CARAVAGGIO - São João Batista
Óleo sobre tela - 129 x 94
Pinacoteca do Museu Capitolino, Roma
As figuras mais revolucionárias da História da Arte talvez também sejam as mais misteriosas. Se quiser acrescentar “polêmicas” a essa lista de atributos, terá sido escolhido mais um adequado adjetivo. Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio; nome de sua aldeia natal, próxima à Bérgamo, na Itália; é uma dessas figuras que consegue agrupar todos esses adjetivos citados e muitos outros. A começar pela insistência constante, em sua carreira, de ser um opositor nato ao que via no cenário artístico de sua época. Queria uma nova linguagem, mais ousada, que fosse ao mesmo tempo realista e teatral, cujo drama de suas composições nos deixasse em contato direto com a natureza e a verdade dos personagens que representava. Pela insistência dessas suas propostas, abriu caminho para o que veio a ser chamado de Arte Barroca, um afrontamento declarado ao “Maneirismo”, que nada mais era que uma “maneira” de pintar dos artistas mais velhos, e que para o próprio Caravaggio, eram limitados, acadêmicos demais e afetados por dogmas que diminuíam o vigor de suas obras.
CARAVAGGIO - O tocador de Lira
Óleo sobre tela - 100 x 126,5
Museu Metropolitano de de Arte, Nova Iorque
CARAVAGGIO - Rapaz levando um cesto de frutas
Óleo sobre tela - 70 x 67
Galeria Borghese, Roma
CARAVAGGIO - O pequeno Baco doente
Óleo sobre tela - 67 x 53
Galleria Borghese, Roma
Só por essa breve introdução já é possível fazer um apanhado do que talvez seja a trajetória de um dos artistas mais polêmicos da História da pintura. Competente em sua proposta artística, não aliviou na intensidade de sua trajetória de vida, condenado e encarcerado por crimes diversos, desde homicídio até ao que hoje é denominado pedofilia, andou de prisão em prisão, libertado delas por seus protetores poderosos ligados à Igreja e ao governo.
CARAVAGGIO - O amor triunfante
Óleo sobre tela - 156 x 113
Gemäldegalerie, Berlim
CARAVAGGIO - Cabeça de medusa
Óleo sobre tela colada sobre um disco de madeira de choupo - 60 x 55
Galleria Degli Uffizi, Florença
O menino Caravaggio nasceu a 29 de setembro de 1571. A primeira infância passou em Milão, mas a peste que fez estragos por muitos anos em toda Europa, obriga a família a retornar à cidade de Caravaggio, onde fica órfão de pai e a mãe passa por graves problemas de dinheiro.
CARAVAGGIO - Grande Baco
Óleo sobre tela - 95 x 85
Galeria Degli Uffizi - Florença
Simone Peterzano foi o artista que primeiro o acolheu em sua oficina, quando Caravaggio ainda contava com 13 anos de idade. Peterzano era pintor de fama, que havia sido instruído por Ticiano e tinha o aval de príncipes e autoridades de sua região. Foi ele próprio que abriu caminhos, na Lombardia, para o surgimento de um novo estilo de pinturas, mais naturalista e que confrontava com o “Maneirismo” reinante naquela época. É também nesse período, o final da grande época do Renascimento. Portanto, não é de se admirar onde tenha se formado e encorajado, em Caravaggio, a excelência de sua técnica e o desejo constante de confrontar, de chocar com seus temas e não poupar polêmicas. Todos os seus primeiros trabalhos são altamente profanos, com figuras de rapazes andrógenos em poses e situações nada convencionais para sua época. Trabalhos como “Rapaz mordido por um lagarto” e “Concerto dos Jovens (Os músicos)”, são dessa época.
CARAVAGGIO - Os músicos
Óleo sobre tela - 92 x 118,5
Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque
Após um período de grave doença, sobrevive quase que por milagre. Mesmo ainda não estando totalmente recuperado, pinta “Baco doente”, um dos muitos prováveis autorretratos que faria em sua carreira. É também desse período a célebre obra “Cesto de frutos”, executada em Milão.
CARAVAGGIO - Cesto de frutos
Óleo sobre tela - 31 x 47
Pinacoteca Ambrosiana, Milão
Não só nessa fase, como em quase toda a sua curta trajetória de vida, viveu num instante histórico tumultuado, com o Concílio de Trento elaborando a Contra-reforma. Opondo drasticamente a Lutero e Calvino, que haviam banido o uso das imagens dos templos, os papas e jesuítas decidem exatamente confrontar: abundância de imagens, ornamentos, contrastes, coloridos e todo tipo de exageros. Decidiram assumidamente conquistar os fiéis pelo deslumbramento e provar com isso a superioridade de Roma. O Barroco parecia a linguagem ideal para tal intenção. Monteverdi acabara de inventar a ópera, e uma série de fatos e acontecimentos ferviam na cabeça de todos os artistas daquela época. Essa efervescência parece ter sido ampliada na cabeça de Caravaggio, por isso, cada obra sua era aguardada como mais um escândalo anunciado. Pouco depois de sua morte, Poussin viu algumas de suas obras em Roma e afirmou: “Ele veio para destruir a arte”.
CARAVAGGIO - A ceia em Emaús (Primeira versão)
Óleo sobre tela - 141 x 175
Pinacoteca Brera, Milão
CARAVAGGIO - A ceia em Emaús (Segunda versão)
Óleo sobre tela - 141 x 196,2
The National Gallery, Londres
À partir de 1600, começam as encomendas que viriam a ser o ponto alto de sua carreira: “A vocação e o martírio de São Mateus”, “A crucificação de São Pedro” e “A conversão de São Paulo”. Não dá descanso e volta a escandalizar novamente. Desta vez em “A morte da virgem,” onde pinta Maria com ares de uma cortesã de época. Há quem afirme que a modelo utilizada, foi o corpo de uma prostituta afogada, retirada do Rio Tibre. Uma das marcas de Caravaggio é exatamente essa, trazer para o interior de sua obra, as pessoas simples que encontra pelas ruas e tabernas. Seus santos e santas são vestidos de humanidade, busca nos modelos camponeses mais rudes, inspiração para seus apóstolos e figuras sacras, e isso choca o meio em que vivia. Conseqüência disso, teve vários trabalhos encomendados recusados, como uma “Nossa Senhora”, pintada para a Basílica de São Pedro, mas que não foi permitida a instalação.
Já nessa fase, possuía, apesar de ainda jovem, um domínio extraordinário no uso do espaço e no arranjo de suas composições. Caravaggio fez com que o mundo das artes imergisse em uma espécie de escuridão. Seus personagens saltavam de penumbras densas, com uma luz que delineava e realçava pontos especiais da tela. Eram as sombras que ditavam o caminho da composição de seus trabalhos, valorizando ainda mais a forte luz incidental que se tornou a característica maior de suas obras. Ainda que muitos críticos contrários a ele, alegassem que a escuridão demasiada de suas obras fosse um falta de habilidade para lidar com o detalhamento em planos diferentes, essa marca se tornou uma técnica, e o claro-escuro viria a habitar muitos trabalhos de artistas sucessores dele. La Tour, Rembrandt e Vermeer são alguns dos exemplos mais célebres desses seus seguidores.
CARAVAGGIO - Davi com a cabeça de Golias
Óleo sobre tela - 125 x 101
Galeria Borghese, Roma
A cabeça de Golias talvez seja mais um dos muitos
autorretratos produzidos pelo artista. A imagem sofrida
aqui representada é o retrato da melancolia que o
acompanhou pelos últimos anos de vida.
Já nessa fase, possuía, apesar de ainda jovem, um domínio extraordinário no uso do espaço e no arranjo de suas composições. Caravaggio fez com que o mundo das artes imergisse em uma espécie de escuridão. Seus personagens saltavam de penumbras densas, com uma luz que delineava e realçava pontos especiais da tela. Eram as sombras que ditavam o caminho da composição de seus trabalhos, valorizando ainda mais a forte luz incidental que se tornou a característica maior de suas obras. Ainda que muitos críticos contrários a ele, alegassem que a escuridão demasiada de suas obras fosse um falta de habilidade para lidar com o detalhamento em planos diferentes, essa marca se tornou uma técnica, e o claro-escuro viria a habitar muitos trabalhos de artistas sucessores dele. La Tour, Rembrandt e Vermeer são alguns dos exemplos mais célebres desses seus seguidores.
CARAVAGGIO - O martírio de São Mateus
Óleo sobre tela - 323 x 343
Capela Contarelli da Igreja S. Luigi dei Francesi, Roma
CARAVAGGIO - A crucificação de São Pedro
Óleo sobre tela - Óleo sobre tela - 230 x 175
Capela Cerasi da Igreja Santa Maria del Popolo, Roma
Uma série de ocorrências policiais, deixa ainda mais tumultuados os seus dias. Fere um notável por causa de uma prostituta, provoca uma rebelião em um albergue e é acusado pela morte de um sargento de polícia. Assim como na vida pessoal, a recusa por uma idealização também continua na arte, opondo na temática e na maneira como conduz suas composições.
CARAVAGGIO - A conversão de São Paulo (Obra recusada)
Óleo sobre painel de cipreste - 237 x 198
Coleção do Príncipe Guido Odescalchi, Roma
CARAVAGGIO - A conversão de São Paulo (Obra aceita)
Óleo sobre tela - 230 x 175
Capela Cerasi da Igreja Santa Maria del Popolo, Roma
O temperamento impulsivo e inconseqüente de Caravaggio lhe custou um alto preço. Em 1606, mata um homem chamado Tommasoni, por causa de uma simples discussão em um jogo. Por isso, foge de Roma sob disfarces, tendo sua cabeça a prêmio, por qualquer oficial que o encontre. Mais uma vez, seus protetores o escondem, agora o Príncipe de Colonna. Indo para Nápoles, em finais de 1606, produz novamente diversas obras: “Ressurreição”, uma “Flagelação de Cristo”, “Cristo na coluna”, “Sete obras de Misericórdia” e “Virgem do Rosário”, tendo essa última provocado desavenças entre ele e os Domenicanos que a encomendaram. Vai para Malta e realiza grandes obras para a catedral de São João e dois retratos do Grão-mestre da Ordem.
CARAVAGGIO - A deposição no túmulo
Óleo sobre tela - 300 x 203
Pinacoteca Vaticana, Roma
CARAVAGGIO - As sete obras da misericórdia
Óleo sobre tela - 390 x 260
Igreja de Pio Monte della Misericordia, Nápoles
Mais uma nova prisão lhe põe em conflito com a polícia. Já não mais gozando de boa saúde, realiza alguns trabalhos já sem muita expressão. Volta a Nápoles em 1609 e continua a produção de obras desconcertantes. É vítima de um atentado e a notícia de sua morte chega até Roma, mas era falsa. Ferido, ele deixa Nápoles em uma pequena embarcação rumo ao norte. Não se sabe exatamente o motivo, mas é dado como morto em uma praia em Ercole, próxima à Roma, apesar de seu corpo nunca ter sido encontrado. Não tinha ainda quarenta anos de idade.
CARAVAGGIO - A incredulidade de Tomé
Óleo sobre tela - 107 x 146
CARAVAGGIO - Nossa Senhora dos Peregrinos
Óleo sobre tela - 260 x 150
Igreja Santo Agostinho, Roma
CARAVAGGIO - Narciso
Óleo sobre tela - 122 x 92
Galleria Nazionale d'Arte Antica, Roma
Toda essa tribulação em vida comprometeu seriamente a reputação de suas obras. A beleza e a força de sua obra não resistiram e o artista foi esquecido. Passaram-se mais de três séculos para que a justiça fosse feita. Somente à partir de 1920, com os trabalhos do crítico Roberto Longhi, que o público descobriu sua obra e toda sua grandiosidade. Segundo outro crítico; o americano Bernard Berenson; depois de Michelangelo nenhum artista italiano foi tão influente quanto Caravaggio. Influenciou nomes de peso que atravessaram vários séculos depois do seu, e é bem provável que os artistas citados a seguir não teriam alcançado a intensidade de seus rabalhos se não tivessem conhecido os trabalhos de Caravaggio: Ribera, Vermeer, La Tour, Rembrandt, Delacroix, Géricault, Courbet e Manet. Uma frase de André Berne-Joffroy resume bem a importância de sua obra: “No dia seguinte da Renascença, o que começa com Caravaggio, é simplesmente a pintura moderna”.
CARAVAGGIO - O repouso durante a fuga para o Egito
Óleo sobre tela - 135,5 x 136,5
Galleria Doria Pamphili, Roma
CARAVAGGIO - O sacrifício de Isaac
Óleo sobre tela - 104 x 135
Galleria Degli Uffizi, Florença
CARAVAGGIO - São Jerônimo escritor
Óleo sobre tela - 112 x 157
Galleria Borghese, Roma
Não foi fácil ressuscitar toda sua obra, uma vez que deixou um grande número delas produzidas, mas apenas uma delas assinada. Mas o sucesso chegou, ainda que tardiamente, na metade do século XX. O mestre das trevas, assim conhecido pelo uso marcante do claro-escuro, estará para sempre como um dos capítulos mais importantes da História da Arte.
Retrato de Caravaggio, por OTTAVIO LEONI
Giz branco e vermelho sobre papel azul - 23,4 x 16,3
Biblioteca Marucelliana, Florença
Amigo José Rosário,
ResponderExcluirprimeiramente gostaria de parabinizar por suas excelentes postagens, em especial essa aqui sobre Caravaggio!!
Em segundo lugar, gostaria de agradecer as palavras em meu blog, fico muito feliz e honrado com as palavras :)
abração e sucesso!!
precisando, estamos ae!!!
Muito bom, parabéns.
ResponderExcluirDeixo os detalhes para seu amigo Paulo rsrs
Cristina Lima
Valeu André e Cristina, pelas visitas por aqui.
ResponderExcluirGrande abraço, amigos!
Olá, bom dia J.Rosário !
ResponderExcluirnunca me canso de constatar a beleza e a magnitude da pintura de Caravaggio!!! gênio! parabéns por postar essas maravilhas ..., abraços.
Beth Ferraz - Petrópolis/RJ
Sem sombra de dúvida um grande artista e um contestador.
ResponderExcluirJosé, seus textos estão cada dia melhores, tão bom podermos aprender através de uma leitura agradável. Eu volto... Um bj carinhoso.
Olá Beth, há tempos venho ensaiando essa matéria. Só agora deu pra sair.
ResponderExcluirCinha, valeu por mais uma visita.
Abraços a vocês!
Jose,
ResponderExcluirExcelente!
Caravagio, genio que sem duvida nenhuma esta no topo da piramide, nunca cansamos de olhar e de estudar suas obras.Eterno!
Obrigado jose.
Gilberto Geraldo
Contexto histórico fantástico José, texto muito bem disposto e Caravaggio sem dúvida um dos maiores mestres da história artística. Abraço !!!
ResponderExcluirGilberto, Gianni, obrigado pela visita.
ResponderExcluirGrande abraço, amigos!
Queria parabenizá-lo por essa história linda de Caravaggio, que marcou história nas artes, venho algum tempo observando seu Blog, conhecendo cada vez mais sobre as histórias e obras dos grandes mestres que já se foram, mas também daqueles atuais.Assim vc acaba abrindo um leque para todos,ficamos todos agradecidos pelo seu trabalho parabéns, e também queria parabenizá-lo de novo pelas suas obras, retrata muito bem o cotidiano mineiro, que é umas das paisagens mais bonitas do nosso país.Abraço!!!
ResponderExcluirCláudio, obrigado pela sua visita.
ResponderExcluirGrande abraço, amigo!
Michelangelo,essa Enciclopédia sobre a Arte,inteligencia extraordinária,no qual
ResponderExcluirse eternizou com suas grandes obras de
Arte,o melhor de todas as época,obras
imortais, linda matéria,obrigado,por
mais esse conheçemento////////////.
Prezado José Rosario,
ResponderExcluirParabéns pelo seu blog. Você colocou artistas que representaram muito para minha formação. Por inúmeras vezes estive na Pinacoteca do Estado obsevando os trabalhos de Pedro Alexandrino, Almeida Júnior, Batista da Costa, Eliseu Visconti entre outros. Pintei algumas telas das salas Azevedo Marques e Pedro Alexandrino, na década de 60. Para mim, Sorolla também é um dos melhores artistas que interpretaram a luz solar. Veja também artistas portugueses, entre eles, Carlos Reis, José Malhoa e Sousa Pinto. Fiquei realmente muito feliz ao ver este blog.
Um grande abraço, Gilberto Marchi
http://gilbertomarchi.blogspot.com
Puxa, Gilberto. Que bom termos as mesmas referências. Acho todas elas também muito boas, e mesmo que à distância, foram minha única base.
ResponderExcluirGrande abraço, amigo!
GRANDE ARTISTA E HISTORIADOR, PARABÉNS, DE NOVO !
ExcluirCaravagio é único na história ! Deverria ter um poder de concentração absurdo, pois criou e executou obras que exigem muita técnica e disciplina profissional em meio á turbulências pessoais que deixariam qualquer humano sem norte. Ainda hoje, é o artista mais admirado pelos italianos, e eu agradeço o privilégio de ter visto seus trabalhos em firenze e na galleria borghese, de roma.
Também prefiro pintar, sem priorizar o comércio, o gosto geral, e acredito que a obra tem que ter identidade distinta da próxima ou da anterior. Como gosto muito do desafio da figura humana, Caravagio sempre foi um farol muito especial, como também o é ODD NERDRUM, meu mestre á distância.
obrigado, fera !
selistre
Olá Selistre, mais um grande prazer encontrar seus comentários que tanto enriquecem a postagem. Estudar Arte é uma coisa, comprová-la na prática, como você o faz, é completamente diferente.
ExcluirAproveite bem o ambiente que vive e continue nos compartilhando de suas descobertas.
Grande abraço!
José Rosário, gostei muito deste seu artigo que um amigo indicou. Ele se inspirou depois que leu o texto que escrevi sobre Caravaggio e por isso fez a ponte entre nós. Adorei tudo o que vi por aqui. Parabéns pelo trabalho. Senti falta de saber mais de vc, mas isso pode ser mania de quem gosta de biografias. Abraço, Ana González
ResponderExcluirOlá Ana, fico feliz que tenha gostado da matéria e agradeço pela sua visita. Quanto a mim, melhor o tempo conte minha história.
ExcluirUm grande abraço!