Maiores até do que as riquezas extraídas das Minas Gerais, são os tesouros talhados pela genialidade e grandiosidade dos artistas que aqui nasceram. Desenhando, pintando, esculpindo e projetando em obras o que o futuro jamais esqueceria. Os caminhos são muitos e a vasta obra dos que por aqui produziram arte, confirmam que Minas não é apenas um estado na formação política do país. Ser Minas é, antes de tudo, um “estado de espírito”.
Das muitas mãos geniais que construíram o orgulho de ser Minas, o Aleijadinho é a figura de maior expoente. E se sua história registrada não possa relatar com detalhes as fases de sua existência, suas obras o eternizaram e fazem confirmar: “um homem só é eterno quando o seu trabalho permanece”.
EUCLÁSIO VENTURA - Possível retrato de Aleijadinho
A tentativa de fazer uma biografia correta do Aleijadinho esbarra sempre em diversas interpretações. Primeiro pela desconfiança da veracidade dos fatos, segundo pelas fontes bastante imprecisas e finalmente por se tratar de um ícone da arte brasileira. E para artistas nesse nível, muitas histórias sem confirmação devem ser acreditadas com ligeira desconfiança.
A fonte mais próxima da verdade parece ser mesmo a de Rodrigo José Ferreira Bretas, que em 1858 colheu informações de pessoas que haviam conhecido pessoalmente o Aleijadinho, 44 anos depois de sua morte. Nesse grupo de pessoas se encontra a própria nora do artista. Muitos dados fornecidos por Bretas foram confirmados através de pesquisas realizadas pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, muitos dos quais com minúcias de detalhes que encaixam perfeitamente a muitos pontos supostos anterior a sua pesquisa. O “Registro de Fatos Notáveis” sobre a arte e artistas da região de Minas Gerais, elaborado em 1790 pelo 2° vereador da Câmara de Mariana, a mando de D. Maria I, rainha de Portugal, foi reproduzido e consta nos arquivos de Bretas. O original, porém, está hoje desaparecido, se é que ainda seja possível a sua existência. É um documento raro e muito importante, pois relata sobre o artista em pleno apogeu e dono de uma reputação que o colocava como o mais importante artista brasileiro até então conhecido.
Algumas obras de Aleijadinho
A data de nascimento do Aleijadinho é o primeiro fato de sua biografia que ainda não está de todo esclarecido. No documento de citação de Bretas, 29 de agosto de 1730 é a data de seu nascimento, isto, levando em conta um documento identificado como a certidão de nascimento do artista. É uma data que gera controvérsias, pois a certidão de óbito do artista, conservada até hoje no arquivo da Paróquia de Antônio Dias de Ouro Preto, atesta que Antônio Francisco Lisboa (o Aleijadinho), faleceu a 18 de novembro de 1814, com 76 anos de idade, oito anos discordantes da possível certidão de nascimento, citada por Bretas.
Anjo com cálice da paixão, na via-sacra de Congonhas
Aleijadinho era filho bastardo e escravo. Seu pai, Manoel Francisco Lisboa teve um relacionamento com uma de suas escravas, vindo a gerar o filho artista. Outros dados pouco confiáveis e incompletos dizem respeito à sua formação escolar. Parece ter concluído o primário e algumas aulas de latim. Seu pai, arquiteto de projeção na época e o desenhista João Gomes Batista são indicados, nos relatos de Bretas, como os primeiros tutores artísticos de Aleijadinho. Não eram escultores, o que leva a crer que o Aleijadinho teve outros tutores além deles. Especula-se Francisco Xavier de Brito e José Coelho Noronha como os primeiros entalhadores considerados referências para o Aleijadinho. Gravuras de santos, quase sempre vindas da Alemanha e que se tornaram uma febre no mundo ocidental, talvez sejam outra grande referência inspiradora para os trabalhos dele, tamanha a grande semelhança de seus trabalhos com as referências mencionadas.
Nossa Senhora das Dores, Museu de Arte Sacra, São Paulo
É possível que Aleijadinho tenha começado bem cedo o ofício do entalhamento, mas, é somente em 1766, o relato oficial de sua primeira grande obra, quando executa a importante encomenda da Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto. Executa desde o projeto arquitetônico até as ornamentações de fachada, púlpitos, talhas da capela-mor, lavabo de sacristia, etc.
Diversas encomendas em 1770, o fazem dirigir à Sabará, com especial atenção para a Igreja da Ordem Terceira do Carmo. Já em 1774 parte para São João Del Rey. Lá executa o projeto e a ornamentação da Igreja de São Francisco de Assis. Esta é tida como a obra-prima de sua carreira, juntamente com a Igreja da mesma ordem realizada em Ouro Preto.
Acima, Igreja de São Francisco de Assis, Ouro Preto
Abaixo, detalhe da fachada
Segundo relatos, à partir de 1777 começaram a surgir os primeiros sinais de uma grave doença, que lhe deformou progressivamente o corpo e causou grandes sofrimentos no trabalho. Não se sabe ao certo qual mal o afetou até o fim de seus dias. Mesmo com progressivas dificuldades, continuou trabalhando assiduamente.
Igreja de São Francisco de Assis, São João del Rey
Nos anos seguintes, várias outras vilas coloniais recebem obras de Aleijadinho. A encomenda era tamanha que chega a realizar duas ou mais obras em cidades diferentes. Fato que conclui, ter tido o artista, um apoio irrestrito de “funcionários” do atelier. Os chamados “oficiais de atelier” sempre se fizeram presentes na maioria das obras realizadas pelo seu mestre, ajudando nos trabalhos mais secundários e até mesmo na conclusão de obras inteiras, como nos Passos da Via-Sacra no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas. É inconcebível que um único homem, com as restrições físicas que tinha, tenha executado, sozinho, tão grandiosas e numerosas obras num espaço de tempo tão curto. Essa atividade, a de “terceirizar” encomendas também foi muito utilizada por outros artistas. Exemplo mais comum é o do pintor flamengo Rubens, um dos mais prolíficos da história da Arte. O fato de envolver “terceiros” em seu trabalho, talvez contribua para a explicação de incontáveis peças espalhadas em galerias, museus e coleções particulares. Muitas delas, atribuídas a Aleijadinho, possam ter sua origem questionada. Mesmo tendo características bem particulares em seu trabalho, é bem natural que um ou mais habilidosos “oficiais”, tenham feito cópias bem próximas dos trabalhos seus.
Fachada da Igreja de Santo Antônio, Tiradentes
Interior da Igreja de Santo Antônio, Tiradentes
Com base nessa hipótese, a da ajuda irrestrita de terceiros na execução de seu trabalho, é que o conjunto de Congonhas, num total de 76 estátuas em tamanho natural, tenha sido executado num espaço de tempo relativamente curto, 9 anos. Muito mais se levarmos em conta que Aleijadinho já estava na fase final de sua vida e que as enfermidades decorrentes de sua doença já encontravam em estado avançado.
Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas
Escadaria com os profetas e Congonhas ao fundo
Os doze profetas, Congonhas
Profeta Oséias, Congonhas
Profeta Daniel, Congonhas
Auxiliado certamente por “oficiais”, Aleijadinho deixou uma produção artística invejável e estas podem ser confirmadas nos vários recibos redigidos e assinados de próprio punho, além dos livros de despesa, que se encontram ainda nos arquivos dos templos onde ele trabalhou. Toda sua obra, entre talhas, projetos arquitetônicos, relevos e estatuária foi realizada somente em Minas Gerais.
Aleijadinho não se casou, mas teve com a mulata Narcisa, um longo caso que lhe rendeu um filho.
Passos da via-sacra, no Santuário do Senhor Bom Jesus
de Matozinhos, Congonhas
Restauração de obras dos Passos da via-sacra no
Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos
Mencionado por muitos como o "Michelangelo dos trópicos", Aleijadinho dedicou toda sua vida a um dos ideais mais nobres para todos aqueles que produzem arte. Deixou um estilo inconfundível, que se espalhou por muitas gerações de artesãos e até hoje continua fazendo escola.
Magnífico! sem palavras!
ResponderExcluirElizabeth, obrigado pela visita.
ResponderExcluirGrande abraço!