sábado, 8 de setembro de 2012

VERMEER


JOHANNES VERMEER - Mulher em azul lendo uma carta
Óleo sobre tela - 46,6 x 39,1 - Rijksmuseum, Amsterdã

JOHANNES VERMEER - Uma jovem nos virginais com um cavalheiro
Óleo sobre tela - 73,3 x 64,5 - Coleção Real, Londres

Não é fácil refazer a trajetória de um artista que deixou assinadas apenas duas obras. Mesmo que seu estilo seja inconfundível e que cada composição sua dispense a presença de uma assinatura, os dados que provam sua existência se limitam com precisão a alguns poucos documentos. Esse enigma é que gera, ainda hoje, um interesse cada vez mais crescente para conhecermos um pouco mais sobre ele. Tão discreto quanto eficiente em sua pequena produção, Johannes Vermeer produz em nós um misto de curiosidade e desejo. Curiosidade por se inteirar de seu trabalho, que pela narrativa limitada de alguns contemporâneos, eram executados no silêncio e retiro isolado de seu ateliê intocável. Desejo por tornarmos íntimos de sua técnica, apuradíssima para a época e ainda incomparável para os tempos atuais.

JOHANNES VERMEER - Moça com brinco de pérola - Óleo sobre tela - Mauritshuis, Haia

De dado mais preciso, sabe-se que ele nasceu na cidade de Delft, Holanda, a 31 de outubro de 1632, graças a um registro de batismo. Era filho de Reynier Janszoon e Digna Balthasars, que tinham a tradição de trabalharem com tecelagem de seda, possuírem uma estalagem e comercializarem arte. Quinze anos após o nascimento do pequeno Johannes, o pai adota o sobrenome de Van der Meer, ou Ver Meer, que acompanharia para sempre a identidade do artista. Embora tenha nascido numa época em que a arte em Delft andava meio em decadência, Vermeer teve a sorte de, por volta de 1650, conviver com alguns artistas que por lá se instalaram momentaneamente e produziram o que podemos classificar como um breve período de ouro da pintura em Delft.

JOHANNES VERMEER - Lieteira - Óleo sobre tela - 45,5 x 41 - Rijskmuseum, Amsterdã





Se quisermos entender um pouco mais sobre a escolha dos motivos que marcariam para sempre a carreira de Vermeer, é necessário que entendamos um pouco melhor o período em que ele viveu. Contemporâneo de estilos como o Barroco (livre por excelência) e de movimentos como a Contra-Reforma (radical por natureza), não é tão difícil deduzir que a busca de uma especialidade estética sempre se esbarre em um aspecto moral, porque a Holanda da época de Vermeer era absolutamente radical, forjada nos ensinamentos de Lutero. Isentas das restrições dogmáticas, as paisagens e cenas de interiores, preferencialmente familiares e íntimas, parecem ser a novidade do período e não deixam de oferecer uma certa originalidade aos artistas que resolvem incorporá-las como temática principal. Mais que pintar o que parecia algo em moda, Vermeer consegue arrancar dessas temáticas tudo que elas pareciam não serem capazes de exprimir. Os contrastes vigorosos e tensos da influência de Caravaggio ganham aspectos sutis e ternos na sua obra. A luz é explorada com tanta precisão e propriedade, que nos impede que paramos de observar seus trabalhos por um longo tempo. Mas o que nos prende mesmo é o silêncio, que nos convida a um retiro momentâneo e ao desejo de não sairmos mais dali. Como ninguém em seu tempo, Vermeer retoma a velha tradição holandesa da arte doméstica, e nos alicia, até hoje, a fazer parte desse mundo de magia e poesia.

JOHANNES VERMEER - O astrônomo
Óleo sobre tela - 50,16 x 45,72 - Coleção particular

JOHANNES VERMEER - O geógrafo
Óleo sobre tela - 53 x 46,6

Vermeer não teve mestres nem discípulos diretamente. Carel Fabritius talvez seja o nome que mais tenha influenciado os seus trabalhos em início de carreira, não só desenvolvendo nele o gosto por uma paleta sóbria e tranquila, mas também instigando o jovem nas descobertas feitas em experimentações óticas, especialmente com o uso da câmara de luz, ou câmara escura, que consistia em duas opções de visualização do objeto a ser pintado. Ora feito por um quarto escuro (na forma mais simples), ora feito por uma câmara escura portátil (caixa dotada de lentes de projeção). Um enigma se diz respeito ao método de trabalho do artista, uma vez que não existem desenhos e nem esboços de sua autoria. Provavelmente desenvolvia seus temas diretamente na tela.

JOHANNES VERMEER - Vista de Delft - Óleo sobre tela - 98,5 x 117,5 - Mauritshuis, Haia

Acima e abaixo, as duas únicas cenas externas de Vermeer.

JOHANNES VERMEER - Ruela - Óleo sobre tela - 53,97 x 43,18
Aproximadamente 1660 - Rijksmuseum, Amsterdã

Com apenas 21 anos de idade ele se tornaria mestre da Guilda de São Lucas, respeitada instituição artística da cidade, da qual viria, inclusive, a ser o presidente em dois períodos, 1662 e 1670. É também nessa época que ele se casa com Catharina Bolnes, com quem teria onze filhos. As crianças nunca apareceriam em nenhuma de suas composições, mas ela é bem provável que tenha contribuído para a representação em algumas delas. Com a morte de seu pai, antes mesmo do casamento, tudo leva a crer que tenha assumido a direção dos negócios herdados, até porque não conseguiria sustentar sua numerosa família apenas pintando. Talvez esse seja, também, um dos motivos pela sua tão limitada produção. Uma grave crise financeira o obriga a dispor de bens e ir morar na casa da sogra. Ainda nesse período, a crise econômica que se seguiu à invasão francesa no país provocou um colapso no mercado de arte, agravando ainda mais a frágil situação econômica do artista. Vermeer falece em 1675, esse sim, um registro oficial de sua existência, com apenas 43 anos de idade. Deixava oito filhos e uma esposa à beira da miséria.

JOHANNES VERMEER - O estúdio do artista
Óleo sobre tela - 129,54 x 111,12 - Museu Kunsthistorisches, Viena

JOHANNES VERMEER - A rendeira
Óleo sobre tela - 25,39 x 20,32 - Museu do Louvre, Paris

Um esquecimento imperdoável sobre o nome de Vermeer pairou por quase dois séculos após a sua morte, vindo a ser resgatado pelo perito francês Thoré-Bürger. Não existe uma unanimidade sobre o número oficial de obras deixadas pelo artista, que oscila entre 21 e 35, e estão entre os melhores museus e galerias do mundo. São os registros que nos revelam um momento de serenidade na turbulenta vida de um artista recluso. Momentos atemporais que levarão à introspecção e ao retiro espiritual em qualquer época.

JOHANNES VERMEER - Garota interrompida em sua música
Óleo sobre tela - 39,4 x 44,5 - Frick Collection, Nova Iorque

PARA SABER MAIS:


6 comentários:

  1. Excelente a matéria sobre o Vermeer.

    Normalmente quando se fala em pintura holandesa todo mundo lembra automaticamente de Rembrandt e Frans Hals. Poucos se recordam deste gênio da pintura de gênero.

    Você já percebeu que o estilo dele é tão interessante que o espectador se esquece da "datação histórica"? É quase como se você estivesse observando uma cena do dia-a-dia atual. Os trajes de época e o ambiente barroco ficam em segundo plano. É aquela velha história...pintura boa é atemporal.

    Parabéns pela matéria.

    At, William

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    1. Fico imaginando quantas obras dele não se perderam no caminho. Há relatos que grande parte se perdeu em um enorme incêndio que ocorreu na cidade. Lamento por quantas outras preciosidades ficamos privados!
      Grande abraço, William!

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  2. Mestre José cada vez que admiro as obras de VERMEER, fico sem palavras, impressionante como os seus motivos nos encantam até hoje, a "leiteira", que obra maravilhosa! parabéns, meu amigo!

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    1. Raimundo, não deixe de conferir aquele site que sugeri. Explica detalhadamente cada obra e com uma riqueza enorme.
      Abraço, amigo!

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  3. Um aspecto curioso deste verdadeiro gênio da pintura é que ele consegue fazer obras maravilhosas a partir de temas os mais cotidianos, quase banais. Um simples olhar, a leitura de uma carta, tudo é revestido de uma atmosfera solene, mágica, que prende nossa atenção. Os personagens parecem sempre ter uma atitude meditativa, totalmente imersos no que estão fazendo. Vermeer é para mim genial nisso, sem artifícios, sem intenção de impressionar. Parabéns pela matéria José, comungo com você minha admiração por este artista,
    Abraço!

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    1. Uma pena que ficamos conhecendo tão pouco dele, não é Ari?
      Grande abraço e ótima semana!

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