domingo, 15 de maio de 2011

GUSTAVO DALL'ARA

GUSTAVO DALL'ARA - Rua com aguadeiros
 Óleo sobre tela - 67 x 87 - 1913 - Coleção Jean Beghici


Uma de minhas primeiras matérias, quando iniciei o blog, foi uma publicação com dados biográficos e algumas obras dos artistas Gustavo Dall’Ara e Pedro Weingärtner, ambos contemporâneos de um período de transição da pintura não só brasileira, mas mundial. Só agora resolvi desmembrar as duas biografias, dado ao fato de que são artistas que admiro imensamente e que merecem um apreço especial em matérias individuais.


GUSTAVO DALL'ARA - Largo de São Francisco de Paulo, depois da chuva
 Óleo sobre tela - 54 x 73 - 1918 - Coleção Ronaldo do Valle Simões

Gustavo Dall’Ara é um pintor de duas nacionalidades. Nasceu em Rovigo, na Itália, no ano de 1865, mas o destino o encaminhou para o Brasil, onde faria de sua casa até os seus últimos dias. Consta em seus dados biográficos que era pintor, ilustrador e decorador. Por causa da segunda habilidade veio para o Brasil, com indicação para trabalhos como desenhista e caricaturista do semanário “Vida Fluminense”, cargo que ocuparia no ano de 1890.


GUSTAVO DALL'ARA - Praia do Flamengo
 Óleo sobre tela - 59,5 x 90,5 - 1917
Coleção José Carlos Bruzzi Castello

GUSTAVO DALL'ARA - Rua 1º de Março
Óleo sobre tela 59 x 41,7 - 1915
Coleção Maria do Rosário Moreira de Souza

Somada ao convite do novo emprego, outra situação pesou na vinda do artista para o Brasil. Com diagnóstico de epilepsia, seu médico aconselhou que o clima quente brasileiro traria concretas melhoras. Na esperança que o calor dos trópicos amenizasse seu problema, coisa que nunca aconteceu, a proposta no Rio de Janeiro lhe caiu como uma oferta muito oportuna.


GUSTAVO DALL'ARA - Tarefa pesada
 Óleo sobre tela - 120 x 90 - 1913
Museu Nacional de Belas Artes

GUSTAVO DALL'ARA
O carinho fraternal
Óleo sobre tela - 96 x 45 - 1916

O jornal fecharia, dois anos após sua chegada. Não existem dados precisos a respeito de como tenha resolvido prováveis transtornos financeiros, uma vez que estava numa terra estranha, onde a língua e os costumes não lhe eram ainda muito familiares.


GUSTAVO DALL'ARA - A ronda da favela
 Óleo sobre tela - 74 x 88 - Coleção Sérgio Sahione Fadel

GUSTAVO DALL'ARA - Marinha, Porto do Caju
Óleo sobre tela - 54,5 x 110 - 1905 - Coleção Fernando Assis

Entre 1893 e 1895 torna-se membro de uma das comissões organizadas pelo Governo da Província de Minas Gerais, encarregada de projetar e construir a cidade de Belo Horizonte, nova sede administrativa do estado, criada num lugarejo de nome Arraial do Curral d’El Rei, em substituição à até então capital Ouro Preto. Também é desse período o casamento com Maria Carolina Coelho, esposa devotada ao marido até o fim de seus dias. Não deixam nenhum filho.


GUSTAVO DALL'ARA - Casario em Curral d'El Rei, atual Belo Horizonte
 Óleo sobre madeira - 15,5 x 29 - 1893 - Coleção David Penna Aarão Reis

Os anos iniciais da sua formação artística se deram na Itália, mais precisamente na Accademia de Belle Arti di Venezia, onde é aceito no curso preparatório em 1881. Muitos influenciaram os seus trabalhos as pesquisas de cor e atmosfera baseadas em Guglielmo Ciardi e Ettore Tito, somadas a um realismo sentimental com inspirações em Luigi Nono. Também é importante ressaltar que a essa altura o Impressionismo já estava bem consolidado na França e que o Macchiaiolio, movimento semelhante na Itália, já realizava seus experimentos sem o alarde e os declarados desejos de mudança, arquitetados pelos contemporâneos franceses. Mesmo nesse período de efervescência em mudanças estilísticas acontecendo por todo o mundo, a obra de Dall’Ara se consolidaria como um realismo com toques acadêmicos e experimentos impressionistas despretensiosos. Os valores expressivos da paisagem e paleta com cores e harmonias sempre delicadas são características constantemente exploradas em seu trabalho. Certos críticos não reconhecem em seu trabalho muita inventividade no “design”, mas o consideram um pintor preciso, que atendia muito bem as expectativas a que ele se propôs.


GUSTAVO DALL'ARA - Alto Corcovado
 Óleo sobre tela - 53 x 62 - 1914 - Coleção Jean Boghici

GUSTAVO DALL'ARA - Saco do Raposo, Retiro Saudoso
Óleo sobre tela - 54 x 96 - 1910 - Coleção Hersias Lutterbach

Falar sobre a obra de Gustavo Dall’Ara é compartilhar um Rio de Janeiro único e exclusivo, sob o olhar de um estrangeiro se adaptando cada vez mais com sua nova “morada”. Talvez por isso, não seja nada espantoso afirmar que um artista italiano venha a receber o título de “pintor da cidade do Rio de Janeiro”. Sem sombras de dúvida, o Rio de Janeiro é seu tema principal. Não só estão representadas em suas obras as paisagens, mas também todos os seus habitantes e toda a metamorfose porque passou a cidade no início do século XX.


                     
GUSTAVO DALL'ARA - Uma rua no centro do Rio de Janeiro
 Óleo sobre tela - 161 x 61 - 1899 - Coleção Henrique A. Baez Sampaio

Como um repórter de seu tempo, Dall’Ara empresta sua visão realista para tudo que lhe atraía na cidade. Lavadeiras em suas lidas, ruas e praças com seu ir e vir de pedestres, bondes, carroças e tudo mais que por elas passasse. Quando fazia esboços ao ar livre, seu trabalho adquiria uma linguagem bem impressionista, como mostra a imagem abaixo. Nesses momentos, de menor formalismo, e sem o rigor fotográfico que desejava em suas cenas, sensações atmosféricas como brumas e sombras brilhantes, ganham muito mais vigor em sua obra.


GUSTAVO DALLA'RA - Largo da Carioca
Óleo sobre tela - 14 x 21

Ao mesmo tempo que sua obra é quase um fotojornalismo, percebe-se em alguns momentos, um Rio idealizado, com os automóveis substituindo as charretes e os bondes, e as pessoas naturalmente entrosadas com tudo isso. Cenas que nos lembram muito a Paris de Cortês e Galien Laloue, salvas as características arquitetônicas de cada uma. Fica a sensação de que, pelo menos nesses momentos, o olhar de um estrangeiro tenha pesado em algumas de suas composições.


GUSTAVO DALL'ARA - Cais do mercado, Rio de Janeiro
 Óleo sobre madeira - 47,3 x 73,5 - 1901 - Coleção Fadel


GUSTAVO DALL'ARA - Marinha (vista do Rio)
Óleo sobre tela - 74 x 116,5 - 1905
Coleção Museu da República


Esse olhar rigoroso, com minúcias iconográficas, cambiante entre o existente e o desejado, é o documento de um período importante da história da cidade. Todos os personagens que habitam a cidade, lavadeiras, soldados, cavaleiros, madames, senhores sóbrios em seus ternos, transeuntes de toda classe, dão a exata sensação da riqueza etnográfica registrada na obra de Dall’Ara.


Cartão postal da Rua da Glória - 1905
Destaque para o relógio de quatro mostradores


GUSTAVO DALL'ARA - A Glória
Óleo sobre cartão - 32,5 x 23,5 - 1907
Coleção Farid Zacharias

O ano de 1910 seria marcante em sua vida, pois é nessa data, mais precisamente a 11 de junho, que se tornaria um cidadão brasileiro, naturalizando-se.
Entre os anos de 1913 e 1919 talvez situe o período mais produtivo do artista, artisticamente falando. Importantes obras suas foram desenvolvidas nesse período, no qual também tem seu nome consolidado no cenário artístico do Rio de Janeiro, tendo inclusive uma importante biografia editada por Laudelino Freire, no ano de 1915.


GUSTAVO DALL'ARA - Rua Dom Manuel
Óleo sobre tela - 81 x 117 - Museu Histórico Nacional

Como se já não bastasse todo o transtorno social causado pela epilepsia, provocando desmaios cada vez mais freqüentes e que nunca o abandonara, um outro mal, ainda mais discriminatório faria parte dos seus dias, a sífilis.


GUSTAVO DALL'ARA - O último tilbury
Óleo sobre tela - 33,5 x 38 - 1918 - Museu da República,RJ

GUSTAVO DALL'ARA - Favela
Óleo sobre tela - 60 x 93,5 - 1917 - Coleção César Bertazzoni

Já em 1923, com o agravamento dos dois males, Dall’Ara é internado no Hospital “Asylo-Colônia de Alienados”, em Vargem Alegre. Uma instituição que era o ponto final de todos que lá se internavam. Não suportando mais tanto sofrimento, no dia 30 de agosto de 1923, Dall’Ara se joga do segundo andar do pavilhão masculino, suicidando.


GUSTAVO DALL'ARA - Rua 1º de março
Óleo sobre tela - 117 x 98 - 1907
Museu Nacional de Belas Artes

GUSTAVO DALL'ARA
Catedral de Santiago de Compostela
Aquarela - 36x20

Dificuldade, doença e tragédia marcaram a vida desse artista, filho brasileiro por escolha e uma das grandes figuras da arte na cidade carioca.


GUSTAVO DALL'ARA - Casario em Santa Tereza
Óleo sobre tela - 39,5 x 60 - Coleção Agnaldo de Oliveira

GUSTAVO DALL'ARA - Quinta da Boa Vista
Óleo sobre tela - 55 x 58 - 1919 - Coleção Fadel


Quirino da Silva, do Diário de São Paulo, no dia 20 de outubro de 1968, comenta muito bem a importância de Dall’Ara: ...“A bagagem artística de Gustavo Dall’Ara é numerosa. Suas telas, mormente as que fixaram a fisionomia da paisagem urbana é um convite amável a passear no Rio que quase se foi – Rio patinado pela poesia; ruas estreitas, solitárias, ainda com beirais a chorar seus dias gloriosos; mercado, velhas igrejas ou mesmo avenidas... Era o pintor do Rio, do outro Rio”.


GUSTAVO DALL'ARA - Auto-retrato
Óleo sobre tela - 128 x 75 - 1913 - Museu Nacional de Belas Artes

8 comentários:

  1. bravo, rosário! belo post de um artista de tremenda importância e de uma obra sensível. acabei tomando contato com obras que antes desconhecia. só vou cobrar agora seu post do nosso facchinetti. acho até que vou fazer um lobby por ele, rsrs. parabéns, um abraço. paulo

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  2. Olá Paulo, obrigado pela visita e pelo comentário. Vou preparar em breve seu Facchinetti. Tem muitas matérias iniciadas, precisando ganhar vida. Abraço!

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  3. Também estou na torcida esperando pelo "nosso" Facchinetti.

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  4. Nossa, a pressão aumenta... Abraço, Cristina!

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  5. Cara, excelente trabalho esse seu. Melhor ainda o trabalho do Dall'Ara!

    Postei uma assinatura dele lá no blogue que estou montando:

    http://agaqueretro.blogspot.com.br/2017/03/continuando-pesquisa-identificando.html

    abraço

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    1. Olá, muito grato pela vinda.
      Um grande abraço. Passarei por lá.

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  6. Quanto vale uma replica de Gustavo dallara

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    1. Puxa, uma pergunta de resposta complexa. Trabalhos como os de Dall'Ara são bem únicos.

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