domingo, 4 de setembro de 2016

WILLIAM BOUGUEREAU - Parte 1

WILLIAM BOUGUEREAU - As laranjas (detalhe)

WILLIAM BOUGUEREAU - As laranjas - Óleo sobre tela - 117 x 90 - 1865

Há uma vasta literatura sobre William Bouguereau, tanto impressa quanto virtual. Um dos mais competentes artistas de todos os tempos, também é um dos mais polêmicos; que tem um número cada vez maior de admiradores e seguidores e que no passado também foi um dos artistas mais injustiçados da história. Esquecido após sua morte, por causa da crítica impiedosa e implacável de seus opositores, William Bouguereau ficou quase sete décadas no anonimato, vindo a ressurgir com toda força na década de 70 do século passado. Confirmando aquela máxima de que “ninguém morre, enquanto for lembrado”, Bouguereau voltou a cena artística da maneira mais honrosa possível: respeitado pela nova corrente realista acadêmica de todo o mundo, que viu nele a referência máxima do ideal artístico, especialmente a nível técnico.

WILLIAM BOUGUEREAU - A abdução de Psiqué
Óleo sobre tela - 209 x 120 - 1895

WILLIAM BOUGUEREAU - A juventude de Baco - Óleo sobre tela - 331 x 610 - 1884

Bouguereau teve o privilégio de viver num período onde o academicismo estava em alta e acabou se tornando um dos maiores defensores dessa corrente de ensino. Essa, aliás, talvez tenha sido também a causa maior da perseguição que teve por parte dos modernistas que emergiam no final do século XIX. Também o fato de ter agradado a grande classe colecionista e aristocrática de seu tempo, possa ter feito dele um alvo de inveja por parte de artistas e críticos. Muitos jornais e periódicos do início do século XX chegaram a classificar Bouguereau como o modelo do artista que deve ser evitado, por fazer um trabalho vazio e artificial. Isso se tornou uma cruz pesada no final de sua vida, mas nunca abalou os propósitos de sua arte. Bouguereau sabia nitidamente aquilo que queria fazer e o fez até os seus últimos dias. Mesmo nos tempos atuais, há um público muito dividido com relação aos seus trabalhos.

WILLIAM BOUGUEREAU
Cupido e Psiqué como crianças
Óleo sobre tela - 200 x 116 - 1889

WILLIAM BOUGUEREAU - Lamour piqué
Óleo sobre tela - 116,5 x 62,5 - 1894

William-Adolphe Bouguereau nasceu na cidade (comuna) francesa de La Rochelle, a 30 de novembro de 1825, filho do casal Théodore Bouguereau e Marguérite Bronnin. Comerciantes, mudaram para Saint-Martin, quando William Bouguereau tinha apenas 7 anos, para começarem uma nova vida nos negócios. Mas não vieram para a cidade num período muito próspero e acabaram atravessando um momento muito difícil. As coisas se agravaram a tal ponto, que William foi encaminhado para viver com o tio Eugène Bouguereau, um membro de melhores posses na família. A sorte não podia ter sorrido de maneira melhor para o pequeno artista. Eugène tinha uma rica cultura, alicerçada principalmente nas referências clássicas, na literatura francesa e no ensino religioso. O mesmo tio que possibilitava e exigia do sobrinho aprender latim, também era o mesmo que cobrava rigores em aprendizados como caça, equitação e gosto por temas ecológicos.

WILLIAM BOUGUEREAU - Contemplando a criança - Óleo sobre tela - 76,2 x 95,2 - 1871

WILLIAM BOUGUEREAU - Distração - Óleo sobre tela - 61 x 50,2 - 1868

Localizada na região administrativa de Poitou-Charentes, Pons é uma cidade (comuna) francesa localizada no departamento de Charente-Maritime. Naquela época, possuía uma escola de referência em todo o país, e é para onde William foi enviado pelo dedicado tio, no ano de 1839. Numa instituição religiosa austera, a intenção do tio era que o sobrinho aprofundasse ainda com mais critério nos conhecimentos clássicos. Ali, William aprendeu praticamente de tudo disponível até aquele momento sobre o mundo antigo, desde a Mitologia Grega à história de todos os continentes, passando pelos mais renomados poetas da antiguidade, como Ovídio e Virgílio. Simultaneamente, fazia aulas de desenho com Louis Sage, um antigo aluno do neoclassicista Ingres.


WILLIAM BOUGUEREAU - Convoitise
Óleo sobre tela - 65,4 x 44,1

WILLIAM BOUGUEREAU - Adormecendo - Óleo sobre tela - 61,6 x 51,4

A família de William Bouguereau recuperou-se do mau momento financeiro e o filho voltou a morar com o casal em 1841. Eles foram inclusive, tentar novos negócios em Bordeaux. Mesmo que dedicasse bastante para seguir o ramo do pai, os desenhos que William fazia em seus intervalos atraíam imensamente a atenção dos clientes da família. Foi pela insistência desses, que o pai de William o matriculou na Escola Municipal de Desenho e Pintura, sob os cuidados de Jean-Paul Alaux. Os avanços foram tão rápidos, que já em 1844, o iniciante artista recebe seu primeiro Prêmio em Pintura. Na procura por ajudar os negócios da família, William ainda elaborava rótulos para produtos alimentícios.

WILLIAM BOUGUEREAU - Ninfas e sátiro
Óleo sobre tela - 260 x 180 - 1873

WILLIAM BOUGUEREAU - Le livre d'heures
Óleo sobre tela - 66 x 53,3 - 1867

Em 1846, acontece um passo decisivo na carreira de William. Por uma recomendação de seu mestre Alaux e mediante as economias feitas com a produção de retratos na cidade onde morava, ele é admitido na Escola de Belas Artes de Paris, instituição que se tornaria um marco em sua vida. Foi com François-Édouard Picot que William se aperfeiçoou no método acadêmico e nunca desvencilharia dele. A dedicação e o envolvimento era tão intenso, que o jovem aluno chegava a pintar e desenhar por cerca de vinte horas por dia e mal se alimentava. Não bastassem os ensinamentos próprios de seus estudos, assistia a dissecações de cadáveres para se aprimorar no desenho anatômico e também fazia Arqueologia e História. O resultado já se fazia evidente em seus trabalhos, que mesmo em início de carreira, já se mostravam completamente bem acabados e resolvidos. Um fato inédito aconteceu nessa época, quando ele, iniciante em salões, dividiu o primeiro prêmio com Gustave Boulanger, o Prêmio de Roma, nome dado ao prêmio máximo entregue pelo Salão de Paris e o mais cobiçado daquela época. Uma espécie de oscar da pintura naqueles tempos. Dois anos depois, ele venceria o prêmio mais uma vez. Os caminhos já estavam mais que solidificados para o artista.

WILLIAM BOUGUEREAU - Blessures d'amour
Óleo sobre tela - 191,8 x 114,3 - 1897

WILLIAM BOUGUEREAU - Depois do banho
Óleo sobre tela - 178 x 88,5 - 1875

Mas, William Bouguereau sentia uma vontade de aprendizado que não cessava. Ele monta um estúdio na Villa Medici, em Roma, e mais uma vez se põe a estudar e aprender. Agora, com os mestres do renascimento italiano. Ele teve orientações de Victor Scnetz e Jean Alaux nessa sua nova fase. Rafael tornou-se a referência mais admirada por Bouguereau. Ele não só gostava de tudo que ele havia produzido, como o achava um dos mais originais artistas do renascimento italiano. Giotto foi outro artista italiano que muito inspirou Bouguereau, chegando a reproduzir todos os seus afrescos contidos na Basílica de Assis. Muitos artistas já consagrados elogiavam e referenciavam Bouguereau e suas obras. Ele já era agora um artista de respeito e bastante procurado.

WILLIAM BOUGUEREAU - A lição
Óleo sobre tela - 116,8 x 80,6 - 1895

WILLIAM BOUGUEREAU - Admiração maternal
Óleo sobre tela - 116,8 x 90,8

Com a vida profissional em avanço contínuo, Bouguereau casa-se com Marie-Nelly Monchablon, no ano de 1856. Eles teriam cinco filhos e Bouguereau perderia quatro deles, ao longo de sua vida. Começava ali uma de suas décadas mais promissoras, com obras que praticamente o consagrariam com uma das maiores revelações de sua época. Pintou retratos para o imperador e sua família, decorou espaços públicos e produziu vários trabalhos no estúdio. Se até então, seus trabalhos eram evidenciados pela produção histórica e religiosa, a década de 1860 viria nascer um Bouguereau diferenciado, que atendia ao gosto do público requintado e culto de Paris. Sua paleta ganha novas cores e o nível técnico de seu trabalho atinge o ápice.

WILLIAM BOUGUEREAU - Homero e o seu guia
Óleo sobre tela - 209 x 143 - 1874

WILLIAM BOUGUEREAU - Menina com uma romã
Óleo sobre tela - 56,9 x 45,7 - 1875

De relacionamento fácil no meio artístico, Bouguereau estabelece fortes laços de amizade com Jean-Marie Fortuné Durand e seu filho Paul Durand-Ruel. Conhecidos marchands na cidade, apresentam a ele Adolphe Goupil, mais um comerciante das artes que sabia os caminhos das grandes coleções particulares. Bouguereau passa a participar efetivamente dos salões que aconteciam na capital francesa e a colecionar títulos em sequência. Sua fama não se restringia somente à França. Da Inglaterra, viriam várias encomendas importantes. O momento econômico favorável permitiu que ele comprasse uma mansão em Montparnasse.

WILLIAM BOUGUEREAU - Moissonneuse
Óleo sobre tela - 106,5 x 85 - 1868

WILLIAM BOUGUEREAU - Todos os santos - Óleo sobre tela - 61 x 50,8

A Guerra entre a França e a Prússia, em 1870, mudaria um pouco a rotina de Bouguereau. Ele deixa a família em Londres, onde passavam férias e retorna a Paris, para ajudar na defesa de barricadas, mesmo já sendo isento do serviço militar, devido a sua idade. Findo o período de batalhas entre os dois países, volta suas atividades, decorando catedrais e realizando vários retratos. Sua vida intercalava momentos de muita alegria e reputação, com momentos tristes, com a perda de entes queridos. As aulas na Academia Julian, iniciadas nessa mesma época, eram um alento para o período.

WILLIAM BOUGUEREAU - Frère et souer
Óleo sobre tela - 180,5 x 81,2 - 1887

WILLIAM BOUGUEREAU - O caranguejo
Óleo sobre tela - 81,3 x 65,4 - 1869

Um dos períodos mais tristes da vida particular do artista aconteceria em 1877, quando falecem sua esposa e, dois meses depois, um de seus filhos. Como que por compensação, o artista se isola ainda mais em seu trabalho, produzindo a partir dali, as suas obras maiores e mais ambiciosas. Em 1878, a grande medalha de honra, na Exposição Universal o coroava ainda mais no meio artístico. Em 1879, William fica noivo de Elizabeth Gardner, com quem só viria a casar em 1896, pois a família não era muito conivente com a união.

WILLIAM BOUGUEREAU - Na praia
Óleo sobre tela - 95,9 x 61,6 - 1903

WILLIAM BOUGUEREAU - Pescando
Óleo sobre tela - 137,2 x 106,7 - 1882

Enquanto na década de 1880, sua carreira chegava ao auge, produzindo grandes encomendas e realizando obras importantes, recebendo inclusive o Prêmio de Comendador da Ordem Nacional da Legião de Honra, começava também o embate com grupos pré-modernistas. Como era presidente da Sociedade dos Artistas Franceses, a mesma que organizava e administrava os salões, William tinha opiniões bastante rigorosas quanto a seleção e exposição das obras em cada evento. As discussões ficaram cada vez mais sérias, a ponto de em 1889, um grupo liderado por Ernest Meissonier criar a Sociedade Nacional das Belas Artes, que passou a realizar um salão dissidente. Isso começou a afetar bastante a imagem de Bouguereau junto ao meio artístico francês. Se por um lado, as coisas não iam bem “em casa”, o mesmo não podia se dizer do seu reconhecimento fora, onde era homenageado na Alemanha e na Inglaterra.

WILLIAM BOUGUEREAU - O lanche da manhã
Óleo sobre tela - 90,8 x 55,9 - 1887

WILLIAM BOUGUEREAU - A onda - Óleo sobre tela - 121 x 160,5 - 1896

Golpe maior aconteceria em 1900, quando morre o quarto filho de Bouguereau, Paul. A partir daquele momento, William já não teria mais uma saúde estável e em 1902, um problema cardíaco o deixaria ainda mais debilitado. Momentos de reconhecimento e de alegria viriam com a aclamação de sua obra enviada à Feira Mundial, principalmente com o título que faltava em sua vida: Grande-Oficial da Ordem Nacional da Legião de Honra, em 1903. Bouguereau ainda teria tempo para as celebrações do centenário da Villa Medici, em Roma e uma rápida viagem a Florença. Muitos convites para homenagens e condecorações vinham de várias cidades da Europa, mas a sua saúde já não permitia mais tantas viagens. Com a saúde cada vez mais precária, já não consegue nem mais pintar, nos meses finais de 1904. Pressentindo sua morte iminente, ele se refugia onde começou sua vida, em La Rochelle, mudando-se para lá em julho de 1905. Ali, morreria no mês seguinte, dia 19 de agosto.

WILLIAM BOUGUEREAU - Autorretrato
Óleo sobre tela - 46 x 38 - Coleção particular - 1879

12 comentários:

  1. Um dos artistas que tenho grande admiração...Já lí bastante sobre ele e aprendi um pouco mais agora....Parabéns pela matéria! Abraço

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    1. Esse é realmente um mestre incontestável, Irisney.
      Grande abraço!

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  3. Um mestre... grande mestre!
    Matéria como uma obra prima...maravilhosa!
    Um abração!

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  4. Um dos maiores artistas figurativo de todos os tempos.
    Como sempre, uma ótima matéria.
    Luz e paz. Grande abraço.

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    1. Que infelizmente teve sua carreira sepultada por um longo tempo.
      Grande abraço, Quimas!

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  5. possuo um livro escrito por David Hockney - artista a quem muito admiro - e que faz uma referência bastante desrespeitosa ao conjunto da obra de Bouguereau e especificamente à tela A ONDA, que aparece em seu post. apenas para citar mais um exemplo de gente esclarecida a desmerecer a obra desse grande mestre. sempre aprendendo por aqui...abraço!

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    1. São vários críticos e artistas que desmereceram o trabalho de Bouguereau, ao final de sua vida e após sua morte. Esse é o tema principal da parte 2 da matéria.
      Obrigado, Paulo. Abraço!

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  6. É um dos artistas mais fantásticos que existiu.É impressionante a qualidade fotográfica dele, o traço único delicadíssimo, as feições femininas duma delicadeza transcendental.Arista magnífico.

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    1. O ápice da arte em seu estilo.
      Grande abra e obrigado por vir.

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