domingo, 3 de abril de 2011

HEGEL: A ESTÉTICA E A ARTE (José Rosário)

Durante um bom tempo, achei que a dificuldade em compreender Hegel fosse uma exclusividade minha. Com o passar dos anos, constatei que dividia essa “deficiência” com muitas outras pessoas. O próprio Hegel afirmou que Filosofia devia ser escrita da maneira mais rebuscada e complexa possível, pois se trata de um terreno acessível somente a pessoas seletas, opinião aliás, que devo discordar. Considero útil e necessário, o pensamento que possa atingir o maior número de pessoas. Experiência boa não deve ficar encerrada a um grupo exclusivo. Obras boas, são no meu ver, as mais democráticas. Uma das obras mais complexas de Hegel é também uma de suas melhores: Cursos de Estética I. É daquelas obras que precisa de várias leituras, pausadas, se possível.
Controvérsias à parte, em Cursos de Estética I, Hegel lança um olhar indagador e pertinente à respeito da Arte e sua função na história do homem. Ainda que na primeira leitura, suas observações me pareceram um pouco pessimistas, convenci mais tarde que eram realmente bem lógicas.

SCHLESINGER - Retrato de Hegel
Óleo sobre tela

Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu na Alemanha em 1770 e por lá faleceu em 1831. É interessante perceber como a Filosofia pós-Renascimento tomou a Alemanha como pátria. De lá partiram, sem dúvida, os grandes nomes da Filosofia Moderna. Dentro desse berço de filósofos influentes, Hegel se tornou o ponto máximo do Idealismo alemão do século XIX. Suas obras influenciaram profundamente o materialismo histórico de Karl Max. Para mim, o ponto mais importante em Cursos de Estética I, é a sua visão e função de Estética. Para os mais desavisados, Estética pode significar o sentido equivocado dos dias de hoje, um terreno ocupado com salões de beleza e clínicas que prometem eternizar a beleza física. No entanto, no sentido filosófico da palavra, Está muito longe disso.
Foi Baumgarten, em 1750, quem pela primeira vez usou esse termo para designar a ciência do conhecimento sensível. Mas, apenas com Hegel, décadas mais tarde, que essa disciplina alcançou seu pleno desenvolvimento.

EUGÈNE DELACROIX - A liberdade guiando o povo
Óleo sobre tela, 1830, 260 x 325, Museu do Louvre
Delacoix é figura mais que destacada para ilustrar
o movimento da Revolução Francesa.

A Arte é percebida por nós pelos sentidos, principalmente visão e audição. A sensação ou sensibilidade são, portanto, o tema central dessa disciplina. O termo Estética vem do grego aisthesis que significa sensação.
Não é muito fácil explicar a complexidade da visão de Hegel sobre o assunto, mas é possível lançar uma pequena chama sobre ele. Toda a Filosofia de Hegel tem uma ligação muito estreita com a Revolução Francesa, que, na minha opinião, foi um dos eventos mais importantes na história do homem moderno, pelo fato de ter como princípio básico, a defesa da liberdade dos homens. É com os alicerces nessa revolução, que Hegel desenvolve todo o seu método de pensar e agir, partindo do princípio de que a razão é o que distingue os homens dos outros animais. Essa razão é intimamente ligada à verdade, e como a verdade é algo identificado com afirmação e negação, conclui-se que não existe uma verdade eterna, ela muda de acordo com o curso da história. A razão e a verdade, são portanto, coisas mutáveis.
A Estética de Hegel consiste basicamente da aplicação do método racional aos fenômenos artísticos, o emprego das verdades e razões citadas acima. Cada período da história teve uma forma de manifestação que melhor expressasse o sentimento dos homens. Para a Grécia Antiga, o mais importante era a escultura, no Renascimento, a expressão maior se deu pela pintura e anos mais tarde, era a música que viria a ser a manifestação maior da sensibilidade humana, tendo seu auge em Mozart e Beethoven. Portanto, cada período tem a sua maneira especial de se expressar. Para Hegel, a Arte é o veículo mais importante de expressão dos povos. Nela, o homem se manifesta em toda a sua totalidade, logo, é pela Arte que o homem exprime o seu absoluto, a realidade completa, no sentido mais pleno da palavra, e que depende de si mesma para existir.

Laocoonte e seus filhos, mármore.
Provavelmente esculpida por Agesandro, Atenodoro e polidoro,
três escultores da Ilha de Creta, entre 42 a 20 a.C.
Museu do Vaticano

As duas obras aqui representadas confirmam a
preocupação dos gregos no que consideravam
o modelo idealizado de beleza. Esse modelo era
a verdade máxima da cultura daquele povo, entendida
assim como seu senso estético principal.

Apolo com a khitara
Mármore, 2,29 m de altura
Museu Britânico

Cada povo se manifesta com uma arte diferente e para cada povo, essa Arte tem uma parcela de razão diferenciada. Pegando a Grécia Antiga como exemplo, a Arte era a expressão mais contundente de verdade. Após o Renascimento, quando a ciência se desenvolve, a verdade tem outros valores e a razão muda um pouco o seu conceito. Como isso ocorreu? Segundo Hegel, os gregos viveram num tempo em que a verdade estava mais próxima da sensibilidade e dos fenômenos naturais, por isso a Arte tinha mais credibilidade. Já após o Renascimento, um período em que a ciência tenta explicar tudo pelo pensamento abstrato, as interpretações do mundo são outras e a Arte perde a força que tinha antes. É com base nisso, que Hegel declara o “fim da Arte”. Não que ela tenha terminado, até hoje pessoas continuam fazendo Arte. Mas, que elas, as obras de Arte, já não são mais o terreno supremo para manifestar a verdade dos homens. Hegel conclui seu raciocínio, afirmando que a Arte nunca mais terá a importância que teve nos tempos antigos dos gregos. Como verdades que são mutáveis, a Arte também não é eterna.
Concluo o texto com um parágrafo do próprio Hegel:
A Ciência da Arte é, pois, em nossa época, muito mais necessária do que em épocas na qual a Arte por si só, enquanto Arte, proporcionava plena satisfação. A Arte nos convida a contempla-la por meio do pensamento e, na verdade, não para que possa retomar seu antigo lugar, mas para que seja reconhecido cientificamente o que é Arte.”

JEFF KOONS - Ballon dog
Nos tempos atuais, o senso estético das obras não está tão ligado
aos objetivos que tinha no passado. A sensibilidade não
está vinculada ao aspecto físico da obra, mas ao que ela
representa como forma de expressão. As interpretações são
várias e as expressões também.

PARA SABER MAIS:
Cursos de Estética I, de Hegel. Tradução de Marco Aurélio Werle, Edusp, 1999.
A Paciência do Conceito: Ensaio sobre o Discurso Hegeliano, de Gerard Lebrun, UNESP.

5 comentários:

  1. Cara, parabéns pelo seu texto. Não havia conseguido entender Hegel até ele, então foi de grande ajuda. Muito obrigada mesmo!

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  2. Amei o texto, consegui entender toda sua complexidade está de parabéns José.

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    1. Obrigado, Lira. É um assunto complexo mesmo.
      Grande abraço!

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