segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

PIETÁ (José Rosário)

Roma está para o mundo antigo assim como Nova Iorque está para os tempos atuais. A referência de poder, que no passado deu a Roma o título de “Cidade Eterna”, é muito parecida com o poder capitalista que Nova Iorque exerce sobre o mundo de hoje. Comparações à parte, Roma deve todo o seu esplendor aos grandes artistas que passaram por lá e deixaram suas marcas em cada canto. Marcas, aliás, que ainda continuam a serem descobertas e desvendadas. Monumentos e obras que nasceram do desejo desmedido de seus governantes e ganharam forma pelos hábeis artistas que lá viveram. As Histórias de Roma e da Arte Universal não estariam completas sem a presença de um dos seus artistas mais virtuosos e competentes: MICHELANGELO BUONARROTI.

Michelangelo Buonarroti, numa pintura
feita por Jacopino del Conte.
Óleo sobre tela, 98,5 x 68.
Casa Buonarroti, Florença.

Nas turbulências do fim do Quattrocento e início de Cinquencento, onde os estilos artísticos transitavam do Classicismo ao Barroco, passando pelo Maneirismo, Michelangelo se desponta como um de seus maiores gênios. O artista que simboliza na expressão mais abrangente da palavra, o representante maior do Renascimento. Um contemporâneo seu, Leonardo da Vinci, equipara em grandiosidade, mas, não há que se confrontar suas intenções e percepções a respeito da arte. Enquanto Michelangelo concebe sua obra nos ensinamentos neoplatônicos que assimilou na corte dos Médici, Da Vinci está mais ligado a uma representação aristotélica e toda a visão abrangente do mundo que essa corrente representa.

Estudo para a Pietá, ou
Lamentação de Cristo.
Sanguínea, 28,2 x 26,2
Museu Britânico, Londres

Michelangelo nasceu a 6 de março de 1475, em Caprese, e faleceu em Roma a 18 de fevereiro de 1564. Filho de uma família de posses, perdeu a mãe aos 6 anos de idade e por conseqüência disso, teve a vida entregue aos cuidados de uma ama, que muito cedo, o encaminhou aos estudos.
Essa matéria ainda não é uma biografia do artista, ele merece uma específica para isso. Falarei mais especificamente de uma das suas obras mais representativas. Longe de querer afirmar que ela seja a sua melhor produção. Não há parâmetros na obra de Michelangelo. Todo trabalho seu é uma grande obra.

Pietá
Mármore, 174 x 195
Basílica de São Pedro, Vaticano, Roma.

PIETÁ

Foi o impacto que me causou ao visita-la, no Vaticano, que sempre me encorajou a falar algo sobre ela. Não há quem fique indiferente diante de sua presença. Posso dizer, com propriedade, que foi uma das emoções mais fortes de minha vida.
A imagem da Pietá foi encomendada pelo cardeal francês Jean Bilhères de Lagraulas, a 21 de setembro de 1498, para a Capela dos Reis de França, dentro da antiga Basílica de São Pedro, no Vaticano. Logo após a construção da basílica atual, ela foi instalada na primeira capela da alameda do lado direito, onde está até hoje.


Pietá, que em português significa “Piedade”, talvez seja a mais famosa e mais conhecida escultura de Michelangelo, juntamente com o Davi, que fica em Florença. Ela encarna a dor e o desalento de uma mãe que toma seu filho morto aos braços. Alguns artistas no norte da Europa já haviam explorado o tema, quase sempre numa leitura muito realista e cruel. Mas, foi somente pelas mãos de Michelangelo, que o episódio ganha uma representação cênica muito bem idealizada e de forte impacto.


Como conseguiu isso? Michelangelo estudara, anos atrás, novos métodos e processos de composição. Foi sua decisão pela escolha de uma composição piramidal, a chave para o sucesso de sua obra. Era muito comum, a vários artistas do Renascimento, enquadrarem o tema principal de suas obras em uma forma triangular, que é a figura geométrica que melhor representa estabilidade. Mas, ainda assim, alguns problemas tiveram que ser sanados. Representar o Cristo, no que provavelmente seria sua estrutura, a de um homem carpinteiro de trabalhos pesados, seria um descompasso para a sua intenção. Propositadamente, Michelangelo entalha Cristo em dimensão menor que Maria, cabendo assim no esquema em forma triangular da composição e não passando aos olhos de quem observa o conjunto da obra, a sensação de esmagar o corpo da mãe. Equilibrar ao mesmo tempo uma figura quase horizontal com outra vertical por trás, dentro de uma pirâmide, requer muita ousadia e árduos estudos. O rico panejamento da vestimenta de Maria serviu também de sustentação para o corpo de Cristo. Mais uma saída engenhosa para um complexo problema.


A nobreza do conjunto é evidenciada pelo rosto da virgem. Não há ali o desespero tradicional, como faziam os artistas do norte, mas sim, uma dor resignada e contida, de uma mãe que sustenta nos braços, o filho que durante toda sua vida, previu naquela situação.
A fisionomia muito jovem de Maria fez com que vários críticos de sua época contestassem o conjunto da obra, afinal uma mãe com um filho de mais de trinta anos, não deveria ter semblante mais jovem que o seu. Considerando o resultado de seu trabalho impecável e irretocável, Michelangelo apenas explicou que queria; mesmo num cenário de morte; representar Maria com os traços de uma virgem, semblante que a diferenciava de todas as mulheres. Controvérsias à parte, a obra se impôs e não há quem não se emocione com ela.


Medindo 174 cm de altura por 195 cm de base, a escultura ainda prima pelo seu acabamento. A superfície foi polida com tanto esmero, que lembra uma superfície de marfim. Tantos atributos renderam à Pietá a reputação de uma das mais belas esculturas de todos os tempos.
A fita que atravessa o peito de Maria em diagonal traz entalhada a assinatura do autor: MICHAELANGELUS.BONAROTUS.FLORENT.FACIEBA(T), que significa: Miguel Ângelo Buonarotus de Florença fez. É a única assinatura de Michelangelo que se conhece.
Surpreender com a obra e o gênio inventivo de quem a fez é uma constante que acontece há séculos. A surpresa se torna ainda maior, quando nos damos conta que Michelangelo a terminou quando tinha apenas 23 anos de idade.

*****


Em Roma percebemos o quanto a grandiosidade faz fronteira
bem próxima com o exagero. O que inicialmente nos assusta,
vai sendo substituído por um sentimento de contemplação e
agradecimento. Depois de visitar vários locais da cidade,
voltamos para casa com a sensação de que no passado, 
o futuro era esperado e desejado com mais reverência.

6 comentários:

  1. Gosto do seu jeito objetivo e sensivel de ver e transmitir as coisas.Seu trabalho e suas pesquisas me impressionam e me comovem.Márcia Vaz(timóteo)

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    1. Obrigado Márcia. Sinto não ter visto seu comentário há mais tempo.
      Um grande abraço!

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  2. perfeito, todo a narrativa, e não há tradução melhor para Michelangelo como Anjo Miguel(da escultura,pintura...) obrigado josé rosário por nos presentear com matérias tão belas e de fácil compeensão.

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    1. Valeu, Carlos.
      Fico grato pela sua presença e por suas considerações.
      Abraço!

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  3. Michelangelo Buonarroti é o meu artista preferido. No ano de 2009 tive a oportunidade de estar diante dessa magnífica PIETÁ, porém, para minha surpresa, não senti nada de especial. Talvez seja pela decepção de encontrar a escultura muito alta, longe (além do desagradável e necessário vidro à prova de balas) e de já tê-la visto dezenas de vezes através de fotos.
    Muito melhor foi a sensação de estar diante do MOISÉS -- uma obra feita quando Michelangelo já era um escultor experiente --, que fica protegida apenas por uma cordinha e distante dos visitantes por no máximo uns 4 ou 5 metros. Um risco, pois qualquer lunático pode pular a corda e martelar a escultura, como aconteceu com a PIETÁ por volta de 1972.
    Naquela mesma semana de outubro de 2009 (passei apenas 3 dias em Roma; a viagem foi presente de um parente) a maior emoção senti diante do Cristo della Minerva, também conhecido como Cristo Redentor, terminada em 1521. O trabalho está na igreja de Santa Maria sopra Minerva, e não há vidro protetor e nem cordinha, qualquer visitante pode tocar a escultura. E eu, claro, toquei os pés do Cristo.
    Outra alegria ocorreu em dezembro de 2010, quando o mesmo parente ofereceu uma viagem à Paris, e pude ver de pertinho dois grandes escravos de Michelangelo no Museu do Louvre.
    Quem não tiver condições financeiras para visitar Roma ou Paris, recomendo visitar o Museu Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro.

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    1. Um dica valiosa, essa sua. Há uma seção de esculturas no Museu Nacional de dar inveja a muitas instituições mundo afora.
      Obrigado por compartilhar suas experiências e novidades, Hildebrando. Um grande abraço!

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