Catedral Metropolitana de Campinas,
fachada principal.
Fizemos uma proposta no início desse ano: a de nos encontrarmos pelo menos três vezes, uma vez em cada uma de nossas cidades. Os companheiros Waiderson, Célio e eu. O termo “companheiros” ainda é herança de um passado de atividades políticas. Havia um certo idealismo que o tempo ajudou a arrefecer, mas ainda comungamos muitas idéias parecidas. O primeiro encontro desse ano foi em abril, no Rio de Janeiro, terra momentânea do companheiro Célio. O segundo em Sumaré, terra adotada pelo companheiro Wai, aconteceu nesse último final de semana. O terceiro está marcado para Dionísio, minha terra de sempre.
Da esquerda para a direita:
Waiderson, Célio e José Rosário
É também um momento de encontrar com as famílias de todos, frear um pouco a correria insana do dia a dia, e deixar que uma boa conversa alimente as chamas dessa amizade nossa. Nesse nosso encontro em Sumaré, havia também muita possibilidade de diversão por perto. O SWU acontecia em Paulínea, até passamos um pouco por lá. Deu pra sentir um pouco do clima agitado de um festival que tem muitas propostas. A gente fica até torcendo que tais propostas “peguem” um dia, mas na prática, há muito para melhorar. Holambra também acabou entrando no roteiro. O tempo ficou nublado por todo o fim de semana, mas não comprometeu em nada nossas propostas.
Da esquerda para a direita:
Waiderson, Andréia, Lucas, José Rosário, Zelma, Rafael e Pier Giorgio.
Sem fazer muitos planos, sempre visitamos algum local interessante nesses encontros. Se em abril, no Rio, tudo me era apresentado como novidade, agora tive a possibilidade de conhecer melhor um dos cartões postais de Campinas, vizinha cidade de Sumaré: visitamos quase que por acidente, a Catedral Metropolitana de Campinas.
Digo “quase que por acidente”, porque passávamos por perto e resolvemos entrar. Uma daquelas felizes coincidências que nos acontecem em raras ocasiões da vida.
Teria sido uma visita corriqueira, não fosse o encontro com Pier Giorgio Saruis, um arquiteto e restaurador italiano, responsável pela atual restauração de toda a estrutura física pela qual está passando a catedral. Uma pessoa encantadora, certamente uma das maiores autoridades mundiais em Edificações Antigas, formado pelas Academias de Florença e Veneza. Ele nos falou do prazer em conhecer os quatro cantos do mundo, tendo a possibilidade de fazer aquilo que mais gosta: restaurar e preservar a memória da humanidade. Com toda a simpatia que lhe é marca forte, gastou uma tarde inteira na nossa presença e fez questão de nos apresentar tudo, não se esquecendo de nenhum detalhe. Falou-nos do passado daquele templo e nos mostrou as mudanças que estão sendo feitas no presente, para que o futuro não esqueça esse trecho tão importante da história daquela cidade. Ficaríamos muitas tardes mais em sua companhia, ouvindo tantas curiosidades que ainda não nos foram apresentadas naquele momento.
Catedral Metropolitana de Campinas.
Construção, em uma ilustração de época
Interior, novembro de 2011.
Para situarmos melhor, a Catedral Metropolitana de Campinas, também conhecida como Catedral de Nossa Senhora da Conceição, em homenagem à padroeira de Campinas, está localizada na Praça José Bonifácio, bem no centro da cidade. O local recebeu o nome de Largo da Catedral. Há que se destacar desde o início, que se trata da maior construção do mundo construída em taipa de pilão, uma técnica completamente rudimentar que dispensa o uso de tijolos, e onde as paredes são erguidas com a deposição de camadas de uma espécie de massa especial desenvolvida naquela época. Toda feita utilizando o trabalho escravo, a Catedral tem mais de 4.000 m² e é também um dos mais altos nessa técnica.
Catedral Metropolitana de Campinas.
Apresentação da parede em taipa, por Pier Giorgio.
Interessante mesmo foi visualizar isso tudo nas explicações pacientes de Pier Giorgio. Ver as camadas de taipa ainda expostas, que se encontram acima do forro do telhado e como as paredes foram erguidas e se mantém até hoje.
Catedral Metropolitana de Campinas.
Década de 1940.
A história do templo também é muito rica. Com um roteiro que encabeçaria uma ótima produção cinematográfica, a catedral ergueu aos trancos, depois de muitos esforços e até tragédias. Em 14 de julho de 1774, foi inaugurada a Paróquia da Conceição na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas de Mato Grosso de Jundiaí, com missa cantada, levantamento da pia batismal e benção da matriz provisória. A freguesia foi elevada à categoria de vila em 1797 e teve seu nome mudado para Vila de São Carlos. Em 1807, a câmara da vila determinou o início da construção de uma nova igreja, sendo os imensos alicerces, típicos da construção em taipa de pilão, construídos pelos escravos e desde já, abençoados pelo vigário. O primeiro administrador da obras foi Felipe Teixeira Néri. Durante 38 anos, as taipas foram sendo piladas, financiadas por contribuições, loterias e até um novo imposto provincial, a Lei Provincial n° 3, de 9 de março de 1854. A luta pela independência, a Revolução Liberal de 1842 e outros fatores contribuíram para a lentidão das obras, e as taipas só foram concluídas em 1845, podendo a capela-mor, a sacristia e a nave central serem cobertas naquele ano. Em 1847, devido à visita de D. Pedro II, que havia elevado a Vila de São Carlos à condição de cidade, com o nome de Campinas, em 1842, a Igreja do Rosário é tornada matriz provisória, pois a matriz nova ainda não tinha condições de uso e a Matriz Velha jazia abandona e decrépita.
Detalhe de entalhamento das colunas laterais.
Em 1848, o doutor Antônio Joaquim de Sampaio Peixoto assumiu a condução das obras. Foi Antônio Francisco Lisboa, conhecido como “Baía”, que no ano de 1853, pagou as despesas de viagem, e trouxe da então província da Bahia, um grupo de entalhadores comandados por Vitoriano dos Anjos Figueiroa e mais três oficiais, para se encarregarem da ornamentação interna da “matriz nova” de Nossa Senhora da Conceição. Já em Campinas, Vitoriano era tratado por “professor de entalhe”. Valendo-se dessa prerrogativa, formou na cidade um corpo de aprendizes, dos quais podemos citar Antônio Dias Leite, José Antunes de Assunção e Laudíssimo Augusto Melo, esse inclusiva deficiente auditivo, e tido pelos contemporâneos como muito habilidoso.
Interior da Catedral Metropolitana de Campinas.
Passo da Via sacra.
Vitoriano foi responsável pelo altar-mor, das tribunas, dos púlpitos, da varanda do coro e até mesmo pela condução das obras até 1862, quando foi dispensado pelo novo administrador, Antônio Carlos de Sampaio Peixoto. Auxiliado pelos arquitetos Job Justino de Alcântara, Antônio de Pádua Castro e o doutor Bittencourt da Silva, em 1862, Sampaio organizou um novo grupo de entalhadores, chefiados por Bernardino de Sena Reis e Almeida, que era fluminense. Concluiu-se a ornamentação da nave central em 1865, os dois altares dos cantos e os quatro laterais, bem como as capelas. Tudo entalhado em cedro, abundante nas matas ao redor da cidade. Segundo Pier Giorgio, as madeiras do telhado são todas em Araucária, retirada do próprio local onde foi erguida a catedral. Na restauração atual, peças sobressalentes dessa madeira foram trazidas do Paraná.
Os sinos começaram a ser instalados em 1870. Foram trazidos de uma empresa de Londres, cujo nome é impossível de ser identificado na atualidade.
Catedral Metropolitana de Campinas.
Interior com celebração.
Após a conclusão do interior, teve início o processo da construção da fachada, havendo cinco mudanças de projeto: o primeiro tinha características barrocas com duas torres, e nesse sentido, seria perfeitamente integrado ao estilo adotado no interior do templo. Era de autoria do Dr. Bittencourt, mas não pôde ser executado pois não havia cantaria disponível na região, sendo adaptado por José Maria Cantarino. O segundo projeto, em estilo neoclássico, de Charles Romieu, previa uma única torre assentada sobre quatro colunas de pedra, cal e tijolos, mas foi suspenso devido aos acidentes ocorridos na construção, que levaram ao soterramento de quatro funcionários e uma criança. O terceiro projeto, de autoria de José Maria Villaronga, foi escolhido como resultado de um concurso público, e previa uma fachada neogótica, mas houve desentendimentos entre os administradores e não chegou sequer a ser iniciado. Em 1876, foi contratado o engenheiro italiano Cristóvão Bonini, para mudanças na planta e conclusão da obra, mas foi exonerado pela câmara em 1879. Finalmente, o quinto projeto, implementado pelo campineiro Francisco de Paula Ramos de Azevedo, recuperou o estilo neoclássico e deu o formato que é conhecido atualmente. Também foi o responsável pela conclusão de todas as obras, inclusive da instalação de dutos de gás para iluminação, uma novidade na época.
Panorama de uma das capelas laterais.
Inaugurada em 1883, a catedral recebeu novas ornamentações na fachada durante a grande reforma de 1923 (como os medalhões com as datas comemorativas da diocese, as guirlandas e as estátuas dos quatro evangelistas e dos quatro anjos do Apocalipse), quando também as telhas coloniais foram trocadas por francesas e a abóbada sobre o altar-mor foi levantada alguns metros, ficando na mesma altura do restante da igreja. Foi também nessa época que o zimbório foi trocado por uma cúpula em gomos, encimada pela imagem de Nossa Senhora. Também segundo informações de Pier Giorgio, essa imagem da santa era acabada com policromia, que será recuperada na atual restauração. A abóbada também possuía revestimento de ouro e prata, que serão devidamente recompostos na atualidade.
Altar em uma das capelas laterais.
O requintado entalhamento na madeira, localizado em seu interior, não possui douração. Pelas informações de Pier Giorgio, na segunda década do século XX, uma infestação de cupins, provenientes das matas derrubadas desenfreadamente, nos arredores de Campinas, obrigou a uma aplicação de piche em todo o interior da igreja, única solução encontrada para proteger o patrimônio naquela época.
A Catedral Metropolitana de Campinas é tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (CONDEPACC).
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Que os nossos próximos encontros tragam muitas boas surpresas como esta!
Olha meu amigo esse texto me trouxe muita informação que até então eu desconhecia, fico muito agradecido por ter recebido em minha "terra adotada" a visitas de pessoas tão importantes em minha vida como vocês. espero muito poder reve-los em breve, e nao tenho duvidas que nossos encontros sempre trarão cousas boas e inéditas, e ainda que não o traga somente o fato de estar na presença de pessoas como vocês, já um extremamente gratificante e inovador. valeu.
ResponderExcluirWai
Grande amigo, quero aproveitar o momento mais uma vez para agradecer a hospitalidade que tivemos por aí, durante todos os dias.
ResponderExcluirGrande abraço para toda a família também!
Querido José Rosário, além de rever os amigos, traz aos amigos de cá grande contribuição histórica e artística. O encontro com Pier Giorgio foi presente do Universo a vocês e a nós também... Parabéns pela postagem. Abraço fraterno. Salete
ResponderExcluirPois é, Salete. Esta é a grande contribuição da internet, socializar.
ResponderExcluirObrigado por passar por aqui!
Abraço!
José Rosário!
ResponderExcluircada encontro nos traz a certeza que amizade é um presente valioso!À você e ao Wai,pessoas maravilhosas,nosso muito obrigado por esses momentos riquíssimos que passamos juntos!Até o próximo!
Andréia
O bom é que de cada encontro nosso, venho com a certeza que sempre há lugar pra aprender um pouco mais.
ResponderExcluirObrigado pela companhia de vocês e um forte abraço a todos por aí!
Caramba!!! Fui a Campinas.
ResponderExcluirA viagem mais barata e impressionante
que já fiz.
Bom ver Célio e os garotos após tanto tempo.
Abraços
josé Maria
Olá Zema,
ResponderExcluirtá convidado pro próximo encontro!
Grande abraço, amigo!
Olá Rosário...,muito bom conhecer e ver as fotos dos artistas que admiramos! bela iniciativa de vcs se encontrarem e partilhar experiências sobre arte e vida !!abraços,
ResponderExcluirBeth Ferraz.
Obrigado por sempre passar aqui e dividir conosco esse espaço, Beth. Abraço!
ResponderExcluirCompanheiro, faço referências à riqueza das informações encontrada na matéria. Um passeio pela história e pela arte. Um encontro de velhos companheiros que a distância e o tempo não foram capazes afugentar. Amor, amizade e arte são ingredientes fundamentais para a alma humana.
ResponderExcluirGrande amigo, que visita mais oportuna aquela que fizemos à Catedral. Muito ensinamento é um só momento.
ResponderExcluirVamos nos preparando para o próximo encontro. Uma preparação espiritual, que é a mais importante!
Abraço a todos por aí!
Olá, minha filha fará uma maquete de uma igreja para um trabalho escolar e escolhemos a Catedral Metropolitana de Campinas, você teria as dimensões, largura, altura e profundidade?
ResponderExcluirInfelizmente não tenho, Necilene. Mas, não deve ser muito difícil de se conseguir com a própria paróquia. Tente com eles.
ExcluirGrande abraço!
Olá José Rosário, tudo bem? Vi seu post sobre a Catedral e gostaria apenas de passar uma informação. O Sr. Pier Giorgio, apesar de restaurador, não conhece de fato a real história da Catedral. Há muitas informações equivocadas em seu relato e há mais ainda um grande erro histórico ao afirmar que havia douramento no templo. Sugiro que você leia a dissertação de mestrado da pesquisadora Paula Barrantes, disponível na biblioteca do IFCH da Unicamp e em breve disponível na base acervus para download em formato digital. A pesquisadora passou 4 anos investigando documentos da câmara municipal de Campinas, dos livros tombos localizados na Cúria Metropolitana de Campinas, diversos documentos na própria Catedral e além disso, como Historiadora da arte, fez uma análise iconográfica dos altares e diversas imagens que compõem a história da Catedral de Campinas. Uma coisa você está realmente correto, daria um belo roteiro de um filme. Estou escrevendo isso porque percebi que se não divulgarmos as pesquisas sérias de fato estaremos fadados aos "achismos" até hoje propagados não apenas da história da Catedral mas de muitos outros patrimonios históricos no país. A pesquisa acadêmica é a ferramenta que possuímos para de fato desvendar a história deste país. caso se interesse, a dissertação da pesquisadora Paula Barrantes se intitula: Catalogação do acervo artístico da Catedral Metropolitana de Campinas : pinturas, esculturas, talha e detalhes arquitetônicos de 1840 a 1923 / Paula Elizabeth de Maria Barrantes.
ResponderExcluirUm grande abraço,
Obrigado Alexandre, deixarei aqui sua indicação para que todos possam pesquisar os dados mais profundamente.
ExcluirGrande abraço!