Durante um bom tempo, achei que a dificuldade em compreender Hegel fosse uma exclusividade minha. Com o passar dos anos, constatei que dividia essa “deficiência” com muitas outras pessoas. O próprio Hegel afirmou que Filosofia devia ser escrita da maneira mais rebuscada e complexa possível, pois se trata de um terreno acessível somente a pessoas seletas, opinião aliás, que devo discordar. Considero útil e necessário, o pensamento que possa atingir o maior número de pessoas. Experiência boa não deve ficar encerrada a um grupo exclusivo. Obras boas, são no meu ver, as mais democráticas. Uma das obras mais complexas de Hegel é também uma de suas melhores: Cursos de Estética I. É daquelas obras que precisa de várias leituras, pausadas, se possível.
Controvérsias à parte, em Cursos de Estética I, Hegel lança um olhar indagador e pertinente à respeito da Arte e sua função na história do homem. Ainda que na primeira leitura, suas observações me pareceram um pouco pessimistas, convenci mais tarde que eram realmente bem lógicas.
SCHLESINGER - Retrato de Hegel
Óleo sobre tela
Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu na Alemanha em 1770 e por lá faleceu em 1831. É interessante perceber como a Filosofia pós-Renascimento tomou a Alemanha como pátria. De lá partiram, sem dúvida, os grandes nomes da Filosofia Moderna. Dentro desse berço de filósofos influentes, Hegel se tornou o ponto máximo do Idealismo alemão do século XIX. Suas obras influenciaram profundamente o materialismo histórico de Karl Max. Para mim, o ponto mais importante em Cursos de Estética I, é a sua visão e função de Estética. Para os mais desavisados, Estética pode significar o sentido equivocado dos dias de hoje, um terreno ocupado com salões de beleza e clínicas que prometem eternizar a beleza física. No entanto, no sentido filosófico da palavra, Está muito longe disso.
Foi Baumgarten, em 1750, quem pela primeira vez usou esse termo para designar a ciência do conhecimento sensível. Mas, apenas com Hegel, décadas mais tarde, que essa disciplina alcançou seu pleno desenvolvimento.
EUGÈNE DELACROIX - A liberdade guiando o povo
Óleo sobre tela, 1830, 260 x 325, Museu do Louvre
Delacoix é figura mais que destacada para ilustrar
o movimento da Revolução Francesa.
A Arte é percebida por nós pelos sentidos, principalmente visão e audição. A sensação ou sensibilidade são, portanto, o tema central dessa disciplina. O termo Estética vem do grego aisthesis que significa sensação.
Não é muito fácil explicar a complexidade da visão de Hegel sobre o assunto, mas é possível lançar uma pequena chama sobre ele. Toda a Filosofia de Hegel tem uma ligação muito estreita com a Revolução Francesa, que, na minha opinião, foi um dos eventos mais importantes na história do homem moderno, pelo fato de ter como princípio básico, a defesa da liberdade dos homens. É com os alicerces nessa revolução, que Hegel desenvolve todo o seu método de pensar e agir, partindo do princípio de que a razão é o que distingue os homens dos outros animais. Essa razão é intimamente ligada à verdade, e como a verdade é algo identificado com afirmação e negação, conclui-se que não existe uma verdade eterna, ela muda de acordo com o curso da história. A razão e a verdade, são portanto, coisas mutáveis.
A Estética de Hegel consiste basicamente da aplicação do método racional aos fenômenos artísticos, o emprego das verdades e razões citadas acima. Cada período da história teve uma forma de manifestação que melhor expressasse o sentimento dos homens. Para a Grécia Antiga, o mais importante era a escultura, no Renascimento, a expressão maior se deu pela pintura e anos mais tarde, era a música que viria a ser a manifestação maior da sensibilidade humana, tendo seu auge em Mozart e Beethoven. Portanto, cada período tem a sua maneira especial de se expressar. Para Hegel, a Arte é o veículo mais importante de expressão dos povos. Nela, o homem se manifesta em toda a sua totalidade, logo, é pela Arte que o homem exprime o seu absoluto, a realidade completa, no sentido mais pleno da palavra, e que depende de si mesma para existir.
Laocoonte e seus filhos, mármore.
Provavelmente esculpida por Agesandro, Atenodoro e polidoro,
três escultores da Ilha de Creta, entre 42 a 20 a.C.
Museu do Vaticano
As duas obras aqui representadas confirmam a
preocupação dos gregos no que consideravam
o modelo idealizado de beleza. Esse modelo era
a verdade máxima da cultura daquele povo, entendida
assim como seu senso estético principal.
Apolo com a khitara
Mármore, 2,29 m de altura
Museu Britânico
Cada povo se manifesta com uma arte diferente e para cada povo, essa Arte tem uma parcela de razão diferenciada. Pegando a Grécia Antiga como exemplo, a Arte era a expressão mais contundente de verdade. Após o Renascimento, quando a ciência se desenvolve, a verdade tem outros valores e a razão muda um pouco o seu conceito. Como isso ocorreu? Segundo Hegel, os gregos viveram num tempo em que a verdade estava mais próxima da sensibilidade e dos fenômenos naturais, por isso a Arte tinha mais credibilidade. Já após o Renascimento, um período em que a ciência tenta explicar tudo pelo pensamento abstrato, as interpretações do mundo são outras e a Arte perde a força que tinha antes. É com base nisso, que Hegel declara o “fim da Arte”. Não que ela tenha terminado, até hoje pessoas continuam fazendo Arte. Mas, que elas, as obras de Arte, já não são mais o terreno supremo para manifestar a verdade dos homens. Hegel conclui seu raciocínio, afirmando que a Arte nunca mais terá a importância que teve nos tempos antigos dos gregos. Como verdades que são mutáveis, a Arte também não é eterna.
Concluo o texto com um parágrafo do próprio Hegel:
“A Ciência da Arte é, pois, em nossa época, muito mais necessária do que em épocas na qual a Arte por si só, enquanto Arte, proporcionava plena satisfação. A Arte nos convida a contempla-la por meio do pensamento e, na verdade, não para que possa retomar seu antigo lugar, mas para que seja reconhecido cientificamente o que é Arte.”
JEFF KOONS - Ballon dog
Nos tempos atuais, o senso estético das obras não está tão ligado
aos objetivos que tinha no passado. A sensibilidade não
está vinculada ao aspecto físico da obra, mas ao que ela
representa como forma de expressão. As interpretações são
várias e as expressões também.
PARA SABER MAIS:
Cursos de Estética I, de Hegel. Tradução de Marco Aurélio Werle, Edusp, 1999.
A Paciência do Conceito: Ensaio sobre o Discurso Hegeliano, de Gerard Lebrun, UNESP.
Não sei lhe informar sobre ele, amigo!
ResponderExcluirCara, parabéns pelo seu texto. Não havia conseguido entender Hegel até ele, então foi de grande ajuda. Muito obrigada mesmo!
ResponderExcluirQue bom. Grande abraço!
ExcluirAmei o texto, consegui entender toda sua complexidade está de parabéns José.
ResponderExcluirObrigado, Lira. É um assunto complexo mesmo.
ExcluirGrande abraço!