terça-feira, 21 de janeiro de 2014

ENSAIOS DE PINTURA E PSICANÁLISE


Alguns livros nos encontram. Se permitirmos, ajudam a mudarmos conceitos e a modificar nossas vidas. Mestres silenciosos, estão sempre disponíveis e às vezes pouco lembrados. Ensaios de Pintura e de Psicanálise é um desses livros diferenciados, obrigatório para aqueles que fazem, vivem ou simplesmente curtem Arte. Escrito pelo mineiro Carlos Perktold, é um alento de que as coisas ainda tem jeito, um bom sinal de que a Arte já mostra vontade de reencontrar seu verdadeiro caminho. É com muita honra que leio um crítico de arte contemporâneo, tendo a coragem de afirmar com orgulho o seguinte trecho: “Para onde vai a pintura nesse século XXI? Respondo declarando que o novo caminho é privilégio de quem sabe desenhar e pintar. E muito! Quem sabe, desenha e pinta, quem não sabe, apresenta cacarecos e ideias idiotas”. Carlos Perktold assume assim, bravamente, o lado daqueles que há muito tempo já perceberam que a Arte se embrenhou por um caminho perigoso e que lentamente precisa de guerreiros para defenderem seu verdadeiro reino.
Integrante do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais e da Associação Brasileira de Críticos de Arte, Carlos é colaborador do Caderno Pensar do Estado de Minas e do Caderno Domingo, do Hoje em Dia. Essas credenciais são importantes, pois atestam a presença de alguém atuante, que possui conhecimento de causa para falar e expressar sobre assuntos delicados, ligados diretamente à Arte. Seu livro reúne uma coletânea de ensaios, alguns inéditos inclusive, e é dividido em duas partes: na primeira, um passeio delicioso pela pequena biografia de vários nomes importantes da arte nacional e mundial. Emocionante a narrativa sobre Guignard, sua trajetória triste e solitária. Há também uma homenagem digna a Manet, o pai da grande reviravolta no ver e fazer Arte, e nos surpreende com relatos sobre Herculano Campos (tão pouco conhecido), Chanina, Bracher, Gauguin, Ianelli e outros. Para a segunda parte, vários aspectos na natureza humana são apresentados de uma forma acessível e bem precisa. O mais interessante é que todos os argumentos usados para explicar os comportamentos humanos são feitos em paralelo com obras artísticas, extraídas do cinema, da literatura e da pintura.

MANET - Olympia - Óleo sobre tela - 130,5 x 190 - 1863 - Museu d'Orsay, Paris
"Olympia, tão abominada, execrada, vilipendiada e ocasionalmente,
vista como prostituta, nunca foi vendida. Manet a manteve para sempre
por pura falta de comprador. O quadro sumiu e reapareceu,
glorioso, somente depois da II Guerra Mundial...
Olympia hoje nos pergunta por que tanta valorização se sempre
foi o que é. A resposta a esta pergunta está em nós: porque mudamos."

Perktold é consciente de que a Arte é um terreno cíclico. Não há mais espaço nela para os desvarios que vemos na atualidade, mas também não vê o artista como alguém estacionário, que não evolui. Gosto bastante quando ele afirma que “temos dificuldade de aceitar ou negar novas ideias. Não aprendendo com o passado, arrastamos o presente, sem modificar o futuro. Paralisados, repetimos. Lidamos mal com pessoas criadoras porque elas contrariam a regra geral”. É por essa lógica, que ele nos esclarece como um artista se torna abstrato por convicção, depois de galgar todos os degraus penosamente pela arte acadêmica e de fundamentos técnicos e teóricos. Abstrair uma forma com consciência é uma dádiva alcançada por poucos. Simplificar pinceladas e tornar-se espontâneo não é algo apenas para quem deseja, é algo que precisa ser conquistado.

É com muita felicidade que saúdo o livro e seu autor. Perktold, que sempre foi um admirador e colecionador de artes apurado, revela agora as experiências de suas observações, filtradas pelo conhecimento que a Psicanálise lhe proporcionou. Ganha a Arte, ganhamos nós, ganha principalmente a humanidade.

INIMÁ DE PAULA - Retrato de Carlos Perktold
Óleo sobre tela

8 comentários:

  1. Que matéria maravilhosa!
    Que livro fantástico!
    A narrativa da obra de Manet é simplesmente demais...
    Sucessos!

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    1. O livro está cheio de narrativas surpreendentes, Vidal.
      Impossível ficar indiferente com seu conteúdo e sua proposta.
      Grande abraço, amigo!

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  2. José Rosário, ele é um grande aliado, tem o meu respeito!

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    1. Merece todo o nosso respeito, Gilberto.
      Enfim, as coisas parecem ganhar um novo rumo.
      Grande abraço, amigo!

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  3. O que vemos é apenas a ponta do Iceberg, ainda existe muito por fazer! Hora de varrer os cacos!

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    1. Essa reviravolta tem uma gratidão enorme com a internet, que tirou o monopólio daqueles que conduziam as coisas cada vez mais para um abismo. Galerias, críticos e marchands não definem apenas aquilo que querem. Em cada canto do mundo, surge um artista de respeito, sem que ao menos tenha passado por nenhuma galeria, crítica especializada ou representante comercial.
      Ainda acredito no respeito à diversidade e na liberdade de expressão, desde que essas realmente expressem algo de valor e não sejam o disparate individualista de ideias insanas.
      Gosto muito de uma frase dita por Edgar Walter, paisagista brasileiro, mas que sabia respeitar o que via acontecendo em seu tempo:
      "Se cada um de nós mantiver suas verdades, respeitando outras tendências, naturalmente aprenderemos muito mais, pois tudo que nos cerca é arte".

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