quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

BELO HORIZONTE

GUSTAVO DALL'ARA - Casario em Curral del Rei - Óleo sobre madeira - 15,5 x 29 - 1893
Certamente uma das mais antigas pinturas de Belo Horizonte, do tempo em que ainda era conhecida pelo nome de Curral del Rei.

A última visita a Belo Horizonte despertou em mim dois sentimentos bem distintos: nostalgia e surpresa. Não há como não se surpreender com as muitas mudanças estruturais pelas quais está passando toda a cidade. Novas vias surgiram, antigas ruas desapareceram, praças e novas construções nascem num piscar de olhos. Sinal de que o progresso urge e pede passagem. Nostalgia por ir vendo, aos poucos, referências do passado se despedindo e ocupando um lugar apenas na memória. Gostava de almoçar em um restaurante que ficava em uma casa em estilo neoclássico, na esquina da Guajajaras com a Espírito Santo, e de lá apenas atravessar a rua e gastar horas na Livraria Van Damme, que há menos de uma década, era para mim um templo das publicações artísticas com o qual me deliciava. O antigo restaurante se transformou num estacionamento, comprovando aquela urgência que todo grande centro lateja: o espaço cada vez mais descente para se locomover. As comodidades da internet também afastaram grande parte do público que eu sempre via pela Van Damme. Como no romance O encontro marcado, do mineiro Fernando Sabino, carregamos em nós, personagens de um tempo que não existe mais, num mundo que muda muito rápido.

MAURO FERREIRA - Belo Horizonte, década de 30 - Óleo sobre tela - 46 x 75

GUIGNARD - Parque Municipal
Óleo sobre madeira - 29 x 39 - 1947


Belo Horizonte nasceu assim, com essa vontade de ter pressa. Foi criada, projetada e construída em apenas 5 anos, para substituir Ouro Preto, a antiga capital do estado, enclausurada entre muitas colinas e vales, inapta para as expansões que o século XX exigiria. A atual capital do estado de Minas Gerais; o segundo estado mais populoso do país; não teve "infância". Precisou já existir adulta e paga por isso um preço muito alto. Precisou também, desde sempre, não gostar de acostumar muito com seus cenários. Hoje, completando 116 anos, continua com sua veia “camaleão” e vai se reinventando. Não só de ponto de vista estético, mas também populacional. É certamente um dos centros que mais cresceu no país em tão pouco tempo, já ultrapassando a casa dos 2 milhões e 400 mil habitantes. Só para se ter uma ideia, nos seus primeiros 70 anos de existência, a cidade passou da casa de 1 milhão de habitantes, fato inédito na história do país.

MAURO FERREIRA - Afonso Pena, final dos anos 50 - Óleo sobre MDF - 40 x 60 - 2013

ROBERTO MELO - Parque Municipal - Óleo sobre tela

Não gosto muito de números, mas esses são dignos de serem lembrados, pois creio que sejam ignorados até por moradores da própria cidade: Belo Horizonte já foi indicada pela ONU como a metrópole de melhor qualidade de vida da América Latina e também como a 45ª melhor cidade do mundo entre as 100 melhores para se viver. Tem o quinto maior PIB de todos os municípios brasileiros, representando quase 1,4% de todas as riquezas produzidas no país. Também é a 10ª cidade do país ideal para se fazer negócios, despertando um lado novo de seu perfil, o turismo comercial. Pra ser sincero, gostaria que esses números todos atingissem melhor as baixas condições de vida encontradas nas periferias, à crescente desigualdade que não descansa e distancia cada vez mais ricos e pobres, aos muitos desabrigados alojados em cantos ermos e ao cada vez mais crescente número de usuários de drogas e pedintes que perambulam por toda a cidade.

GUIGNARD - Serra do Curral - Óleo sobre madeira - 26 x 55 - 1948

A Serra do Curral, que é sua moldura natural mais importante, também já viu muita história acontecer por lá. Como a quase extinção dos índios do grupo linguístico macro-jê, dizimados pelos bandeirantes que chegavam de São Paulo. Também viu erguer o povoado que deu origem ao nome de Curral Del Rei, onde o gado e as fazendas movidas por escravos expandiam o lugar. Ainda em 1750, foi criado o distrito de Nossa Senhora da Boa Viagem do Curral e aquela comunidade ficaria assim, com essa vocação agropecuária até que a história tomasse novos rumos. Foi só nas últimas décadas do século XIX, quando o ouro já havia se tornado raridade e Ouro Preto já não apresentava viabilidade de continuar como capital do estado, Belo Horizonte foi enfim colocada em cena. Sua ótima posição geográfica e excelente condição topográfica pesaram na escolha para se tornar o centro mais importante do estado, numa disputa que incluía concorrentes como Juiz de Fora, Barbacena, Paraúna e Várzea do Marçal.

JOSÉ ROSÁRIO - Domingo no Parque Municipal - Óleo sobre tela - 50 x 70

JOSÉ ROSÁRIO - Parque Municipal
Óleo sobre tela - 73 x 105

Aarão Reis foi o engenheiro que tornou realidade o projeto da cidade de Belo Horizonte. Há uma controvérsia em afirmar que seja a primeira cidade brasileira planejada, pois Teresina e Aracaju também reclamam essa condição. Inspirado nos centros europeus, Aarão concebeu uma cidade funcional, cujos elementos chaves de seu traçado incluem uma malha perpendicular de ruas cortadas por avenidas em diagonal. Também possui quarteirões de dimensões regulares e uma eficiente avenida em torno de seu perímetro central, a Avenida do Contorno. Mas, assim como em Paris, onde tudo converge para o Arco do Triunfo, também em Belo Horizonte, uma concentração maciça de ruas e avenidas se encaminham para a Praça Sete, transformando o trânsito da cidade numa das maiores dores de cabeça até para o mais experiente Engenheiro de tráfego. Belo Horizonte não conteve seu crescimento como desejado no momento de sua criação. Foi se multiplicando desordenadamente e se transformando num dos maiores problemas do início do regime republicano.

MAURO FERREIRA - Automóvel Clube- Óleo sobre tela - 40 x 60 - 2013

JOÃO BOSCO CAMPOS - Descarregando para a feira
Óleo sobre tela

Gosto de pensar na cidade sem seus muitos problemas e mais em seus louváveis atributos, como sendo o local onde já se concentrou a mais seleta leva de escritores de seu tempo, tais como Carlos Drumond de Andrade, Ciro dos Anjos, Pedro Nava, Alberto Campos, Emílio Moura, João Alphonsus, Milton Campos, Belmiro Braga e tantos outros. É também o lugar que se tornou palco para as muitas obras encomendadas por Juscelino Kubitschek, e deu vazão ao gênio criativo de Oscar Niemeyer, Portinari, Alfredo Ceschiatti e Roberto Burle Marx. Como a casa de grupos teatrais como Corpo e Galpão e o local onde viu movimentos importantes como o Clube da Esquina, os tempos de ouro da MPB e também o local de nascimento do rock mais pesado do país. É também o lar que abriga os times esportivos que inflamam com alegria os corações de seus torcedores. Que não me deixem de mencionar Guignard e toda sua escola modernista, e o saudoso Edgar Walter e toda sua legião de paisagistas que fizeram sede em Belo Horizonte.

ALVARO APOCALYPSE - Favela - Pastel - 47 x 35

LORENZATO - Subúrbios em BH
Óleo sobre tela - 50 x 40 - 1974


A cidade se renova, parece viver uma década a cada ano. Avança rumo ao futuro e vai se adaptando a ele, mais que seus próprios moradores, saudosistas demais com tudo o que lhes escapa tão rápido pelas mãos. Uma capital “matuta” que aprendeu rápido os caminhos do progresso e da civilização. Nunca é demais lembrar que com a constante mania de ser grande, crescem também os problemas e os desafios. Que o futuro incerto, escondido na euforia de seus galopes, não ameace a beleza de seus horizontes. Voltarei a ela muitas vezes, e mesmo as mais gratas surpresas nunca irão me tirar a nostalgia de belos tempos.

INIMÁ DE PAULA - Praça da Liberdade - Serigrafia - 70 x 100 - 1994

JÉSUS RAMOS - Av. Antonio Carlos. Obras em 2009 - Óleo sobre tela -  54 x 65

12 comentários:

  1. Belo Horizante merece toda essa homenagem dos grandes artistas.

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  2. Parabéns! pelo simples gesto de beleza, pela bela estrutura, arte, palavras e Minas...
    muito mais que um simples adjetivo... é bela na essência, na carne de um cotidiano alegre...
    Por tudo e um pouquinho mais... parabéns!
    Valeu meu amigo, um abraço!

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    1. Sou meio suspeito para falar de Minas, Vidal, pois é minha casa. Mas, acho tudo por aqui muito fantástico.
      Um abraço, meu amigo!

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  3. Sem dúvidas quero conhecer Belo Horizonte e vários dos sucessores do gênio Edgar Walter, porque mesmo sem conhecer o seu texto chegou a me emocionar....
    Bela matéria José e belas obras usou para ilustrar.
    Abraço

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    1. Que seja sempre bem vindo, Yure. Será muito recebido por aqui.
      Grande abraço!

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  4. Minas é demais...adoro todas as coisas mineiras.

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  5. Minas è demais............. por isso por isso temos grandes artistas como Jose Rosario!

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    1. Mariazinha, obrigado pelas suas considerações. Tenho que concordar com você. Minas é mesmo demais!
      Um grande abraço!

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  6. Belo artigo e belas telas, José Rosário.
    Fui a exposição no centro cultural padre eustáquio e só lamentei não encontrar você e uma de suas telas do parque municipal por lá.

    Um abraço
    Thiago.

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    1. Haverá uma nova oportunidade, Thiago, com certeza.
      Muito obrigado por passar aqui. Grande abraço!

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    2. Um belo post. Já passei temporada em sua cidade.Amei!!!Vivi muitos momentos bons aí.
      Seu trabalho é muito bonito!Algo nobre e belo demais!
      Sempre gostei de arte. Cheguei aqui por meio do blog do Reginaldo Artes, que é outro artista iluminado! O seu link no blog dele chamou-me a atenção pela cidade!Conhecendo o seu espaço, deslumbrei-me com tantas belezas e luxúria.Abraços amigo e boa sorte.

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    3. Fico feliz, Maria Adeladia, que tenha gostado de passar por aqui.
      Seja sempre bem vinda.
      Grande abraço!

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