que tem, como todas as localidades do Brasil, jovens e crianças em plena formação. A convite do Prof. Onier, morador daquela localidade, estive por lá nessa quarta-feira, dia 24 de setembro, para levar até eles um pouco daquilo que venho somando pelo caminho. Os alunos tiveram também a oportunidade de exibir alguns objetos de artesanato que já realizam nas aulas de Educação Artística e fizeram também a apresentação de números musicais. Oxalá se inicie uma parceria com a Escola Estadual Jacy Francisca Garcia, para formar um grupo de iniciantes em desenho e pintura por lá.


É um processo lento, mas que já se impulsiona com o que há de melhor nessa fase de qualquer iniciativa: a curiosidade. Esse primeiro contato visava exatamente isso, despertar neles o interesse pelas artes, num local onde raramente terão acesso a isso. Quantos dons e habilidades não são reprimidos nesses distantes locais de todo esse país?!

Fico na torcida para que a ideia dê bons frutos!






domingo, 21 de setembro de 2014

SERGE MARSHENNIKOV

SERGE MARSHENNIKOV - O sol através de uma fina cortina - Óleo sobre tela - 55 x 91 - 2010

“Lá fora os carros fazem
noturna sinfonia
pela veneziana
a luz invade a cama
em listas no teu corpo...”

Os versos são um trecho da música Traços de Amor, de Guilherme Arantes, lançada nos distantes anos de 1986. São de um período onde música e poesia andavam de mãos dadas e hoje nos fazem pensar para que mundo caminhamos com as gravações atuais... Ao ver os trabalhos de Marshennikov não tive como não lembrar deles. Sua obra é assim: o casamento perfeito da poesia com a pintura!
Tais como as músicas que já não são feitas mais, mas que ainda perduram na lembrança, os trabalhos de Marshennikov ainda representam um universo da arte que parecia perdido, mas que sobrevivem para nos provar que bom gosto e poesia nunca sairão de moda.

SERGE MARSHENNIKOV - Tentativa de despertar
Óleo sobre tela - 91,44 x 60,96 - 2009

O nu feminino e todas as suas curvas já foram explorados até a exaustão ao longo de toda a história da arte, mas em raros momentos encontrou tão bem com a poesia, como nas obras desse artista russo, nascido em 1971, na cidade de Ufa. E é tão bom quando um artista encontra um tema certo que possa explorar com domínio e satisfação... O resultado é que sempre irá nos soar como algo natural, bom de se ver e do qual a crítica nunca encontrará reservas.


SERGE MARSHENNIKOV - Primavera
Óleo sobre tela - 65 x 50 - 2013

SERGE MARSHENNIKOV - Repouso - Óleo sobre tela - 48 x 45,7 - 2013

O pequeno Serge foi criado em família tradicionalmente comum, com pai engenheiro eletricista e mãe professora de uma pré-escola. A arte sempre foi uma aliada sua em todas as circunstâncias. Desenhava e pintava em todos os momentos que podia e também esculpia com tudo aquilo que lhe viesse à mão. Os dotes foram bem aproveitados pela mãe, que logo o incentivou pelo caminho da arte, permitindo seu acesso a professores particulares e estúdios de arte. Vários prêmios em aquarelas e pastéis, já conquistados logo no início desses períodos de estudo levaram-no a se embrenhar naturalmente pelo caminho profissional da arte.


SERGE MARSHENNIKOV - Rosas azuis - Óleo sobre tela - 65 x 120 - 2012

Soube aproveitar muito bem todas as novas oportunidades que lhe batiam à porta. Logo que concluiu os estudos nas escolas de sua cidade, conseguiu uma graduação numa das mais talentosas academias de arte do mundo, a Academia de Belas Artes Repin, em São Petersburgo. Sua pós-graduação se deu exatamente com um dos mais respeitados nomes daquela instituição, o Professor Milnikov. Com o sucesso da primeira individual de 1995, os caminhos se abriram para outras oportunidades e lá estava novamente ele, aproveitando mais esse bom momento que lhe era oferecido. A Universidade Brownwood, no Texas e a Hardin-Simmons University, em Abilene, lhe abriram as portas para que mostrasse seus trabalhos nos verões que se seguiram. O artista, que sempre disse influenciado por Andrew Wyeth e Lucian Freud, também se diz bastante atraído pelos trabalhos contemporâneos de Jeremy Lipking.


SERGE MARSHENNIKOV - Sonho - Óleo sobre tela - 50 x 70

Os prêmios vieram como consequência natural de tudo isso e não tardou para que colecionadores de todo o mundo disputassem seus trabalhos logo em seguida. A Christie's e a Bonhams, grandes e conceituadas casas de leilões, logo começaram a comercializar os seus trabalhos. Há uma grande procura atual por suas obras, que continuam seguindo fiéis à sua proposta realista e poética, explorando a temática feminina como poucos fizeram até hoje.

Tal como uma boa música, que ressuscita boas lembranças de outras épocas, suas obras deixarão a certeza de que os nossos dias também nunca serão esquecidos por bons motivos.



PARA SABER MAIS:



sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A MORTE E SUA INEVITÁVEL INTIMIDADE CONOSCO

MARCELINO RIBEIRO
(1968-2014)

A morte do artista Marcelino Ribeiro, nessa semana, trouxe a necessidade de falar algo sobre o tema. A partida em definitivo de alguém, mesmo que não seja do nosso círculo diário de contato, choca principalmente porque nos expõe a fragilidade do estarmos vivos e sempre nos ressuscita valores perdidos e momentos de reflexão. Tem sido uma temporada onde presenciei ou tomei conhecimento do partir de várias pessoas, de minha cidade ou mesmo distantes. Quando a proximidade da morte é percebida com mais intensidade e de algum modo isso mexe conosco, é porque algo em nosso interior ganhou novas proporções e falar sobre isso precisa ser natural, como são naturais todas as outras coisas da vida. E se consigo sensibilizar outras pessoas com aquilo que se tornou sensível em mim, é sinal que socializo experiências e que tais oportunidades podem nos conduzir por caminhos comuns.
Conheci o artista Marcelino há cerca de 3 anos, por ocasião da primeira exposição Olhares Diversos. Já ouvira sobre ele anteriormente e sobre seu envolvimento com a arte, principalmente sobre o grande número de alunos que tinha na região (desde muito tempo) e da facilidade com que tinha em arrebanhar esses alunos para experimentos mais contemporâneos na pintura, criando uma marca registrada em seus trabalhos: transparências e efeitos tridimensionais, mesclando arte figurativa e abstrata. Tinha mesmo o espírito inquieto do artista dos novos tempos, parecia que a vida ia lhe escapar a qualquer momento e tudo que fazia era sempre muito rápido, como se a pressa fosse uma companhia insuportavelmente necessária. Ele riu muito quando comentei isso com ele uma vez, e chegou mesmo a afirmar que tinha planos para mudar, que gostaria de se dedicar a uma arte mais tranquila e que lhe trouxesse novos desafios e conquistas. Não o via desde o final do ano passado e sinto que não tenha conseguido realizar esses seus novos desejos.
Temos o péssimo hábito de achar que a morte só pode ser compreendida e tolerada quando o falecido está de avançada idade ou acometido de uma doença aparentemente intolerável e que esta venha lhe trazer sofrimentos aos dias de vida. Como disse Rubem Alves, só “há uma morte feliz, é aquela que acontece no tempo certo”. E não nos parece certo, por exemplo, ver uma criança que mal chegou ao mundo ser retirada deste, por um acidente ou alguma tragédia parecida. Assim como não parece certo ver um jovem cheio de planos, partir sem poder realiza-los. Mas, há realmente um momento certo para morrer? Nem preciso ter espírito religioso para responder tal questão. Prefiro acreditar que há um momento certo para viver e que a incompreensão da morte só se dá pelo fato de que ainda não soubemos aproveitar cada um desses momentos. Gosto muito da maneira simples que Abrão Lacerda escreveu em um de seus textos: “...o Buda ensina que o tempo hábil é este, aqui e agora, onde você está. Porque o passado, assim como o futuro, reúne-se no tempo presente se você despertar para a grandeza que reside em seu interior, tal qual uma joia costurada em um manto, que pode passar a vida inteira sem ser percebida.” Se compreendemos realmente a grandiosidade disso citado anteriormente, a morte, em qualquer momento que ela ocorra, não será vista como algo penoso ou como uma fatalidade insuportável. E, me perdoem, mas preciso novamente citar Rubem Alves que mais uma vez resumiu tudo isso: “Valeu a pena eu ter vivido toda a minha vida só para ter vivido esse momento”. Não tenho a menor dúvida que quando tomo conhecimento dessa verdade e ela faz parte de minha essência, tudo ganha um novo sentido.

JACQUES-LOUIS DAVID - A morte de Sócrates - Óleo sobre tela - 129,5 x 196,2
Museu Metropolitano de Na York
Sócrates foi condenado e sentenciado à morte pela acusação de corromper a juventude com as suas ideias filosóficas e libertárias. Ele podia até recorrer de sua sentença, mas preferiu acatar a decisão da corte de jurados, pois tinha princípios e era fiel ao estado. Mas, a sua maior convicção é que encerrava ali apenas a sua vida física, tudo aquilo que despertara nas mentes de todos aqueles que o ouviram encontraria uma vida muito mais duradoura. Tudo que ele pregou e mencionou é lembrado até hoje.

Alguns antigos povos do interior do México já aprenderam há muito tempo essa lição. Quando um parente morre, fazem 3 dias de festas até que o corpo seja sepultado. Não estão fazendo com isso uma apologia à morte, mas principalmente agradecendo por todos os minutos que tiveram na companhia daquele ente que se vai. Se há confraternização em vida e todos os momentos alegres foram compartilhados com intensidade, não há porque se entristecer com a partida. Despedir de alguém com festa é a melhor saudação que podemos lhe dar. Nada é eterno, tudo acaba um dia. E, citando pela última vez Rubem Alves: “Eternidade não é o tempo sem fim, é o tempo completo. Esse tempo do qual a gente diz: valeu a pena!”

Saudações ao amigo Marcelino e obrigado pelos breves convívios que pude partilhar de sua presença. Você tinha o que para mim é o mais nobre de todos os sentimentos: “alegrar-se com a felicidade dos outros”.

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domingo, 14 de setembro de 2014

POR DENTRO DE UMA OBRA: Clark Hulings

CLARK HULINGS - Grand Canyon - Óleo sobre tela - 73,66 x 106,68

O que promove o desenvolvimento em qualquer profissão são os desafios que a pessoa encontra ao longo de sua carreira, e os acolhe como algo necessário para sua natural evolução. Muitos artistas, ao longo da história da arte, enfrentaram certos desafios que posteriormente os tornaram aclamados perante a humanidade e que certamente os deixaram melhores como pessoas e como profissionais. Um dos exemplos mais conhecidos é o de Michelangelo; escultor como profissão; mas desafiado pelo papa para pintar o teto da Capela Cistina e o grande mural do Juízo Final, obras que lhe renderam tanta fama e reputação quanto as célebres esculturas que produziu ao longo de sua vida.

CLARK HULINGS - Grand Canyon - Detalhe 1

CLARK HULINGS - Grand Canyon - Detalhe 2

Clark Hulings; artista norte-americano; também recebeu uma incumbência em sua carreira, que trouxe para sua produção um grande e prazeroso desafio. Em 1967, o Departamento do Interior dos Estados Unidos, juntamente com a Society of Illustrators, criaram um projeto onde seriam feitas pinturas de todos os parques nacionais, por artistas daquela época. Coube exatamente para Clark Hulings o desafio de pintar o Grand Canyon, que segundo o próprio artista, foi um dos momentos mais importantes de sua carreira. Evidentemente que o artista já conhecia muitos trabalhos sobre o Grand Canyon, produzidos por várias gerações de artistas antecessoras a ele. Mas, ele tinha algo inédito em mente. E quando se quer inovar, os desafios crescem em dimensão.

CLARK HULINGS - Grand Canyon - Detalhe 3

CLARK HULINGS - Grand Canyon - Detalhe 4

Clark Hulings tinha em mente uma visão que até então não tivesse sido experimentada por nenhum artista, com pontos de vista extraídos de lugares inimagináveis, em tomadas aéreas inusitadas, que pegassem pessoas e animais fazendo o trajeto nas perigosas trilhas que cortam o desfiladeiro. Chegou até a conseguir permissão do governo dos Estados Unidos, para usar um helicóptero para conseguir tais vistas, coisa que é terminantemente proibida em condições normais. Isso não se mostrou muito eficiente e nem inteligente, porque todas as vezes que ele se posicionava nos ângulos aéreos que havia escolhido, os animais assustavam e o trabalho tornava arriscado tanto para eles quanto para quem os guiava. Também tinha em mente fazer composições noturnas do lugar, extraindo pormenores em plein air, mas novamente as dificuldades pareciam ser maiores que a intenção. A noite é completamente negra no fundo do desfiladeiro e as poucas ocasiões com a iluminação da lua não lhe permitiriam cobrir todas as pesquisas desejadas dentro do prazo a que se propusera.

CLARK HULINGS - Grand Canyon, emoldurado.

De volta ao começo, fez o que muitos artistas antes dele também fizeram, passou vários dias explorando os vales de ponta a ponta, fotografando e desenhando tudo aquilo que considerava importante para o seu projeto. Os resultados são as obras que não cansam de ser admiradas por qualquer pessoa que lhes empreste um momento de atenção. Fatos e histórias que fazem da arte esse maravilhoso caminho que seduz artistas ou simples admiradores, e que confirmam que os desafios promovem definitivamente toda a humanidade.

MAIS ALGUNS TRABALHOS SOBRE O GRAND CANYON,
PRODUZIDOS NA OCASIÃO:

CLARK HULINGS - Uma trilha em pleno inverno - Óleo sobre tela

CLARK HULINGS - Grand Canyon - Óleo sobre tela - 55,88 x 111,76 - 1970

CLARK HULINGS - Grand Canyon - Óleo sobre tela - 78,74 x 119,88 - 1968

CLARK HULINGS - Trilha Kaibab no inverno - Óleo sobre tela

CLARK HULINGS - Trilha Kaibab, detalhe

VEJA TAMBÉM:




terça-feira, 9 de setembro de 2014

HANS FREDRIK GUDE

HANS FREDRIK GUDE - Procissão de noiva em Hardangerfjord
Óleo sobre tela - 93 x 130 - 1848

HANS FREDRIK GUDE - Lago com cisnes
Óleo sobre tela - 39 x 55,5

Definir uma pintura romântica não é uma tarefa muito fácil, principalmente quando se trata do tema paisagem. Embora o Romantismo tenha sido concebido como um estilo opositor ao Neoclassicismo e Academicismo, ele usou muitas características desses dois para se criar, por isso, definir uma fronteira exata entre os três estilos requer muitos cuidados. Vários artistas do século XVIII e século XIX se utilizaram do Romantismo em suas composições e muitos deles faziam algo que, por vezes, abraçava referências dos três estilos simultaneamente. Para não correr risco, seguem algumas distinções bem peculiares do Romantismo na paisagem: ênfase à cor; desenho menos exato e linear, privilegiando manchas e pinceladas mais soltas; composições mais movimentadas e com luzes mais contrastantes; e há sempre um impacto desejado na composição, realçando a sensação de grandiosidade, grandes vales e amplos horizontes.

HANS FREDRIK GUDE - Entrando no fiorde - Óleo sobre tela - 77 x 111 - 1857

HANS FREDRIK GUDE - Luar em Kroderen
Óleo sobre tela - 115 x 159 - 1851

Conhecedor de todos esses atributos do estilo, Hans Fredrik Gude tornou-se um dos mais respeitados paisagistas noruegueses, definido por muitos como um dos pilares do Romantismo Nacional da Noruega. Não é de se admirar que a sua escolha estilística tenha se direcionado para isso, a Noruega possui uma das mais belas paisagens do planeta, com belas montanhas, lagos, altas cachoeiras e cascatas, fiordes, e regiões costeiras únicas. O caráter romântico de composição já era demonstrado em seus primeiros trabalhos, onde sempre explorou paisagens do interior do país e litorâneas. Embora fosse um exímio paisagista, Hans Gude não se sentia muito à vontade no desenho da figura humana, fato que o levou a evitar as famosas cenas históricas, tão em moda na época de seus estudos.

HANS FREDRIK GUDE - Analkande oväder - Óleo sobre tela - 30 x 46 - 1871

HANS FREDRIK GUDE - Moças ao sol
Óleo sobre tela - 33 x 44 - 1883

Filho de Ove Gude e Marie Elisabeth Brandt, Gude nasceu em Christiania, em 1825. Iniciou seus estudos na própria Noruega, mas em 1841, tentou entrar na Academia de Arte de Düsseldorf, sendo rejeitado nos exames de admissão. Antes que retornasse à sua terra, um artista importante daquela escola resolveu dar uma chance ao jovem artista e resolveu lecionar aulas particulares para ele. Tratava-se de ninguém menos que Andreas Achenbach. A ajuda foi compensadora, pois no ano seguinte ele seria admitido na escola, na classe de paisagens, um segmento novo no ensino daquela época. E também de Achenbach veio a herança de uma pintura romântica.


HANS FREDRIK GUDE - Pescadores - Óleo sobre tela - 74 x 113 - 1880

HANS FREDRIK GUDE - Pedras na praia
Óleo sobre tela - 1893

Hans Gude lecionaria arte por 45 anos, iniciando pela própria Academia de Arte de Düsseldorf, numa cadeira que antes lhe havia recusado e terminando por lecionar na Academia de Arte de Berlim. Influenciou e incentivou muitos estudantes que iam da Noruega para estudar na Alemanha, muitos deles acompanhavam o mestre onde quer que ele fosse. Era tão consciente da importância da temática regionalista da Noruega para os estudantes que vinham de lá, que chegou a afirmar aos seus conterrâneos, quando alguns deles recusaram a temática norueguesa em suas composições: “E vocês, meus compatriotas na Noruega, não têm motivos para reclamar que nós esquecemos o personagem querido, familiar e específico com que Deus dotou a nossa terra e nossa nação. Isso é tão firmemente enraizada em nosso ser que encontra a sua expressão, quer gostemos ou não”.


HANS FREDRIK GUDE - Próximo ao moinho - Óleo sobre tela - 34 x 47 - 1850

HANS FREDRIK GUDE - Montanhas norueguesas
Óleo sobre tela - 1856

Inicialmente, Gude trabalhava somente em estúdio. Mas, a prática em estudos ao ar livre logo se tornaram frequentes em sua rotina. Pintar em plein air tornou tão importante, que incentivava os seus alunos a fazerem o mesmo. Assim, a aquarela e o guache se tornaram técnicas com as quais ganhou grande intimidade. Mesmo que tais trabalhos não viessem a ter uma boa receptividade do público consumidor de suas obras, essas faziam grande sucesso entre os artistas de seu convívio.

HANS FREDRIK GUDE - Nas margens do Chiemsee - Óleo sobre tela - 69 x 106 - 1871

HANS FREDRIK GUDE - O molhe perto de Moss
Óleo sobre tela - 63 x 100 - 1898

O artista recebeu várias honrarias ao longo de sua carreira, vindo a ser condecorado em diversas academias de arte. Seu filho, Nils Gude, também viria a exercer a profissão de pintor.

Em 1903, o artista faleceria na cidade de Berlim.