Manter acesa a chama da cultura não é tarefa fácil. Ora falta estrutura, ora falta mão de obra, ora faltam recursos... Preservar a memória do local onde se vive é preservar sua história. Sem conhecer o passado é impossível dar passos seguros em direção ao futuro.
A história de minha cidade se parece com as de muitas outras, mundo afora. No relato de José Geraldo de Araújo Castro, uma parte dessa história que se perdeu, ou que pelo menos não teve continuação.
O TEATRO EM DIONÍSIO
(José Geraldo de Araújo Castro)
A tradição do teatro em Dionísio era muito antiga. Amador, mas sempre de qualidade.
Dionísio sempre foi um município pequeno territorialmente e demograficamente desde sua fundação. No passado, o distrito de Dionísio possuía uma população minúscula com problemas maiúsculos. A pequena população não desfrutava de água encanada, rede de esgoto, luz elétrica, rua calçada. Tudo isso era uma aspiração distante e desconhecida para a maioria. Estrada? Somente havia o trilho das tropas e dos animais de sela que ligava as pequenas comunidades no seu entorno. Entretanto, por razões totalmente atípicas, um fato extraordinário surgiu aqui. A instalação de uma das primeiras escolas estaduais no distrito mudou radicalmente o cenário desolado e pobre de seus esquecidos habitantes. A comunidade totalmente ignorante e analfabeta foi seduzida pelo poder da luz inebriante do saber. Com as primeiras letras, outros horizontes começaram a ser conhecidos. Uma banda de música foi criada para trazer alegria à população cuja vida consistia na árdua labuta diária.
A escola, além de ensinar sua grade curricular, começou com candeeiros e lampiões encenar com seus alunos inúmeras peças teatrais, nos finais de semana, para deleite de uma comunidade carente de qualquer diversão.
Bem mais tarde, depois do advento da luz elétrica, um grupo de pessoas comprou uma velha casa na praça, ao lado da igreja, onde foi instalado oficialmente, o teatro da cidade. Nessa casa, as artes cênicas reinaram soberanas, entretendo todos por longo período.
Entretanto, quando o distrito foi emancipado, generosamente o grupo teatral doou o local para ser instalada a sede administrativa do novo município.
O tempo passou, o teatro encontrou uma nova morada no salão paroquial da cidade. Ali grandes peças foram encenadas do drama a comédia para alegria geral. Nessa época, não havia TV, e o rádio estava disponível apenas para aqueles privilegiados que podiam comprar e desfrutar de um prazer sofisticado e caro. Depois de várias utilizações dadas ao velho salão, ficou este abandonado por um longo período.Todavia, essa cultura enraizada no DNA de nossa gente, floresceu novamente com o grupo Elo de Teatro com o objetivo único de continuar com esta tradição tão arraigada. Nessa época, esse grupo de abnegados dionisianos reformou o velho salão com recursos próprios e com a ajuda do trabalho incondicional de muitos. Foram encenadas várias peças relembrando os tempos áureos da arte de Sófocles e Eurípedes. O grupo não dispunha de recursos materiais. As cadeiras da platéia eram emprestadas pela escola. No sábado pela manhã buscavam-nas de caminhão emprestado para devolvê-las à escola no domingo à noite, depois do espetáculo.
No cenário era encontrado um verdadeiro caleidoscópio comunitário. Móveis, roupas, enfeites, bibelôs, quadros, chapéus eram emprestados pela comunidade. Como o espetáculo não podia parar nada detinha a intrépida trupe. Cada peça era ensaiada durante três meses, de segunda a quinta, de 19 às 22 horas. O grupo não ensaiava todos os dias porque alguns do elenco faziam faculdade no fim de semana. Tudo isso para ao cabo deste esforço o grupo realizar duas apresentações para a comunidade. E aí começava tudo de novo. Valia pena. Era uma convivência amiga, intensa e alegre. O mais difícil era a escolha do espetáculo seguinte. Tudo era discutido e decidido democraticamente com o elenco. Havia a preocupação permanente de escolher uma peça que agradasse plenamente. O elenco sabia que não podia errar na escolha. Dentro da limitação imposta pelas circunstâncias, o perfeccionismo haveria sempre de prevalecer para o sucesso final.
Entretanto, tempos depois o salão foi vendido. A falta desse espaço junto à inércia e visão desfocada do poder público em perceber esse interesse cultural da população, contribuíram enfaticamente para o ocaso dessa arte em nosso meio. O espaço físico do teatro é de inestimável importância para qualquer comunidade. É sempre um espaço multi-uso. Serve para teatro, cinema, palestra, reuniões comunitárias, formaturas, recitais, shows, etc. Todavia devido a falta de sensibilidade dos administradores estes não perceberam a polivalência desse lugar. Não conheceram sua magia e importância. O teatro é diversão, disciplina e cultura. Nossa comunidade tinha a consciência cristalina do seu autêntico valor. Os nossos administradores, não.
Pois bem, esta peça anunciou, sem que ninguém soubesse, o último ato do teatro em Dionísio
Com ela, as cortinas fecharam. As luzes apagaram. A tradição acabou. O teatro melancolicamente e definitivamente saiu de cena. Neste dia a platéia não aplaudiu, nem riu. Chorou.
José Geraldo de Araújo Castro
é mineiro de Dionísio.
Fugindo ao assunto do post, mas achei que poderia te interessar: neste mês, creio que a partir do dia 27, haverá exposição de pinturas de Caravaggio (e pintores caravaggistas) na Casa Fiat, em BH.
ResponderExcluirLis
Olá Lis, sempre recebo uma mala direta da Casa Fiat, ainda não recebi por esses dias. Vou conferir sobre a exposição, pois deve estar imperdível.
ExcluirObrigado pela dica e grande abraço!
Parabéns José. Vc. sempre defendendo a cultura do seu lugar. Bravo! Que bom seria se todo brasileiro agisse assim...
ResponderExcluirAbraços.
José Antônio.
José Antônio, penso que pequenas atitudes sempre podem se transformar em grandes agentes de mudança. Basta começar. O José Geraldo é um insistente no assunto do teatro, uma pena que tenha tão poucos adeptos e não tenha o respaldo que a cidade mereça.
ExcluirUm abraço!